quinta-feira, agosto 7

O Motim Contra Odisseu

          Dizem as boas línguas que Odisseu, filho de Laertes, foi o humano mais inteligente que pisou neste mundo; e dizem as más, que ele não foi filho de Laertes, mas, sim, de Sísifo, também considerado o mais inteligente. Naquela época o que mais tinha era gente inteligente (e fofoca). Odisseu era tão inteligente que a própria deusa da sabedoria, Minerva, descia do Olimpo pra bater um papo com ele. Trocar um lero. Coisa pouca. 
            Foi Odisseu quem deu a ideia de construir o famoso Cavalo de Troia, registrando nos anais do tempo a existência da zuera no período clássico. 
           Pois bem, apesar de inúmeras as histórias que o louvam, poucas sãos as que não. E há. Pois se Odisseu é considerado o mais brilhante de todos os mortais, que dirá de sua tripulação? Essa é a famosa história do motim contra Odisseu ou, como alguns contam, o dia em que a tripulação de Odisseu foi mais esperta que ele.

Odisseu e sua tripulação estavam voltando da vitoriosa guerra contra os troianos, depois de ter dado uma parada na ilha de Circe, quando um marujo sem o canino esquerdo e de olho fechado avisa a todos de que reconhecia o caminho que estavam navegando. 
             - Eu reconheço o caminho que estamos navegando - disse ele. - É o caminho da incoerência. 
Seus colegas ficaram olhando para ele, enquanto todos continuavam a remar.  
         - Estamos perdidos nessa névoa, com fome, sono e sem vinho. Remando como condenados sem enxergar um palmo a frente, colocando nossas vidas em perigo em meio a essas rochas salgadas e cheias de pontas afiadas. A praia de Troia era mais segura durante a guerra que esse caminho.
            - Odisseu é esperto, ele deve saber para onde estamos indo. - disse em tom leal um puxa saco.
            - Bem, de fato ele é, já o viu alguma vez remar?
            - O que está insinuando?
         - Não estou insinuando nada, estou dizendo a verdade. - e voltando-se aos outros - Odisseu é esperto demais para remar...se é que me entendem. Ele tem uma vida bem cômoda e eu não creio ser o único que ficou puto quando ele furou Polifemo e fodeu com a gente.
            - Ele nos salvou, homem!
         - Não. Ela não nos salvou. Ele se salvou e nós sobrevivemos por estarmos ao lado dele. Que tipo de líder é esse? E te digo mais, ele dorme muito para um herói de guerra.
          - Odisseu é o mais esperto de todos os mortais, homem. Não é a toa que ele tem o título de sábio das palavras e controlador de adjetivos.
Um terceiro marinheiro entra na discussão, os outros continuam olhando em silêncio e remando.
            - Então a análise do nosso líder é baseada em títulos? Bem, não é exatamente o que vimos. Ele mente pra caralho...
            - Mente para nos salvar. Preferes ser um homem correto, honesto e morto? 
            - Os fins justificam os meios. - se meteu um.
          - Quem chamou Maquiavel? Esse cara fala muita merda. E pra te responder, prefiro ser um homem virtuoso, mesmo que isso faça de mim um homem morto nos dias de hoje.
            - Por que não uma mulher também? - falou o quarto marinheiro, que gostava de usar vestido e peruca. - Já que estão falando, não me calarei. Estou farto desse regime machista em que o  perfil ideal é ter barba, pelos no peito, corpo suado e músculos - e levantando-se atirou o remo longe -Essa concepção nada mais é do que uma forma dominadora e opressora de um poder que só nos sujeita. E porque os monstros que temos que matar são feios e têm um olho só? Sob a lógica de quem eles são feios? Respondo! De uma lógica burguesa e dominante. Para um cíclope, a estética facial de dois olhos é repugnante, assim como uma estatura diminuta. Somos nós os feios aos olhos deles, ou melhor, ao olho deles.
            - Eu disse que mulher no navio dá mal agouro. - reclamou um quinto.
            - Obrigada pelo reconhecimento, seu machista da porra.
            - De nada, agora senta e volta a remar. E cuide com os trocadilhos, por favor,Odisseu acordou...
Os homens e a mulher olharam de canto de olho para Odisseu, todos com as cabeças baixas.
            - Bom dia, homens! Está um belo dia para ver umas sereias, hein? Andei pensando melhor e não quero colocá-los em mais uma encrenca. Aqui tem a cera que Circe havia dito, podem colocar em suas orelhas, caso as sereias apareçam. 
Atirou o pote ao chão no canto e saiu.
             - E o senhor? - perguntou o primeiro marinheiro sem o pivô.
             - Eu? Ah, sim, eu...Eu não poderia deixar de lado essa oportunidade única de ouvir o canto das sereias. Afinal, sobrevivi à Troia e ceguei Polifemo, filho de Posseidon! Sou guardado pela própria Minerva e tenho uma bela e fiel esposa me esperando em Itaca com um filho já grande e, se puxar ao pai, esperto pacas...
             - "Esperto Parcas" - trocadilhou o sexto marujo, conhecido por suas piadas toscas, porém importantes para a sanidade da tripulação.
             - Mas, ó pirocudo Odisseu, não temes ser hipnotizado pelo canto das sereias?
             - Como ousa sugerir o temor em mim! Sou mais astuto que a morte e o temor. Aliás, notem que eu fiz uma troca silábica...É disso que estou falando, marinheiros! Músculos no cérebro!
             - Então, ó Magnânimo Odisseu das palavras ligeiras, poderás dividir com essa fútil e ignóbil tripulação o seu plano incompreensível entre os mortais assim como o vilão faz antes do herói ressurgir?
           - Prestem atenção e notem o plano arquitetado pelo gênio: enquanto vocês estiverem remando perfeitamente como se fosse o destino de vocês sempre fazer isso, eu ficarei esperando as sereias chegarem. Aí, quando eu as enxergar, darei o sinal para colocarem a cera. Assim vocês não ouvirão o canto mortal delas. Como eu sou um herói, e protagonista da Odisseia, naturalmente espera-se que eu não morra. Aí, quando conseguirmos passar, eu contarei para vocês a experiência que nunca poderão ter, um sinal de minha generosidade.
         - Parece um ótimo plano, capitão, por julgar sua esperteza - falou o marinheiro parecido com o Eric Idle, um dos integrantes do Monty Phyton. - Mas e se o senhor quiser nadar com elas?
              - Como assim? 
              - Bem,ahnnn... Elas são moças bonitas que fazem top less, filhas de pais com grana e carro importado, gostam de improvisar na cama e têm um canto capaz de hipnotizar um Aquiles, que no Olimpo esteja... Bem, capitão, se eu não tivesse com a cera, eu mergulharia, com o perdão do trocadilho.
              - Entendo. Mas mergulhar é morte certa...
              - E da morte o senhor não tem temor, capitão.
              - Exatamente... 
            - Bem, ahnnn... talvez se o senhor e toda a sua inteligência pensassem em... algo que impedisse isso... que o prenda ao navio... 
              - Uma televisão? - disse um 
              - Tipo uma corda? - perguntou outro marinheiro com bigode
              - Tipo isso. - disse outro.
              - Uma corda só conseguirá segurar Odisseu se for bem amarrada. - comentou outro.
              - Sabem o que segura mais do que uma corda? Uma corda bem grossa com vários nós firmes.
              - E o nó de marinheiro é o nó mais firme que se pode dar.
              - E nós somos muitos marinheiros, imagem quantos nós podemos dar!
          - Esperem aí, homens! - bradou Odisseu - Se vocês estão pensando que irão me amarrar para ouvir o canto das sereias e não vão mais remar podem tirar o cavalo da chuva!
              - Oh, não, capitão. Não iremos parar de remar não. Nós só seguimos ordens.                        - Assim está melhor. E por falar em melhor, eu tive uma ideia: para evitar motins, vocês me amarram bem no mastro principal e depois, só depois, colocam a cera. Aí eu poderei ordenar algumas coisas antes de começarmos...
              - Ok, capitão.
              - Sim, senhor, capitão.
              - Tá.
              - Sim, senhor.
E assim foram até chegarem as sereias. Como combinado, os homens e a mulher amarraram Odisseu no mastro principal para evitar que o canto das sereias fosse fazê-lo cair ao mar. Após, Odisseu ordenou a sua tripulação que colocasse a cera nos ouvidos e deu o último alerta.
               - Não importa o quanto eu grite, homens, não me desamarrem.
A tripulação toda ficou em silêncio ao ouvir essas palavras. O primeiro marujo respondeu com maior firmeza a ordem que o mais puxa saco e fiel de todos.
               - Sim, meu capitão!
E assim foi. Odisseu gritou e gritou, suplicou e suplicou, angustiou e angustiou até o navio conseguir passar pela parte perigosa.

E então.
               - Muito bem, homens! Conseguimos. Agora, podem me soltar.
Ninguém ouviu. Continuaram a remar.
               - Homens! HOMENS!!!
Nada
               - Caralho, gente, essa cera é vagabunda, não é tão forte assim!
               - Ouviram alguma coisa? - perguntou um
             - Sim - respondeu outro - Acho que vem uma tempestade. Os ventos estão soprando mais forte. Se endireitarmos o navio para bombordo poderemos ter sorte e colocá-lo a sotavento. 
               - São ventos da mudança!
               - Eu sempre quis conhecer Bora-Bora.
               - Bora lá!


Matheus I. Mazzochi 

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