sábado, fevereiro 4

Por Conta Própria

"É muito confortável ser um menor. Se eu tenho um livro que pensa por mim, um pastor
que age como se fosse minha consciência, um físico que prescreve a minha dieta e
assim sucessivamente, não tenho então necessidade de empenhar-me por conta
própria. Se eu posso pagar, não tenho necessidade de pensar. Muitos poderão
discordar comigo nessa matéria: os próprios guardiães que se encarregam de cuidar
para que a esmagadora maioria da humanidade – e, dentro dela, todo o sexo feminino
– não alcance a maturidade, não apenas por ser desagradável, mas extremamente
perigosa. Tais guardiães tornam estúpido seu gado doméstico e cuidadosamente se
previnem para que suas dóceis criaturas não tomem caminho próprio sem seus arreios.
Assim, eles mostram para seu gado o perigo que pode ameaçá-los caso pretendam
andar por sua própria conta.

Na verdade, o perigo não é realmente tão grande quanto parece. Afinal, depois de
tropeçar um pouco, todos aprendem a andar. Entretanto, exemplos de tropeços
intimidam e geralmente desencorajam todas as novas tentativas. Portanto, é muito
difícil para o indivíduo agir por sua própria conta e superar a menoridade, que se torna
para ele quase uma segunda natureza. Assim, mesmo que esteja já amadurecido, o
indivíduo é desde o início incapaz de usar seu entendimento por conta própria porque
nunca se permitiu tentar fazer isso. Dogmas e fórmulas – estas ferramentas mecânicas
para usos razoáveis (ou, pelo contrário, abusivos) das dádivas naturais dos indivíduos –
são os grilhões de uma duradoura menoridade. O homem que se livra deles dá um
salto incerto acima do abismo, mas este tipo de movimento livre não é comum. Eis a
razão para o fato de que apenas poucos homens caminham decididamente e saem da
menoridade, cultivando seus próprios pensamentos. No entanto, é praticamente certo
que o público possa esclarecer-se. De fato, basta que a liberdade seja dada para que o
esclarecimento torne-se praticamente inevitável.

Sempre haverá pensadores independentes, mesmo entre os auto-intitulados guardiães
da multidão. Uma vez que tais homens livrem-se do jugo da menoridade, derramarão sobre si o espírito de uma apreciação razoável do valor humano e de seu dever de pensar por conta própria. (...)"

Immanuel Kant - Trecho de "Esclarecimento" (ou "Iluminismo") -1784

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