segunda-feira, janeiro 27

Dois Homens e o Mar

São sete e meia da noite. O Sol se põe gentilmente atrás das casas, atrás de nós e atrás das nuvens no horizonte oposto como uma pessoa que se agacha para juntar algo que deixou cair. Fachos de cortinas de luz que parecem ser a anunciação de que deus está chegando para nos salvar escorregam das nuvens. Ele vai nos salvar de nós mesmos. O céu é colorido por pinceladas curiosas de tons gradativos de amarelo, laranja, rosa e vermelho feitos pelo Sol como um pintor experimentando e conhecendo suas tintas a cada pincelada que faz. O Astro Rei decora seu quadro sobre nossas cabeças e ninguém se importa. Ninguém para para ver e contemplar. Na praia, pessoas de férias correm para um lado e para o outro igual como fazem na cidade quando estão atrasadas para a reunião inútil. Três crianças jogam futebol com uma bola velha no país da copa, driblando-se infinitamente, girando entre seus próprios eixos como pássaros e borboletas se amando. Procuram por dois gravetos para chutar entre eles a bola e gritar gol. A bola quica perto de nós dois e o desconforto aumenta junto com a maré. A areia está úmida e fria como nossas almas; e o mar, violento e indomável como nossos sonhos. A dormência na gengiva causada pela embriaguez nos faz sentirmo-nos mais leves. A insustentável leveza do ser.

São dois homens trocando histórias e opiniões. Falando sobre o que são, o que não querem ser e sobre o que esperam ser. Palpites e conselhos. Um deles aconselha o outro a resolver problemas iguais aos seus sem saber disso. A velha projeção. A velha autoenganação. Se conselho fosse bom, não seria de graça, dizem. Ironia. A vida é cheia de ironia. A vida tem dessas. Seu alfabeto está nas sombras do poente e para ler suas histórias devemos aguentar essa escuridão e o desespero em estar lá. Hora do mergulho. Damos um. Dois. Incontáveis mergulhos. Boiamos e esquecemos de como é o peso de nossa existência. Leves e livres até uma onda violenta de realidade acabar com nossos sonhos ingênuos e nos engolir. Há areia em todo o corpo e água nos ouvidos. Por um breve momento, o silêncio do limbo é o único som que ouvimos. Aí, escutamos nossa própria respiração e o nosso próprio coração a bater. O mar está salgado. Salgado como o suor de nossos trabalhos em teimar em ir para frente buscando realizar nossos desejos e sonhos. Salgado como as lágrimas contidas nas baforadas dos cigarros. Uma onda pode te transformar. Não é a toa que a água representa o batismo: a ligação desse mundo com o outro.

Olhamos para trás e nos despedimos do mar. Lá longe, no infinito, céu e mar se unem. Vemos a liberdade e a novidade navegarem juntas. Novos mundos a serem desbravados pelo navegar em meio à neblina e à névoa do desconhecido. Sensação igual de ver o calendário do novo ano: 365 episódios novos para se ver o que vai acontecer de interessante em nossas vidas nessa nova etapa. Esperança e votos de realizações. Muitas expectativas imprecisas sobre o novo ano.

Juntamos as coisas e voltamos para o acampamento. Rumamos alegres, esperançosos e bêbados pelo meio fio da calçada em silêncio sorridente. Com o pôr-do-sol, estrelas surgem no céu como pontos...

Reticências do amanhã.

Matheus I Mazzochi


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