Trofônio, filho de Apolo e Epicasta, era um dos mais
célebres arquitetos da Antiguidade. Junto com seu padrasto Agamedes, ergueu
belíssimas construções, tais como o quarto nupcial de Alcmena, mãe de Hércules,
e o templo de Netuno, na Arcádia.
Sabedor
disso, Apolo mandou chamar Trofônio e Agamedes imediatamente.
- Quero
que construam um magnífico templo para mim – disse o deus.
Padrasto
e enteado aceitaram o desafio. Desde aquele dia debruçaram-se sobre a planta
com seus utensílios de desenho, erguendo arcadas, projetando abóbadas e
imaginando mil e uma volutas e arabescos para os pilares.
- Vai
ser uma obra-prima – dizia Trofônio ao padrasto, que concordava, ajustando o
compasso.
Depois
de um mês de intenso labor, finalmente apresentaram a Apolo o projeto.
- Nada
menos que magnífico – disse o deus, dando uma palmada de alegria no joelho. –
Mãos à obra, imediatamente!
Trofônio
e Agamedes gastaram os próximos seis meses numa labuta infernal para erguer do
chão a esplendorosa construção. A cada dia uma nova maravilha surgia ante os
olhos deliciados dos pedreiros.
- Que
beleza! – exclamava um, de colher parada na mão.
- Um
estupor! – exclamava outro, com o queixo caído.
- Vamos
lá, vamos lá! – gritava Trofônio, num azáfama incessante, o que não o impedia
de exclamar a Agamedes, quando ambos eventualmente cruzavam um pelo outro:
- Vai
ficar daqui, ó!
E o
outro concordava, suando e sobraçando as suas plantas.
Ao fim
do prazo a obra estava pronta. Apolo foi chamado, e uma venda foi colocada
sobre os seus olhos – sugestão do próprio Trofônio, que apreciava mais que tudo
ver o brilho de espanto e alegria nos olhos dos clientes.
Assim
que a venda foi retirada e Apolo pode contemplar a maravilha que os dois
arquitetos haviam erguido em sua homenagem, chegou quase a perder os sentidos.
-
Rápido, tragam-lhe um pouco de hidromel! – exclamou Agamedes, que tinha sempre
à mão esse recurso para trazer de volta a cor ao rosto dos clientes estupefatos.
- Vocês
são estupendos, mesmo! – disse Apolo, enquanto bebericava o reconstituinte. –
Excederam tudo quanto o projeto prometia...
O resto
do dia o deus passou adorando seu novo templo, e há quem diga que tenha mesmo
passado a noite ali, em atônita e muda contemplação.
No dia
seguinte, Trofônio e Agamedes compareceram diante de Apolo para receber o seu
pagamento.
-
Quanto acham que vale o serviço perfeito que ambos fizeram? – perguntou o deus.
Os dois
entreolharam-se, confusos.
- Bem,
divindade, não saberíamos estipular... – respondeu Trofônio, encabulado.
-
Vamos, deixem de modéstia! – disse Apolo. – Qual pode ser o melhor prêmio para
um mortal?
Os dois
atrapalharam-se ainda mais.
-
Vamos, tomem isto – disse Apolo, estendendo a ambos uma enorme sacola, repleta
de moedas de ouro. – Nos próximos sete dias gastem-na inteira, fazendo tudo
quanto gostariam de ter feito e ainda não puderam. No oitavo dia receberão,
então, o pagamento.
- Mas,
divindade... já não é o pagamento? – exclamou Agamedes, cujo rosto refletia a
cor dourada das moedas.
- O
prêmio maior que um mortal pode ambicionar ambos terão apenas no oitavo dia –
disse o deus enigmaticamente. – Vão e, até lá, aproveitem!
Nos
sete dias seguintes deram largas, então, à sua vontade:
No
primeiro dia comeram tudo quanto enxergavam, até ficarem verdes de cólicas.
No
segundo dia encharcaram-se de vinho até caírem desmaiados sobre as mesas.
No
terceiro dia viajaram por inúmeros lugares numa liteira de ouro, até ficarem
vesgos de tanto ver paisagens.
No
quarto dia dançaram loucamente em todas as tavernas, como bufões enlouquecidos,
até incharem os pés de bolhas.
No
quinto dia escutaram as mais belas músicas que o gênero humano pode compor, até
não suportarem mais um único acorde.
No
sexto dia, tendo contratado os maiores sábios do mundo para que lhes
explicassem os segredos do Universo, adormeceram antes que todas as sumidades
pudessem chegar a qualquer conclusão.
No
sétimo dia juntaram em casa quantas mulheres belas o dinheiro pode pagar.
E aí
foi demais: a sacola finalmente se esvaziou, até a última moeda.
No
oitavo dia toda a cidade aguardava Trofônio e Agamedes no templo de Apolo, para
ver o que seria, afinal, aquele prêmio maravilhoso que a divindade lhes
prometera. “O prêmio maior que um mortal pode aspirar”, segundo a promessa.
Porém,
como não aparecessem nunca, correram todos até a casa dos dois. Não obtendo
resposta aos seus chamados, invadiram-na e encontraram os dois deitados, de orelhas
tapadas, cada qual em sua respectiva cama.
Dormiam
o imperturbável sono eterno e tinham nos lábios um sorriso que vivo algum pode
igualar.
O Prêmio de Trofônio - As Melhores Histórias da Mitologia Vol.
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