terça-feira, março 12

Messias e a Natureza Humana

Nas férias desse ano fui para a praia e lá vi algo muito interessante.
Messias e a Natureza Humana.
Messias era um cachorro branco, peludo, sujo, que vivia na rua. Os vizinhos davam restos de comida para ele e assim o cão continuava a rondar pela área. Nós também fazíamos isso. Quando sobrava a comida de dias atrás, já cansados pelo asiático"soborô", colocávamos em um pote e deixávamos perto dele.
Não conseguia aguentar a dor de colocar comida no lixo. É pecado... Ou pelo menos deveria de ser.

O nome era Messias, pois quando o vi pela primeira vez ele estava deitado em um terreno baldio com moscas ao redor. Logo me veio à mente: "Pobre cachorro, está morrendo..." e outros pensamentos existenciais sobre a vida e sobre a morte. Agora penso por que pensei em "pobre" cachorro. Talvez tenha sido bom para ele. Talvez seja bom. O que há de pobre em morrer, afinal? Bem... Eis que, no outro dia, o cão aparece caminhando pela rua a passos firmes com olhar determinado. Agora, tinha outro cachorro, preto de pelo curto, magrinho, o seguindo. "Olha só... Ressuscitou e já tem seguidores." pensei quando o vi.
Daí Messias...

Só que como todo escolhido ou como todo messias, Messias tinha rivais.
Não podia chegar perto o bastante da rua, pois os outros cães dos vizinhos iam logo latindo. Alguns chegavam a avançar nele. Certo dia, escutei duas vizinhas gritando para ele fugir, pois havia começando uma briga com outro cão. Messias era foda. Tinha personalidade. Se eu morasse naquela casa, não veraneasse, eu iria adotá-lo. Ou talvez, faria comida em excesso para alimentá-lo e o deixar livre. Era por isso que ele era foda: ele era livre. E ressuscitava, claro, às vezes.

Até que teve um dia em que o vi com a Natureza Humana.
Eu estava na rede, na varanda do segundo andar, observando os pássaros, o mar na frente e todo o ano de 2013 que iria chegar. Aí escutei latidos. "Messias" pensei. Pulei da rede e fui me escorar no parapeito da varanda.

Lá. Beeeeem lá! Do outro lado da rua. Bem onde o chão toca o céu. No encontro entre os eixos dimensionais que fazem a rua ficar menor no horizonte, naquele ponto focal, vinha uma pinta branca e outra preta o seguindo. Era Messias e o seu seguidor.

Cornetas desafinadas e o dedilhado de violão com castanholas batendo a lá Ennio Morricone soaram em minha mente:



Aquela visão gaseificada do calor emanando do chão ao céu dava um ar de miragem dos cães. Enquanto ele se aproximava, determinado, seguro, confiante e certo de sua ação, olhei para os cães dos vizinhos: estavam fazendo o mesmo que eu, olhando para Messias. Estava parados como estátuas, de orelhas levantadas e atenção redobrada. Nem o piar dos pássaros fazia com que eles tirassem o foco do que estava por vir.
Era uma invasão. Era o retorno daquele que fora expulso do seu território no passado. Entre olhares dos cães a Messias, de Messias aos cães, eu estava entendendo o que estava acontecendo (ou o que iria acontecer): uma disputa de território, um duelo de poder, uma afronta à qualquer representação de poder, uma transgressão, o bom e velho bang-bang dos western-spaghetti do Sergio Leone, Clint Eastwood, Lee Van Cleff e Charles Bronson.

Ainda ao som das cornetas e do violão da cena final de "The Good, The Bad and The Ugly", Messias e seu fiel companheiro, do horizonte, aumentavam de tamanho. O salsichinha que fora o primeiro a ver o que iria acontecer latiu silenciosamente como se estivesse proferindo palavras de espanto: não pode ser. Sim! Aposto que aquele latido era exatamente isso. "Não pode ser...". outro que estava dormindo na entrada da porta levantou as orelhas, acordou e olhou pro seu amigo, foi até a rua e viu a cena. Latiu também. Chamou mais três. Eram cinco contra dois... Os cães estavam preparados. Sérios, nervosos. Sabiam do seu destino.

Messias parou a três casas da casa deles. E ficou encarando-os... Deus! Que cachorro! E eu ali não acreditando no que estava vendo. Não podia tirar foto nem gravar, pois a câmera estava no quarto e eu não queria perder nada. Fiquei em silêncio e observei o que se sucedeu:

Depois de uns minutos trocando olhares, o salsichinha avançou um pouco e começou a latir. A imagem lembrava o líder do pelotão animando os colegas e preparando-os para a batalha, temeroso do que fosse ficar sozinho e abandonado. Messias firme e imponente. Parecia um deus. Naquele momento entendi o que Bukowski quis dizer com "parece ter mais poder do que dez mil deuses", em seu poema "cão". A cena era para se fechar as portas e janelas, por as crianças para dentro da casa e de se deixar acontecer o que não se pode controlar e impedir que irá acontecer.

Messias avançou.

Seu companheiro ficou para trás garantindo a retaguarda.

Os outros cães começaram a latir para ele, mas sem avançar.

Messias continuava.

Agora eram duas casas que o separava dos outros.

Latidos.

Muitos latidos.

E  Messias firme.

Uma casa.

Os cães recuaram um pouco, mas continuavam a latir.

Messias sabia que cão que morde, não ladra.

Ele chegou na casa, passou pelo muro, invadiu o terreno e chegou na única árvore do pátio.

Os outros recuaram para a rua e ficavam latindo. Agora não era latido de bravura, de coragem, de "Vamos à luta e à morte, companheiros". Não! Era de piedade, de clemência, de derrota e covardia.

Messias levantou a sua perna e urinou na árvore. Marcou território. Levantou a Bandeira. Depôs o poder vigente. Virou lenda, rei e deus em um só momento. O dono da casa, escutando a gritaria, saiu da casa e viu a cena. Pegou o chinelo e atirou em Messias. Magicamente, como se tivesse batido em uma áurea divina, o chinelo desviou e não acertou. Caiu antes de chegar no cão. Perdera a força.

Messias saiu do terreno, calmamente, com um sorriso de vitória e a língua de fora, passou por entre os cães que bradavam insultos inúteis e pedidos de revanche, calmamente. Ele passou por ENTRE eles, não do lado. Ele desmembrou a formação. O Aquiles, desbaratador de exércitos, canino. Eram cinco contra um nessa hora e o um dividiu dois prum lado, três para outro. E seguiu até onde seu fiel amigo, o qual ficara parado no mesmo lugar, SENTADO, estava.

Até a Natureza transgride e briga pelo seu território.

Certo que na noite anterior, Messias e seu companheiro tramaram tudo.

"Amanhã, quando sol estiver no centro do céu, iremos mostrar quem manda." - deve ter dito Messias antes de dormir.

Sergio Leone que me desculpe, mas aquele sim foi o melhor duelo que eu já vi.


Matheus I. Mazzochi




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