Outro dia com chuva.
Embaixo de seu guarda-chuva, o trabalhador pensava em seus problemas. Ele visualizava em sua mente as suas tarefas pendentes e criava hipóteses para resolvê-las. Sua neurose tomava conta de seu ser. Quando o estímulo era forte o suficiente, chegava a verbalizar. Falava sozinho nas ruas molhadas e tristes da cidade. Sentia-se o penado. Estava com uma culpa misturada com angustia e indignação com a vida. Seus pés molhados pelas poças d'água ficavam gelados e o frio fincava em seu osso. Sentia-se merecedor desse frio e dessa dor. Estava triste. A vida perdera sua importância.
Passa um ônibus. Levanta a onda fria da água acumulada na calçada. Agora suas pernas e parte de seu peito estão molhados. Parecia o fim das contas.
Uma mão quente pousa sobre seu ombro e uma voz amigável é ouvida:
- E aí, meu companheiro! Será que chove?
Riem da situação. O homem desconhecido estava sem guarda-chuva e completamente ensopado. Com sorriso sincero e olhos brilhando, o desconhecido aperta o passo para não se molhar mais e, com a pasta sobre sua cabeça protegendo-o, atravessa a rua e some por entre a multidão de pessoas que vagam pelo centro da cidade.
- Será que chove? Meu deus, estava caindo o mundo e o homem me pergunta isso. Que humor. Que ironia. Que palhaço.
Começa a rir sozinho. Escancara os lábios e o sorriso branco ilumina seu caminho. Começa a sentir algo quente por dentro que o faz esquecer dos pés frios e gélidos.
- Será que chove? Acho que não, tem poucas nuvens no céu.
Agora fala sozinho, só que não reclamando da vida, mas rindo dela. Reflete sobre o que acontecera.
Ele reclamando da vida e acontece isso. O que fez aquele ser humano agir daquela maneira? O que o motivou a fazer aquilo? Como é a vida dele? Ele realmente existiu?
E refletindo sobre a aparição do desconhecido e sobre o efeito que ele fez em si, começa a crer que Deus ou anjos não são aquelas representações físicas e carnais que aprendemos por aí, eles podem existir e estar em qualquer lugar.
Os deuses e os anjos somos nós.
Matheus I. Mazzochi
Nenhum comentário:
Postar um comentário