- Teve uma vez em que eu tava aqui e
entrou um grupo de homens mal encarados. Se estranharam e começaram a discutir.
-
Capaz. – disse o outro, enquanto se balançava nos ferrolhos pelo movimento do
vagão.
- Um
dos caras puxou um negócio desse tamanho – afastou as mãos mais ou menos uns
30cm.
- Bah.
Sério?
-
A-ham.
- Deram
no homem?
- Mas!
– disse num suspiro. Com a mesma monotonia que o vagão se locomovia, o homem
olhou para o lado e voltou ao amigo. – Surraram o homem.
- E
ninguém fez nada né?
- Só
olhando e gritando “para! Vai matar o vivente”. Mulheres e crianças, tudo. Os
homens ficavam quietos, não querendo se meter.
- E não
tinha segurança?
Fez que
não com a cabeça e disse:
-
Naquela época não tinha. O homem apanhou da estação Farrapos até o Aeroporto.
O
companheiro dele fez uma careta e continuou em silêncio. Não era um silêncio
meditativo, era aquele silêncio em que não há pressa, não há assunto, não há
razão de falar algo. O típico silêncio vazio. Nós três ficamos de pé se
embalando pelo vai e vem do vagão. Aquele vai e vem chato, monótono de final de
dia cheio.
- Viu o
que aconteceu na Espanha?
O outro
gemeu.
- Coisa
de louco.
- O
maquinista gravava as velocidades, sabia?
-
Sério? – riu.
-
A-ham. Pegaram ele gravando. Tava quase por uns 200 quilômetros. Ele fazia
isso.
Longa
pausa entre os dois.
- Como
é que aceitam um cara desses pra trabalhar?
- É né?
Não tem Psicólogo para avaliar essas pessoas? Olha quantas ele matou! Se
tivessem feito uma entrevista, ia tudo estar vivo agora.
E como
se eu estivesse nascendo de novo, a vida voltou a ter cores. O trem parou com pessoas felizes cantando e dançando e alguém comprava uma boa bebida em promoção no supermercado com atendentes felizes e bem remunerados e tinham seguro de vida e a passagem baixou e a paz surgiu e a Humanidade uniu as religiões e começaram a se comunicar pela música e algum gringo descobriu algo que fosse relevante para o mundo e todos concordaram com ele e acabou a poluição e a pobreza se extinguiu e todos foram para as ruas desligar suas luzes e seus celulares para verem, no escuro, a beleza de um céu estrelado numa noite de Lua cheia.
Matheus I. Mazzochi