segunda-feira, junho 3

Hare Krishna

- Hare Krishna - ela disse.
- Hare Krishna - eu respondi.
Era uma mulher com um turbante rosa e uma pintura em forma de gota d'água da testa até a superfície do nariz. Eu já havia visto a cena: paravam as pessoas para distribuir um livro que levava a palavra da sabedoria infinita. Já aconteceu comigo uma outra vez com um outro cara. Talvez noutro momento, pois daria uma história paranormal. Essas coisas de destino e Karma. Essas coisas que eles distribuem nas ruas. Nos semáforos. Correndo atrás das pessoas. A verdade correndo atrás das pessoas e elas fugindo, não querendo encarar. Pessoas... Nós.
- O senhor gostaria de receber a palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta? - enquanto estendia os livros do cara para mim.
- Opa, claro.
- É uma leitura muito interessante. Ele nos dá a resposta das questões que nos dão sofrimento: busca do sentido da vida, problemas espirituais e a busca da felicidade.
- Nossa, ele deve ser muito bom - falei enquanto folheava o livro - São questões difíceis de se encontrar uma solução. - e olhei para ela. Uma moça bonita. Tinha um sotaque estranho e o ar ficava mais misterioso com isso.
- É seu. Com uma pequena doação, poderá nos ajudar a passar a palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta adiante.
Claro. Faltava a pequena doação para eu poder obter a palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta. Eu segurando um livro pocket que possuía todas as respostas para todos os problemas do mundo. Valiosíssimo. Valiosíssimo por muito pouco. E é bem essa a filosofia que Sua Divina Graça Bhaktivedanta defende e nos quer passar.
- Olha, infelizmente, eu só tenho o troco do supermercado. Daria mais se tivesse. - e retirei as moedas.
Ela abriu a mão e eu fui deixando cair moeda por moeda. Contando em voz alta. R$1,30. A palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta estava sendo vendida por R$1,30 naquele momento. Infelizmente ou felizmente...
- Vocês ficam na sede da Redenção ou perto da Farrapos? Eu um dia recebi...
- O senhor tem mais um pouco? - interrompeu.
- É... Acho que não ficam. - murmurei enquanto voltava a folhear o livro.
Parei.
Olhei para ela.
- Não, infelizmente não tenho. Vocês ficam na sede da Redenção ou...
- Eu não são daqui - sorriu e com o sotaque mais forçado - Sou da Rússia e não falo bem português. Hare Krishna. Hare Krishna. Hare Krishna.
- Ah, sim.... - meditei - Redenção... Logo aqui... - e comecei a apontar para as árvores que estavam atrás dela. Eu estava no HPS, a Redenção era logo do outro lado. Fiz gestos de árvores que pareciam que eu estava querendo dançar com a mulher. Ela continuava a sorrir para mim. Parecia estar nervosa ou desconfortável com a situação. Talvez desconfortavelmente nervosa com a situação. Quanto mais eu tentava conversar com ela e trocar ideias sobre a palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta (como fiz - e muito- com aquele rapaz que talvez conte e em outro momento), mais ela falava Hare Krishna.
- Hare Krishna - despediu-se ela. E foi. Fugindo. Escorregadia. Levando o troco do supermercado que foi o que eu tinha para obter a palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta.
Fiquei olhando para o livro.
- Essa é a palavra - pensei comigo mesmo - que responde todos os problemas existenciais do mundo:


 Trouxa.

Matheus I. Mazzochi

Nenhum comentário:

Postar um comentário