Tava na hora.
O despertador me
acordou e eu dei um soco nele. Sou da cidade, neném. Onde a vida não é fácil.
Um cara ganhou na Mega Sena. A emoção foi tão grande ao saber que sairia da
pobreza e de sua miserável vida que teve um ataque cardíaco. Deus joga de uma
forma misteriosa. Peguei minhas coisas e chamei um táxi. Cinco da matina. Tão
cedo que nem marginal tava acordado pra roubar. E olha que bandido não dorme.
O taxista chegou mais rápido que
notícia ruim. Entrei no táxi e disse para irmos ao Aeroporto. “Nós vamos voar?”,
ele me olha. “Nós não, grandão”, pensei em responder. Ele precisava de duas
cadeiras de motorista. Rapidamente me perguntei como ele sairia do carro.
Respondi que sim e ele me perguntou se iria ser com ou sem a torcida do
Corinthians. Achei o cara bem humorado e começamos a conversar. Contou de sua
vida difícil de taxista. De corridas envolvendo facas, putas, cocaína e essas
merdas. Eu o entendia. Tenho que entender, não por ser estudante de Psicologia,
mas por ser humano e existir que nem ele nessa vida.
Chegamos e ele me deu um
desconto. Dez centavos. “Vinte pila porque tu não reclamou”. Sabia barganhar.
Parecia um sapo quando sorria. Quando não sorria, também. Coitado, acho que era
um sapo mesmo. Porto Alegre às cinco horas da madrugada é uma loucura. Outra
cidade, dizem. Dizem...
Esperei o avião pousar depois dos
40 minutos de atraso. Não era Gol, era Gol contra. Estava eu e minha pedra sisifoniana.
Passei pelos detectores de metais e pela funcionária sorridente que trabalha para sustentar os três filhos. Procurei minha
cadeira e sentei. Não acreditava que tinha conseguido entrar com aquele gigante
pôster embrulhado. Fiquei na janela. Gosto de adrenalina. Voar e ficar na
janela, ao lado da asa esquerda é muita emoção. Ver como ela funciona e como
balança com uma turbulência. Freud chamaria isso de Pulsão de Morte. Chamaria...
Está morto. Eutanásia e tal.
O piloto disse que iríamos esperar
um pouco, pois a Infraero estava fiscalizando a pista. Desculpa esfarrapada. Vi
dois aviões saírem no horário que deveríamos ter saído. Ficamos mais 30 minutos
esperando. Encabulado, ele começou a agradecer pela preferência e teve a
brilhante ideia de se desculpar pelo atraso. Pelo menos foi isso que eu entendi. Pilotos de avião parecem ter alguma doença neurológica. Não sabem falar. Parecem engolir o microfone. "Good Morning ladies and gentleman, the temperatura is 20 degrees and the time of pfiifififioef is pfmfmaoismimdsalsids, our aeromoças irão help you to makjekjekjejkekaghppmgpm and pfpfpfpfpfppfepfpfpfpf. Nice trip." É, é,é,é! Tô sabendo teu inglês! Disse que o avião saiu de
Florianópolis e teve que fazer um pouso breve, pois apresentava problemas
técnicos durante a vinda. Quando a tripulação deu por conta do que ele havia
falado, ele desejou bom voo e agradeceu pela preferência, novamente. Bom humor, pelos
menos tinha.
O avião começou a taxiar e vi que
os cabos das lâmpadas de sinalização estavam aparecendo enrolados na pista.
Jeito triste de morrer. Avião levanta voo, fios enrolam-se nas rodas e como uma
árvore de natal incandescente todos nós iríamos morrer. A tal da Pulsão de
Morte. Ele acelera. Apertam-se os cintos. Sussurros de reza e algumas técnicas
de respiração. Metade do avião fazia Terapia Cognitivo-Comportamental por fobia
específica. Cheiro de peido e afins. E eu carregando a pedra de Sísifo. Lembrei
do taxista e de suas histórias estranhas.
No final, não éramos assim tão
diferente.
Matheus I. Mazzochi