terça-feira, março 25

O Porteiro

Maldito porteiro.

Rapaz mais caricato impossível. Sempre trazendo assuntos que tentamos esquecer, ignorar e virar o rosto. Não quero saber mais de injustiças, desigualdades, repressões e mentiras. Quero a liberdade e a tranquilidade dos ignorantes alienados, pois são felizes. O sorriso deles é mais puro que o meu, por ser um sorriso não forçado.

O porteiro vem reclamar de sua vida e do mundo para mim como se eu fosse o responsável ou como se eu fosse resolver seus problemas. Porteiro, mal consigo resolver os meus... Entro rapidamente no elevador. Fujo. (Nunca ele havia demorado tanto). E, num alívio silencioso, vejo a porta ser segurada pela mão gorda e suada do porteiro. Mão gosmenta de pura realidade fétida.

Ele conta suas histórias...

Conta onde mora, conta dos 2 ônibus horríveis que pega às 5h para trabalhar 10h para ganhar um salário que dura 3 semanas, quando se priva do luxo: o churrasco de domingo.

Sinto nojo e raiva dele. Sinto nojo e raiva de mim. Sinto nojo e raiva deu sentir nojo e raiva de um homem que me obriga a ver a realidade que quero fugir inutilmente.

Ele reclama do policial. Diz que eles se esquecem que também são cidadãos por baixo da farda. Gozado como esquecemos que eles também são seres humanos e, por serem, também acreditam em algo. Ou não... Ideologias, mesmo sendo defendidas pela maioria, não passam de ideologias. Ora são dominantes, ora emergentes. A realidade é um consenso coletivo em seu apogeu do delírio momentâneo de sua existência no presente.

A porta se fecha e no elevador 3x4 fico só e, finalmente, em paz. Só eu e o espelho. Sacanagem inventarem uma caixa 3x4 com espelho e colocar um cidadão lá. Ele com ele mesmo num desconforto, encarando-se e se cobrando.

Porteiro, por que me deixaste?

Rapaz mais caricato impossível. Sempre trazendo assuntos que tentamos esquecer, ignorar e virar o rosto.

Matheus I. Mazzochi

domingo, março 23

Origens

Eu me lembro de uma pessoa com muito carinho.
Essas pessoas que entram repentinamente em nossas vidas, chacoalham-na e vão embora falando pouco conosco, mas um pouco que é demais. Essas pessoas que nós vemos a cada 5 anos por ironias do destino. E foi exatamente assim que a revi. Sentado, relaxando no degrau da escada na frente de um prédio qualquer, ele passou por mim sorridente e já me reconheceu. Abraçamos-nos e conversamos atualizando uns aos outros, como se fôssemos velhos amigos... Somos velhos conhecidos, vizinhos e colegas. A saudade de um tempo que passou apareceu em nossos olhos e nas palavras de despedida.
E foi assim. Depois de um ano voltou a falar comigo. Conversamos sobre poesia e sobre mulheres. No final, é tudo igual. Comentou-me de um sonho dele, dividi um meu. Incentivos por parte de ambos para os dois sonhos. Finalmente, ele disse as palavras que até hoje levo comigo como tábuas da Lei:
“Sinceramente, cara, um escritor que escreve só para si e não publica é um escritor egoísta.”
Flecha certeira, palavras afiadas e mortais. Expus o medo; ele, a coragem. Decidi seguir o caminho e aceitar o chamado.
Criei o blog que sempre me lembrará daquela noite inesquecível.
Depois desse dia, só o vi saindo do mercado da rua que somos vizinhos.
Há 3 anos não o vejo.


Incrível como há pessoas que mudam nossas vidas.

Matheus I. Mazzochi

Equinócios (oração)

Outono, sejas bem-vindo com sua beleza amarronzada,
Com sua beleza equilibrada.
Venhas com essa presença amena, leve a ideal,
Sem demasias e excessos,
Sem o mais e pouco do menos,
Sem o muito e menos do pouco.
Entras, Outono, na casa do meu ser,
Retirando da colheita as folhas que ocupam espaço.
Espaço para as próximas que estão por vir.
Período de colheita antes do inverno, antes do fim,
Antes do começo do recomeço primaveril.
Ó, Equinócio, mostra para mim o equilíbrio da Natureza e,
Por ser eu mesmo a Sua manifestação,
Mostre para mim o equilíbrio do meu Ser.

Matheus I. Mazzochi

Alertas da vida

"O quadro mais nítido de uma vida vazia é o do homem suburbano, que se levanta à mesma hora todos os dias, toma o mesmo trem para trabalhar na cidade, executa as mesmas tarefas no escritório, almoça no mesmo restaurante, deixa diariamente a mesma gorjeta para o garçom, volta pra casa no mesmo trem, tem dois-três filhos, cuida de um pequeno jardim, passa duas semanas de férias na praia todo verão, férias que ele não aprecia, vai à Igreja no Natal e na Páscoa, levando assim uma existência rotineira, mecânica, ano após ano, até finalmente se aposentar aos sessenta e cinco e morrer, pouco depois, do coração, num colapso causado talvez por hostilidade recalcada. Sempre suspeitei, porém, que morre mesmo de tédio."

Rollo May, O homem à procura de si mesmo.