domingo, fevereiro 5

Mulheres

            " (...) Eu conseguia inventar homens na minha cabeça, pois era um deles; mas, as mulheres, era quase impossível escrever sobre elas sem as conhecer de fato. Assim, eu as pesquisava intensamente e sempre descobria seres humanos lá dentro. Deixava a escrita de lado. A escrita representava muito menos que o episódio vivido em si, até que terminasse. A escrita era apenas o resíduo. Homem nenhum precisava de mulher para se sentir real de verdade, mas era bem legal conhecer algumas. Daí, quando o caso ia mal, o sujeito conhecia pra valer o que era a solidão e a loucura, e assim ficava sabendo o que o esperava quando seu próprio fim chegasse...
              Eu era sensível a muitas coisas: um sapato de mulher debaixo da cama; o jeito de elas dizerem: 'vou fazer xixi'; prendedores de cabelo; andar com elas pelos bulevares à uma e meia da tarde, só os dois, juntinhos; as longas noites bebendo, fumando, conversando; as brigas; pensar em suicídio; comer juntos e se sentir bem; as brincadeiras, as gargalhadas sem motivo; sentir milagres no ar; estar junto com elas num carro estacionado; lembrar amores passados às três da manhã; ser avisado de que você ronca; ouvi-la roncando; mães, filhas, filhos, gatos, cachorros; às vezes morte, às vezes divórcio, mas sempre tocando pra frente, sempre chegando no ponto final; ler um jornal sozinho numa lanchonete, nauseado pelo fato de ela ter se casado com um dentista de QI 95; pistas de corridas, parques, piquenique nos parques; até prisões; os amigos chatos dela, os seus amigos chatos; seus porres, a dança dela; seus flertes, os flertes dela; as pílulas dela, as suas trepadas fora do penico, ela fazendo o mesmo; dormir juntos...
              Nada de julgamentos; se bem que, por necessidade, a gente acaba ficando seletivo. Pairar acima do bem e do mal fica bem na teoria, mas para seguir vivendo é preciso selecionar: algumas são mais ternas que as outras; talvez sejam apenas mais interessadas por você. Às vezes, as belas por fora e frias por dentro são úteis  só para uma boa sacanagem, igual aos filmes de sacanagem. As mais carinhosas trepam melhor na verdade, e depois de um tempo ficam lindas só por estarem ali. (...)"  

                                                                            Henry Chinaski

Mulheres - Charles Bukowski - 1978

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