terça-feira, novembro 6

Os Dois Cavaleiros que Encararam a Verdade.

Era uma vez, dois cavaleiros (Ou melhor seria "eram duas vezes um cavaleiro"?).

Os dois cavaleiros viviam e desbravavam  juntos o mundo desconhecido. Um salvara a vida do outro quando foram pegos em uma emboscada de ladrões que se escondiam na floresta e desde então ficaram amigos. Inúmeras oportunidades surgiram para retribuírem à gentileza do ato nobre da salvação e para a balança ficar ao nível da igualdade, mas nunca a amizade fora posta à prova como nesta vez. Eram dois cavaleiros que dividiam tudo: segredos, confissões, medos, alegrias, sonhos, decepções, passado, presente e futuro.
Até que um dia encontraram um velho.
O Velho vestia uma longa capa vermelha e possuía um capuz que impedia seu rosto enrugado de ser visto, deixando, apenas, aparecer sua boca, onde escondia seis ou sete dentes amarelados. Os dois homens pararam seus cavalos e perguntaram o que um senhor como ele estava fazendo pelos bosques perigosos. O Velho dissera estar procurando um tesouro há anos. Os nobres cavaleiros se olharam seriamente e depois de um breve momento de silêncio um deles perguntara que tipo de tesouro era. Mostrando seus sete dentes (Eram sete mesmo! Vejam só!) no que seria um sorriso (se tivesse todos), o Velho dissera que era um tesouro muito especial, daqueles que se leva uma vida inteira para  procurar, caso tenha sido perdido ou roubado.
O outro cavaleiro perguntara ao ancião se ele estava com fome ou com sede, mas o misterioso velhinho não conseguira escutar, pois seu companheiro havia perguntado se ele sabia onde estava o tesouro. O Velho respondeu que sabia, só que estava ficando cansado de tanto caminhar. O cavaleiro interessado olhou para seu companheiro sério e dissera que poderia dar carona. Seu amigo nada respondera, voltando-se a olhar para o banguela de olhos claros.

- Oh! Bem se vê que são nobres cavaleiros. - concluíra em voz alta o antigo homem, indo em direção ao cavalo para subir e aproveitar a generosa carona.

Foi assim que os dois cavaleiros mudaram seus rumos planejados e decidiram ajudar o estranho desconhecido na busca de seu tesouro. Um dos cavaleiros manteve-se em silêncio, sempre atento a olhar para os lados, temendo ser surpreendido por inimigos; o outro, que estava dando carona, ficava perguntando ao homem na busca de saber mais e mais sobre o tesouro que se valia a pena levar a vida inteira para procurar.

- Mas, bom senhor, de que tipo de tesouro  estamos falando? - perguntara insistentemente o cavaleiro interessado.

- Daqueles que se leva uma vida inteira para procurar! - respondera o velho, todo sorridente e  faceiro por não precisar mais caminhar.

- Isso eu entendi, mas há inúmeros tesouros que podemos largar tudo, até a vida, para encontrá-lo, mas depende de sua importância para quem o busca.

- Exatamente!

- E é isso que quero saber: é um baú de moedas, é uma filha raptada, um lote saqueado? O que seria esse tesouro tão importante?

- Não deixe que esse interesse baixe sua guarda, irmão. - alertara seriamente seu colega. - esta neblina é tão fechada e tenebrosa que mal conseguimos olhar para o que está a nossa frente.

O velho rira.
Com o passar do tempo da jornada desconhecida e sombria, o curioso cavaleiro ficara conversando com o velho senhor sobre sua busca, enquanto que seu amigo ficara em silêncio e na frente. A névoa, densa como a parede que encurrala, permitia que só as árvores mais próximas fossem vistas. O barulho das folhas secas e da terra mexida pelas patas dos cavalos era o único som, além do diálogo entre o ambicioso cavaleiro e seu carona,claro. A cor do cavalo branco do cavaleiro da frente era misturada pela névoa, dando a impressão de que o honroso homem estava flutuando pelo bosque. O contraste das sujas patas do cavalo de seu irmão de ordem atrás era a única preocupação, pois se tornaria alvo fácil de identificação. Desde que eles começaram a jornada, não tiveram tempo para limpar seus animais, apesar do cavalo de trás ser o mais sujo em comparação ao da frente. Até que acharam uma lagoa.
Vendo seu amigo mudar a rota em direção à lagoa, o cavaleiro perguntara o que estava acontecendo.

- Ele precisa de um pouco de água. - respondera seu irmão ao apear do cavalo.

- Mas e o tesouro? - retrucara, com o velho quieto sentado atrás dele.

O nobre cavaleiro olhara seu companheiro de cima para baixo e dissera:

- E o perigo? Pode ser perigoso continuar a seguir num caminho desconhecido, cansando nossos cavalos. Vamos aproveitar para limpar suas patas?

- Não entendi teu tom. - e virando-se para o velho. - Meu bom senhor, desculpe-me pelo comportamento de meu colega.

- Não,não! - rindo-se o velho - Acho que ele tem razão. E melhor: acho que está aqui meu maravilhoso tesouro!

Os olhos do cavaleiro brilharam. Não conseguindo conter sua luxúria,  perguntara se era de fato verdade. O velho confirmara. O outro cavaleiro pouco escutara, pois estava ocupado verificando a área ao redor e voltando para passar uma água ao seu belo cavalo. Os dois desmontaram do cavalo. O velho homem andara em direção ao lago, com o cavaleiro o seguindo feito sombra, e, junto do outro cavaleiro, dissera ter encontrado o que tanto buscara.

- E o que é? Vamos! Diga-nos! - apressava o cavaleiro, que de tão ansioso, esquecera seu cavalo sujo ao lado da árvore. O pobre bicho andara lentamente até a lagoa para poder beber um pouco, visto que seu dono esquecera de deixá-lo mais por perto.

O velho em ar de suspense olhara para o outro cavaleiro e, com sorriso fechado de orelha a orelha, convidara:

- Venham. Está na lagoa.

Um olhara quase que caindo nela; o outro, virara-se com a mão na espada embainhada, temendo surpresas.
Estavam os três contemplando a lagoa. Aos poucos, a neblina ia se condensando e revelando uma infinita e maior lagoa. O reflexo dos três rostos podia ser visto.

- Estão vendo? - perguntara o velho.

Um cavaleiro mante-se a olhar os reflexos em silêncio, como se estivesse vendo aqueles rostos pela primeira vez; o outro, entretanto, ficara mais inquieto.

- Vendo o quê? Não há nada além de nossos reflexos, velho homem!

- Continuem vendo.

A lagoa mostrava o rosto do cavaleiro mudando exatamente como o de uma pessoa que se frustara e perdia a paciência.

- Meu bom homem, nós fizemos a maior gentileza em acolhe-lo e em dar-te companhia, segurança e transporte. Auxiliamos sua busca pelo seu tesouro que não existe! Poderia ter nos falado antes que era uma lagoa. Ainda bem que não fomos atacados!

- Estas escutando suas próprias palavras? - respondera seu colega, intrometendo-se. - Sabes muito bem que não o ajudamos esperando algo em troca. Não faz parte de nossa conduta e muito menos de nossas expectativas. Abrimos mão dessa vaidade quando selamos nosso juramento.

- Eu estou escutando minhas palavras, sim. Não vejo motivo de seres tão rude. Passamos perigo e tu não deves negar isso, pois estavas mais preocupado que todos nós! Desde o início não lhe agradara essa mudança de planos e não fizestes questão de ser gentil ao pobre velho! Sabes tanto quanto eu que isso é verdade e serás um mentiroso ao negar tudo!

- Não serei mentiroso, pois tudo o que falastes é verdade. Mas será que és tão honesto contigo mesmo ao ponto de me dizeres que não ajudou o velho por ele, mas por ti? Não fui eu quem ficara perguntando qual o tesouro e como ele era. Minha maior preocupação era se o pobre homem havia bebido ou comido e não se poderia partilhar o tesouro.

- Não acredito no estás me dizendo...

- Olhe para a lagoa,então! - terminara de falar seu companheiro.

O velho observara sorrindo a cena e decidira interromper assim que notara que tudo havia sido dito.

- Eu não só encontrei meu tesouro como o partilhei.

- E que diabos era esse tesouro, velho bobo? - perguntara o luxurioso cavaleiro, enquanto seu colega o observava com seus olhos tristes e decepcionados, como se estivesse conhecendo seu companheiro e confidente de anos, naquele exato momento.

- A verdade.

E ao dizer essas palavras, os dois cavaleiros notaram que o velho sumira em volto à neblina e que a lagoa estava tão espelhada e reluzente que a luz do sol refletia incendiantemente a armadura do cavaleiro triste e
as sujeiras na de seu antigo companheiro.


 Matheus I. Mazzochi












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