Então estava decidido: ele iria
começar uma jornada aos confins da mente e da alma humana em busca de se
conhecer melhor e de conviver melhor consigo mesmo. Ele ia praticar o Kung Fu. Porém, especialmente para ele,
o Kung Fu só era Kung Fu pelas séries televisivas. Aquela clássica história do
rapaz mauricinho da cidade grande que pouco sabe sobre a arte e sobre a
filosofia e logo quer usá-la. Exatamente:
usá-la. Para bater em outras pessoas,
claro. Mal sabia ele que é assim que ele irá apanhar. Falando de uma forma Kung Fu.
Pegou
suas coisas. Juntou tudo o que podia. Achou quinquilharias embaixo da cama que
nem sabia que existiam. Esquecidas pelo passado. Esquecidas pelo pó no qual ele
dormia. Abriu o armário, coçou o cabelo, mordeu o lábio:
-
O que levar...? – sussurrou para ele mesmo.
Livros
na estante, caderno para fazer notas, sapatos, gravatas, chinelo de dedo. Tanta
coisa para levar em tão pouco espaço. Incerteza. Dúvida. Mudanças geram isso.
Ou arrumar a mala. Geralmente se arruma a mala em alguma mudança e algumas
mudanças nos fazem arrumar a mala. O china continuava sério de olhos fechados.
Talvez estivesse olhando para ele, mas de uma forma tão poderosa que não podia
ser real. Ele estava de olhos fechados. Digo, quem consegue olhar para uma
pessoa sem abrir os olhos? Talvez ele estivesse sentindo ele. Sim. O china
estava sentindo a presença dele no mesmo cômodo, convivendo com sua insegurança
e sua dúvida numa completa simbiose. Um só em dois corpos. Talvez seja essa
umas das ideias do Kung Fu.
Depois
de muito esperar pacientemente, o china interrompeu a bagunça mental do seu
amigo:
-
Leve apenas o que precisares – disse ele na mesma posição meditativa na cama.
-
Mas como eu sei o que eu irei precisar num lugar onde não conheço e nunca fui?
-
O que conseguires carregar consigo será o necessário.
Parecia
uma boa resposta. Daquelas profundas dos livros e dos filmes, porém não fazia o
maior sentido para ele. Pensou mais um pouco (desde que o chinês batera em sua
porta, ele andava pensando além de sua cota normal diária). Decidiu só levar
suas roupas.
-
O resto eu consigo no meio do caminho – disse após terminar de fechar a mala.
O
chinês abriu um leve sorriso.
-
Então vamos.
Matheus I. Mazzochi