terça-feira, novembro 27

Diário de Campo

Diário de Campo.

Quarta-feira, primeiro dia.

7 horas da manhã.

Chovendo...

Desci do ônibus mais pastoso que cuspe de bêbado. Dia de chuva na cidade é assim. Já deveria estar acostumado. Aquele bafo dentro e as pessoas inteligentes fechando a janela para não entrar água da chuva. Morrem sufocadas. Isso quando não morrem por terem pegado algum vírus ou bactéria pela situação. Pessoas. Fenômenos incoerentes e hipócritas que vivem se metamorfoseando durante sua duração existencial nesse plano. Nossa, isso foi profundo. Provavelmente li em algum lugar. Em uma revista velha na barbearia. Mas eu estava falando do ônibus. É sempre assim, apesar de dizerem que vai mudar. Ano de eleição. Pergunto como vai mudar se não mudou nem o Prefeito. Cheguei no meu local de estágio. Atravessei a rua correndo. Olhei para os dois lados, para cima e para trás antes de atravessar a rua. Nunca se sabe se  vai cair um piano ou alguém vai te pegar pelas costas e te assaltar no contra pé. Eu vivo na cidade. É isso aí, neném. Uma hora tão sorrindo, noutra hora tu tá sem carteira e noutra hora a passagem subiu. De novo. É tão regular quanto menstruação. Bem que podiam engravidar com a cidade, para não dizer outra coisa. Atravessei com segurança e decidi caminhar até o prédio onde ia começar minha observação. O lugar era escuro e sombrio. Não pagaram a conta de luz. Típico local para se cometer um assassinato. É... Eu conheço exatamente o tipinho. Qualquer canto escuro é o palco para o açougueiro. Nada contra açougueiros. Gosto deles. Menos quando pegam a carne com a mão suada.  Encontrei uma mulher de jaleco e me apresentei. Ela virou-se da mesma forma que as mulheres nos filmes se viram quando são chamadas, só que sem aquela beleza sensual e a trilha sonora. Ela estava de mal humor. Dava para ver pelo seu cabelo. Uma mulher com aquele cabelo só poderia estar de mal humor. Mal cuidado. Pensei que ela também tivesse pegado um ônibus para chegar ali. Ela disse um monte de coisas incompreensíveis. Falava rápido demais e para dentro. Acho que tinha pedido para eu esperar. Ou perguntou meu nome, não sei. Fiquei quieto olhando para ela com cara de durão. Aquela cara do Clint Eastwood em seus filmes. Ele é durão. Só que eu mais parecia um cachorro mostrando os dentes. Ela nem deu bola. Me ignorou. Na verdade, se fez de difícil. As mulheres fazem isso. Acho que gostou de mim. Ela era corcunda e mancava ao caminhar. Babava e oscilava o tom da fala. Também repetia o que dizia. Sanduíche-iche-iche. Ecolalia, dizem. Eu tinha estudado. Precisava, senão iria pegar recuperação na única cadeira que não tinha prova de recuperação. Ninguém nunca pegara e o professor havia me ajudado. Cara legal. Ele ia gostar de analisar essa mulher. Depois fui descobrir que era a minha supervisora do local de estágio. Pois é. É a vida: ela dá voltas e é bonita, é bonita, é bonita...
Ela voltou e fez um gesto pro lado com a cabeça que eu achei que ela havia deslocado. Na verdade mexeu pro lado pedindo para eu segui-la. Sou rápido nas observações. Mais rápido que notícia ruim. Nada escapa aos meus olhos. Às vezes, fico tonto, mas logo me acostumo. Contou-me do caso. Paciente fodido pra caralho. Senti pena, mas não chorei. Sou um cara durão. O nome dele era horrível. Coitado. Não posso dizer. A tal da ética. Acho bacana ser ético. Dá moral e traz um gosto único na alma quando burlamos algo. Adrenalina. Perigo. Tensão. Adoro tudo isso. Por isso, pego ônibus. É... Dizem que vão aumentar de novo a passagem. Essa tal de menstruação... 

Matheus Iglessias Mazzochi


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