segunda-feira, agosto 26

[Entrei no trem rumo à cidade de Canoas]


                - Teve uma vez em que eu tava aqui e entrou um grupo de homens mal encarados. Se estranharam e começaram a discutir.

                - Capaz. – disse o outro, enquanto se balançava nos ferrolhos pelo movimento do vagão.
                - Um dos caras puxou um negócio desse tamanho – afastou as mãos mais ou menos uns 30cm.         
                - Bah. Sério?
                - A-ham.
                - Deram no homem?
                - Mas! – disse num suspiro. Com a mesma monotonia que o vagão se locomovia, o homem olhou para o lado e voltou ao amigo. – Surraram o homem.
                - E ninguém fez nada né?
                - Só olhando e gritando “para! Vai matar o vivente”. Mulheres e crianças, tudo. Os homens ficavam quietos, não querendo se meter.
                - E não tinha segurança?
                Fez que não com a cabeça e disse:
                - Naquela época não tinha. O homem apanhou da estação Farrapos até o Aeroporto.
                O companheiro dele fez uma careta e continuou em silêncio. Não era um silêncio meditativo, era aquele silêncio em que não há pressa, não há assunto, não há razão de falar algo. O típico silêncio vazio. Nós três ficamos de pé se embalando pelo vai e vem do vagão. Aquele vai e vem chato, monótono de final de dia cheio.
                - Viu o que aconteceu na Espanha?
                O outro gemeu.
                - Coisa de louco.
                - O maquinista gravava as velocidades, sabia?
                - Sério? – riu.
                - A-ham. Pegaram ele gravando. Tava quase por uns 200 quilômetros. Ele fazia isso.
                Longa pausa entre os dois.
                - Como é que aceitam um cara desses pra trabalhar?
                - É né? Não tem Psicólogo para avaliar essas pessoas? Olha quantas ele matou! Se tivessem feito uma entrevista, ia tudo estar vivo agora.


                E como se eu estivesse nascendo de novo, a vida voltou a ter cores. O trem parou com pessoas felizes cantando e dançando e alguém comprava uma boa bebida em promoção no supermercado com atendentes felizes e bem remunerados e tinham seguro de vida e a passagem baixou e a paz surgiu e a Humanidade uniu as religiões e começaram a se comunicar pela música e algum gringo descobriu algo que fosse relevante para o mundo e todos concordaram com ele e acabou a poluição e a pobreza se extinguiu e todos foram para as ruas desligar suas luzes e seus celulares para verem, no escuro, a beleza de um céu estrelado numa noite de Lua cheia.

Matheus I. Mazzochi

sexta-feira, agosto 16

Cerveja

Não sei quantas garrafas de cerveja
Consumi esperando que as coisas
Melhorassem.
Não sei quanto vinho e uísque
E cerveja
Principalmente cerveja
Consumi depois
De rompimentos com mulheres-
Esperando o telefone tocar
Esperando o som dos passos,
E o telefone nunca toca
Antes que seja tarde demais.
Quando meu estômago já está saindo
Pela boca
Elas chegam frescas como flores de primavera:
“mas que diabos vocês está fazendo?
Vai levar três dias antes que você possa me comer!”

A mulher é durável
Vive sete anos e meio a mais
Que o homem, bebe muito pouca cerveja
Porque sabe como ela é ruim para a
Aparência.

Enquanto enlouquecemos
Elas saem
Dançam e riem
Com caubóis cheios de tesão.
Bem, há a cerveja
Sacos e mais sacos de garrafas vazias de cerveja
E quando você pega uma
As garrafas caem através do fundo úmido
Do saco de papel
Rolando
Tilintando
Cuspindo cinza molhada
E cerveja choca,
Ou então os sacos caem às 4 horas
Da manhã
Produzindo o único som em sua vida.

Cerveja
Rios e mares de cerveja
Cerveja cerveja cerveja
O rádio toca canções de amor
Enquanto o telefone permanece mudo
E as paredes seguem
Paradas e estáticas
E a cerveja é tudo o que há.


                          Charles Bukowski, O amor é um cão dos diabos, L&PM pocket, 2012