sábado, novembro 1

Happy Halloween, eles dizem

Não basta a rotina que temos. Não bastam os comentários idiotas que escutamos na parada de ônibus e nas filas do banco, temos que conviver com os vizinhos. Parece que temos que sempre nos superar, sempre ir além, conhecer e superar seus limites, evoluir. Em outras palavras: conviver com seus vizinhos. Cheguei cansado do trabalho já calculando quantas horas de sono eu teria até acordar no dia seguinte. Enquanto esperava o elevador, vi uma folha mal colada com durex na parede:

Happy Halloween!
Cuidado que nesse final de semana fantasmas muito levadas 
vão bater a sua porta. Então?
Gostosuras ou Travessuras? 

E tinham umas votos aleatórias tiradas do Google Imagens. Aquelas com getty embaixo...É meu amigo, e você reclamando da Copa e das Eleições... Eu não, eu planejei tudo. 

Eis que toca a campainha. Ano passado jogaram todos os doces pela janela e deixaram a escada suja. Falta de consideração. Queriam só tocar o terror, só a anarquia, só a diversão livre. Eles iriam ter nesse ano.

Apaguei as luzes e peguei um roupão preto com capuz. Uma vela vermelha de 7 dias e uma faca de cortar carne. Tapei o rosto e acendi a vela. Destranquei a porta e deixei entreaberta. Silêncio. Um menino empurrou um pouco corajosamente. A porta abriu lentamente revelando meu rosto sério iluminado pela vela trêmula. 

- Gostosuras ou travessuras? - perguntou a menina de fadinha atrás do menino de Robin.
- Sabem que dia é hoje? - sussurrei como o Batman, enquanto ficaram me olhando com uma mistura de graça e outra de medo em seus olhos- Hoje é o dia em que os portais do Outro Mundo se abrem e todos aqueles que estiveram presos nas sombras estão livres para fazer visitas a quem quiserem. 
- Não é não! É o dia das Bruxas, moço- disse Robin em tom triste.
- É! Tu nem sabe que dia é hoje... - respondeu a fada metida - E o senhor vai querer gostosuras ou travessuras?
Ao terminar de dizer isso, a fada começou a fazer uma careta.

Perdi minha paciência e peguei um espelho de banheiro ovalado que havia coberto com um pano azulado. Mostrei a eles e disse que aquele que tiver coragem de ver o que o Outro Mundo tem a mostrar ganharia "gostosuras" da pinhata. 

-Pinhata? Tem doce lá dentro? - perguntou Robin.
- Tem muito, mas tem que ser bem corajoso.

Robin disse que não faria, mas a Fada Metida quis ver. Pedi para ela chegar bem perto e fui tirando lentamente o pano. Aproximei a vela no espelho e perguntei o que ela via. Não conseguiu ver nada. Aí eu disse que era para prestar bem atenção, pois poderia ser difícil no início, mas depois ficava mais fácil. Silêncio tomou conta. A chama de vela balançou circularmente um pouco e Robin perguntou porque eu fazia aquilo. 

- Pelo mesmo motivo que vocês.
- Eu tô me vendo! - gritou a Fada.
- Como assim, moço? - perguntou Robin.
- Eu me vi, moço! Eu me vi! Quero meu doce senão você terá travessuras da Fada Encantada!
- Bem, nesse caso... - e dizendo isso pousei o espelho no chão e, lentamente, tirei a faca de cortar carne do roupão preto. Robin gritou e saiu correndo quando viu a lâmina pela iluminação fraca da vela vermelha e a Fada arregalou seus olhos em pânico congelante. 
- Eu prefiro travessuras! - Encostei a lâmina da faca na bochecha da Fada e ela deixou cair suas sacolas e saiu correndo chorando pelo corredor. Não me contive e corri atrás gritando "Feliz dia das bruxas! HAHAHAHA!".

Eles desceram as escadas gritando e chorando. Acho até que tropeçaram um pouco.


Eu simplesmente sabia que a próxima reunião do condomínio seria mais interessante.


Matheus I. Mazzochi