- Já leu “Os Lusíadas”?
- Já.
- E aí? O que tu achou?
- Ah...eu achei bonita a história e tal, mas não consegui entender bem ao lê-la. É uma leitura difícil, podemos dizer assim.
- É verdade.
- Por quê?
- Acreditas que eu cheguei a decorar o início?
- Tu não tinhas o que fazer, né?
- É verdade! Eu fui o único a gostar do livro em minha turma. Achei bonita a história. Linda, para dizer a verdade.
- E por tê-la achada linda pensou: “Hm, vou decorar o início e sair aí declamando, afinal, ele é lindo!”?
- Não foi assim.
- É sério que tu decorou aquele caminhão de doze versos?
- Eu decorei só a primeira estrofe e a terceira... E eram oito versos, ta? Doze era a musicalidade, a métrica. Alexandrinos, os mais lindos e difíceis de serem feitos.
- Difíceis? Foram feitos por um ciclope.
- É, ele perdeu um olho, sim, mas não perdeu o título de ser excelente!
- Ele foi bom no tempo dele, temos que admitir.
- Bom é meu vô, Camões é excelente!
- Ah, que exagero...
- “As armas e os barões assinalados/ Que da ocidental praia Lusitana/ Por mares nunca d’antes navegados/ Passaram ainda além da Taprobana/ Em perigos e guerras esforçados/ Mais do que prometia a força humana/ E entre gente remota edificaram/ Novo Reino, que tanto sublimaram...”
- Tu decorou isso?
- Calma, tem mais a terceira estrofe!
- Ah, tem mais a terceira estrofe...
- É a mais linda!
- Então tenho que ouvi-la... Por favor, declame-a...
- Tu gosta de tirar sarro, mas escuta só: “ Cessem do sábio Grego e do Troiano/ As navegações grandes que fizeram...”
- Uuuh...
- “Cale-se de Alexandro e de Trajano/ A fama das vitórias que tiveram! / Que eu canto o peito ilustre Lusitano/ A quem Netuno e Marte obedeceram/ Cesse tudo o que a Musa antiga canta/ Que outro valor mais alto se alevanta!” Olha isso, cara! É um ufanismo lindo! É perfeito! A cadência, o ritmo, as rimas, o nexo... Bah!
- Nenhum ufanismo pode ser dito como lindo...
- Ah, eu acho lindo.
- E tu decorou tudo isso pra quê? Achava lindo, só?
- Aham.
- Tu era virgem, né?
- Hein?
- Sério, pode me contar. Pode te abrir pra mim...
- Eu achei lindo mesmo. Eu tava lendo o livro sem a intenção de decorá-lo até que eu fui ao médico. Conversando com ele, ele me declamou o início.
- O médico?
- Aham. Ele disse:
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- Ah, mas Os Lusíadas é uma obra bem complexa e difícil.
- É pro vestibular.
- Guri, eu te falo, mesmo lendo livros pro vestibular, tente lê-los com vontade. Nada supera uma boa leitura.
- Nada?
- Ta, nada não. Só uma boa... né?
- Ah!
- Mas mesmo assim. Têm algumas que serviram até de inspiração para ótimas obras!
- Entendo.
- Eu tive que ler Os Lusíadas também. Achei um saco!
- É mesmo?
- Sim! Algo horrível para se dar a jovens de 15, 16 anos. Meu deus do céu! O que tinham na cabeça aquelas pessoas? Nos davam cada tarefa.... Eu tive que decorar algumas estrofes no meu tempo!
- Decorar?
- Sim, decorar. “As armas e os barões assinalados/ Que da ocidental praia Lusitana/ Por mares nunca d’antes navegados” Era assim que começava o estorvo...
- Nossa.
- “ Cessem do sábio Grego e do Troiano/ As navegações grandes que fizeram / Cale-se de Alexandro e de Trajano/ A fama das vitórias que tiveram! / Que eu canto o peito ilustre Lusitano/ A quem Netuno e Marte obedeceram/ Cesse tudo o que a Musa antiga canta/ Que outro valor mais alto se alevanta!”
- Tu declamas muito bem. Fiquei com vontade de ler até!
- Ah! Não me faça rir! É muito bonito se tu for parar para ler mesmo o que ele fala, entende? Foi uma maneira para engrandecer as navegações portuguesas, a história de Portugal. Nada, ele diz, nada se compara à história Lusitana. Eu disse nada! Nem os Gregos! Por isso o “Cessem do sábio Grego e do Troiano”.
- E Alexandre e Trajano?
- Trajano foi um exímio imperador romano que conquistou muitas terras. Alexandre foi o “Alexandre, o Grande”, que dispensa explicações, né?
- Sim.
- E ele nos manda calar a boca para ouvirmos as histórias Lusitanas, as quais são mais dignas e mais esplêndidas! Olha o nível!
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- Que médico diferente.
- Ele me fez parar de ler o canto IV e voltar desde o começo. Mudou minha vida.
- Ele curou o que tu tinhas?
- Ele me fez entender Camões, cara.
- E tu saia declamando o inicio pelo colégio?
- Cheguei pra professora no dia da prova:
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-Sora!
- Diga, meu querido.
- “ Cessem do sábio Grego e do Troiano/ As navegações grandes que fizeram / Cale-se de Alexandro e de Trajano/ A fama das vitórias que tiveram! / Que eu canto o peito ilustre Lusitano/ A quem Netuno e Marte obedeceram/ Cesse tudo o que a Musa antiga canta/ Que outro valor mais alto se alevanta!”
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- E ela?
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- Meeeeu Deeeus... O que foi que eu fiz, Jesus?
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- Bah! Que broxante! Deveria ter sido uma excelente professora...
- Não era.
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