quinta-feira, fevereiro 6

Fervereiro

O despertador tocou na mesma hora em que toca todos os dias. Acordei exatamente como fui dormir: suando. Mais um dia de calor. Eu estava grudado na cama. Lençol e corpo como sendo um só. Quando me levantei, lembrei das mulheres que se depilam usando cera quente. Quem visse de longe também se lembraria. Fui tomar banho crendo inutilmente que iria me refrescar. Expectativas. Elas podem acabar com você, mas sem elas a vida não tem sabor. Como um pudim de xuxu. Saí do chuveiro exatamente como entrei: molhado. Minha querida cidade está quebrando altos recordes todos os dias. Que orgulho que tenho dela...Pelo menos os repórteres mencionam a notícia com a alegria refrescante de seus ar-condicionados.

Tomei o mesmo café da manhã que tomo todos os dias e fui para o mesmo local de estágio que vou todos os dias. Passei pelos mesmos funcionários nordestinos que aguentam esse calor de 57ºC para reformar o Hospital do Bairro. Atirados ao chão, dormindo nas sombras do muro projetadas pela angulação ideal dos raios de Sol nesse dia de Inferno, como se fossem pecadores relaxando de suas penitências carnais. Passo pelo jardim de entrada do estágio e vejo dois Quero-Quero imitando os nordestinos que vi a duas quadras. A única diferença é que eles estavam sobre um dos pés, pelo calor do solo... Não... A única diferença é que eles não cantavam "QuÉro-QuÉro..." Isso... Essa é melhor.

Chego ao estágio exatamente como saí: suando. As mulheres se abanavam com folhas ou pastas como se fossem Cleópatra no deserto. Escuto as mesmas reportagens e leio as mesmas notícias há 10 dias. "E ainda hoje: a greve no transporte público, saiba até quando vai durar; falta luz nas cidades da Região Metropolitana; falta água em alguns pontos da cidade; Porto Alegre bate mais um recorde de temperatura e hoje é o dia mais quente do ano; Atenção redobrada nas estradas, os acidentes na Freeway; O Grêmio mais uma vez não vence fora de casa..." 

É como se o tempo tivesse parado. Como se os ponteiros dos relógios e suas engrenagens tivessem derretido em meio à alta temperatura sob o céu azul infinito, um céu de azul infinito semelhante ao azul do fogo de uma boca de fogão. Os carros nas ruas engarrafam-se e o trânsito sempre está parado. Semáforos ficam no amarelo cor de Sol. O horizonte está trêmulo e derretido. As pessoas estão sufocando em seus suores de medo e tristezas. O bafo do ar quente nos devolve o que queremos esquecer: a nossa evolução destrutiva do meio-ambiente. Lembro-me de quando eu era uma criança e queimava as formigas com uma Lupa. Hoje não acho mais graça. As coisas perdem a graça quando tu passa a ser a formiga e não o cara que as queima.

E ao meio-dia, olho na televisão as mesmas reportagens de ontem, hoje e amanhã: a greve no transporte público, saiba até quando vai durar; falta luz nas cidades da Região Metropolitana; falta água em alguns pontos da cidade; Porto Alegre bate mais um recorde de temperatura e hoje é o dia mais quente do ano; Atenção redobrada nas estradas, os acidentes na Freeway; O Grêmio mais uma vez não vence fora de casa...

Parece que alguém lá de cima desistiu e entrou em greve exigindo uma melhor criação para gerenciar. As Parcas largaram de tecer o tapete do destino e o mundo, assim como o tempo, está preso em uma fenda atemporal e contínua. A música do Universo trancou e só repete o mesmo acorde.

O mesmo teimoso e ardente acorde:

Sol Maior.

Matheus I. Mazzochi