"É muito confortável ser um menor. Se eu tenho um livro que pensa por mim, um pastor
que age como se fosse minha consciência, um físico que prescreve a minha dieta e
assim sucessivamente, não tenho então necessidade de empenhar-me por conta
própria. Se eu posso pagar, não tenho necessidade de pensar. Muitos poderão
discordar comigo nessa matéria: os próprios guardiães que se encarregam de cuidar
para que a esmagadora maioria da humanidade – e, dentro dela, todo o sexo feminino
– não alcance a maturidade, não apenas por ser desagradável, mas extremamente
perigosa. Tais guardiães tornam estúpido seu gado doméstico e cuidadosamente se
previnem para que suas dóceis criaturas não tomem caminho próprio sem seus arreios.
Assim, eles mostram para seu gado o perigo que pode ameaçá-los caso pretendam
andar por sua própria conta.
Na verdade, o perigo não é realmente tão grande quanto parece. Afinal, depois de
tropeçar um pouco, todos aprendem a andar. Entretanto, exemplos de tropeços
intimidam e geralmente desencorajam todas as novas tentativas. Portanto, é muito
difícil para o indivíduo agir por sua própria conta e superar a menoridade, que se torna
para ele quase uma segunda natureza. Assim, mesmo que esteja já amadurecido, o
indivíduo é desde o início incapaz de usar seu entendimento por conta própria porque
nunca se permitiu tentar fazer isso. Dogmas e fórmulas – estas ferramentas mecânicas
para usos razoáveis (ou, pelo contrário, abusivos) das dádivas naturais dos indivíduos –
são os grilhões de uma duradoura menoridade. O homem que se livra deles dá um
salto incerto acima do abismo, mas este tipo de movimento livre não é comum. Eis a
razão para o fato de que apenas poucos homens caminham decididamente e saem da
menoridade, cultivando seus próprios pensamentos. No entanto, é praticamente certo
que o público possa esclarecer-se. De fato, basta que a liberdade seja dada para que o
esclarecimento torne-se praticamente inevitável.
Sempre haverá pensadores independentes, mesmo entre os auto-intitulados guardiães
da multidão. Uma vez que tais homens livrem-se do jugo da menoridade, derramarão sobre si o espírito de uma apreciação razoável do valor humano e de seu dever de pensar por conta própria. (...)"
Immanuel Kant - Trecho de "Esclarecimento" (ou "Iluminismo") -1784
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