Maldito porteiro.
Rapaz mais caricato impossível. Sempre trazendo assuntos que
tentamos esquecer, ignorar e virar o rosto. Não quero saber mais de injustiças,
desigualdades, repressões e mentiras. Quero a liberdade e a tranquilidade dos
ignorantes alienados, pois são felizes. O sorriso deles é mais puro que o meu,
por ser um sorriso não forçado.
O porteiro vem reclamar de sua vida e do mundo para mim como
se eu fosse o responsável ou como se eu fosse resolver seus problemas.
Porteiro, mal consigo resolver os meus... Entro rapidamente no elevador. Fujo.
(Nunca ele havia demorado tanto). E, num alívio silencioso, vejo a porta ser
segurada pela mão gorda e suada do porteiro. Mão gosmenta de pura realidade
fétida.
Ele conta suas histórias...
Conta onde mora,
conta dos 2 ônibus horríveis que pega às 5h para trabalhar 10h para ganhar um
salário que dura 3 semanas, quando se priva do luxo: o churrasco de domingo.
Sinto nojo e raiva dele. Sinto nojo e raiva de mim. Sinto
nojo e raiva deu sentir nojo e raiva de um homem que me obriga a ver a realidade
que quero fugir inutilmente.
Ele reclama do policial. Diz que eles se esquecem que também
são cidadãos por baixo da farda. Gozado como esquecemos que eles também são seres
humanos e, por serem, também acreditam em algo. Ou não... Ideologias, mesmo
sendo defendidas pela maioria, não passam de ideologias. Ora são dominantes,
ora emergentes. A realidade é um consenso coletivo em seu apogeu do delírio momentâneo
de sua existência no presente.
A porta se fecha e no elevador 3x4 fico só e, finalmente, em
paz. Só eu e o espelho. Sacanagem inventarem uma caixa 3x4 com espelho e
colocar um cidadão lá. Ele com ele mesmo num desconforto, encarando-se e se
cobrando.
Porteiro, por que me deixaste?
Rapaz mais caricato impossível. Sempre trazendo assuntos que
tentamos esquecer, ignorar e virar o rosto.
Matheus I. Mazzochi