Eu estava delirando. Não. Acho que já seria mais propício dizer que estava alucinando. Deitado em meu colchão, não conseguia dormir pela enorme dor de cabeça. Era pior que ressaca. Havia uma broca na minha região temporal e parietal. Parecia que, com uma furadeira, ela entrava e saía. Conseguia sentir a ressonância e a reverberação das ondas sonoras por todo meu neurocrânio. A dor era demais.
Suando, com o ventilador de teto ligado, eu ficava, ora colocando, ora tirando o lençol de cima de meu corpo. Eu precisava diminuir a temperatura corporal, senão poderia morrer. Ao tirar, passando dois minutos, sentia frio e me arrepiava. Cobria-me novamente e voltava a suar. Era um horror. Meu cérebro estava derretendo. Meus olhos doíam. Parecia que alguém estava apertando eles na região superior, precionando-os, querendo afundá-los no meu crânio. Só de imaginar isso, já sentia mais dor...
Estava tonto e completamente fora de si. Não podia pensar em nada que minha imaginação saía da minha cabeça e ia me cumprimentar como o Chaves fazia ao sair do barril. Olhava para um lado virando minha cabeça e a cena continuava mesmo ela estando parada. Parecia que tudo estava em câmera lenta. Vinham como uma onda e depois voltavam. Olhei para uma medalha que estava pendurada em uma das prateleiras e ela estava balançando. Ia para um lado e para o outro como um pêndulo. Parecia que havia uma corrente de ar que a impulsionava para fazer tais oscilações. A janela estava fechada. Todas as janelas estavam fechadas.
Estava muito abafado. Eu lá, num quarto completamente abafado, delirando –alucinando- com 38,5 º de febre.
Olhei para a parede que estava em meus pés (estava deitado de barriga para cima). Bem, olhei para baixo, então... Enfim, eu olhei para um quadro dos Beatles. Estavam eles lá, em preto e branco, olhando para o lado direito, todos eles, com um sorriso de canto de lábio. Fiquei olhando e me perguntando o porquê que eles estavam sorrindo. A imagem fazia os lábios se mexerem. Eles realmente estavam rindo de alguma coisa. Fechei meus olhos e consegui escutar a risada de um deles. Ao abrir, eles estavam na janela ao meu lado olhando para fora. Continuavam seguindo a postura da foto: juntos, sorrindo. Fiquei me perguntando o que diabos eles estariam vendo. Estavam grudados, preenchendo o mesmo espaço no meu quarto. Apoiaram suas mãos na mesa embaixo da janela, para poderem inclinar suas narinas para cima e olhar para baixo com seus olhos. Com as narinas cada vez mais apontadas para cima e seus olhos cada vez mais olhando para baixo, seus calcanhares saíram do chão e ficaram na ponta dos dedos como uma dançarina de balé procurando algo nas ruas. Curiosos e sempre juntos como se fossem um corpo só com quatro cabeças e vários braços e pernas, os garotos de Liverpool apontaram seus narizes para baixo e começaram a olhar para cima. Ficaram corcundas. Estavam procurando algo no céu...
- “Acho que estou a vendo brilhando...” – disse um.
De tanto que seus olhos apontavam para cima e suas narinas para baixo, eles começaram a se dividir ao meio, como um processo de meiose, como um zíper ao abrir. Os olhos foram olhando para cima e as narinas indo mais para baixo. Estavam se rasgando. A região entre o nariz e os olhos gerou uma fissura que se abriu. Os dois pólos (olho e nariz) se abriram como um zíper ficando mais distantes e circulares, as pontas formavam circunferências entre elas como uma antena de inseto. Quando vi melhor, na minha frente havia quatro insetos procurando algo no céu. Eles começaram a cantar “I am the Walrus” para mim.
- “I’m the eggman…The are the eggman… I am the Walrus!”
Sério…
Eu precisava de outro Tylenol.
Matheus I. Mazzochi
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