"Não gosto de Urologistas", ele dizia.
Sempre quando o assunto chegava perto, sua opinião era sempre ouvida por todos:
- Não gosto de Urologistas.
- Mas por quê?
- Porque não gosto.
Sempre quando o assunto era tocado, sua opinião era ouvida por todos:
- O Tio Fernando terá de ir a um Urologista.
- Coitado...
O homem tinha um filho e uma filha. O menino era mais velho que a menina. Ele tinha dez anos; a menina, cinco. O pai sempre foi atencioso e um bom exemplo para ambos. Adorava a filha.
- Como vai a princesinha do papai?
- Bem. To brincando aqui.
- Até brincando és a princesinha mais linda.
Ela adorava os elogios do pai. Depois de cada frase exagerada, a filha sempre pulava nos braços dele para ficar agarrada.
Seu relacionamento com o filho tambem era bom. Quando o menino prestou vestibular e passou por todos os estresses que todos têm de passar para se tornarem alguém de respeito nos dias de hoje, os conselhos do pai ajudaram muito o menino. Enfim, chegou o grande dia. Pai levantava cedo para levar seu primeiro filho para o seu primeiro vestibular. Orgulho misturado com nervosismo.
*
O listão saiu.
- CARALHO! PASSEI! PUTA QUE PARIU! PASSEI, PAI!
- CARALHO! PUTA QUE PARIU! MEU FILHO É FEDERAL!
No primeiro vestibular prestado, o menino entrara na Universidade Federal.
Escolhera Medicina.
*
A vida foi seguindo seu rumo como tudo nesse mundo. O homem estava envelhecendo e precisava fazer seus exames anuais. Como de costume (ano após ano), reclamava ao ir ao Urologista. Certo dia, em uma consulta, disse:
- O senhor tambem trepa, doutor?
- Tambem sou homem, meu amigo.
- Então não me venha com abstinência sexual, porra. Sejamos humanos.
Quando chegava em casa, a mesma coisa:
- Como foi lá?
- A mesma merda. Não gosto de Urologistas.
Muito tempo se passou até que seu filho se especializou em uma área de atuação medica: escolhera a Cardiologia. Um doutor especialista nas doenças do coração. O orgulho do papai e da mamãe. Estava já crescido, independente financeiramente e namorando. A família já havia conhecido a suposta noiva. Uma janta fora feita para celebrar esta nova fase. Todos convidados: familia e familia da nora, amigos do filho e amigos dela, amigos da família em geral. Estavam todos felizes. O pai era só orgulho. No brinde, levantou a taça e bradou:
- Ao Cardiologista!
- Ao Cardiologista! - todos repetiram.
Durante a festa, ficara longe dos jovens médicos que preferiram pela Urologia.
- E a tua área, meu jovem?
- Urologia.
- Não gosto de Urologistas. - dito isso, levantou-se e foi conversar com outros.
No final da festa, chegara perto do filho e disse:
- Meu filho, o pai ainda se lembra quando eras um bebezinho...
- Ah, pai...
- Sempre soube que serias o melhor. Eu via a carinha de safado quando a mamãe o pegava e o amamentava. "Esse vai render" eu pensava. Realmente.
- Obrigado, pai...Acho.
- Não sabe o alívio que me deu ao saber que não serias Urologista.
*
Bem, o homem tinha uma filha também! E ela já havia entrado na Universidade e tambem já havia começado a namorar. A família já sabia das novidades, porém o genro era apenas um nome que ecoava pelos corredores da casa. O pai estava curioso para saber quem era o marginal que iria roubar sua princesinha de casa.
- Quantos anos ele tem?
- Ele tem trinta.
- Trinta? Mais velho... E o que faz da vida?
- Ele estuda na mesma Universidade que eu, pai.
- Conhece a família dele?
- Já conheci. A família é bem legal.
- Ele te trata bem?
- Muito. É super carinhoso comigo. Sabe, realmente, como fazer uma mulher feliz, sabia?
O pai já havia saido da sala.
Eis que o dia do "marginal" aparecer chegou. Fora feito um churrasco como de costume. Pai, Mãe, o filho Cardiologista (orgulho do pai) e a nora. Todos presentes. A campainha tocara.
- É ele! - disse a menina.
Ela correu para a porta. A mãe continuou conversando com a nora e o filho com o pai ali na churrasqueira.
- Pai, Mãe... - chamou todos. - quero apresentar o meu namorado.
"Olá", "Oi", "Como vai?" e "Tudo bem?" foram sendo ditos ali. O rapaz era bonito, limpo e discreto.
- Esse é o papai. - disse a menina, levando o namorado até a churrasqueira, pois o pai não saiu dali.
- Oi. Eu sou o pai. - apertara a mão do jovem e olhara bem em seus olhos. Gostara dele a partir dali.
A conversa vem tão natural em um ambiente com comida, quanto a gula. Histórias foram contadas, causos, ditos populares, opiniões políticas e futebolísticas, quem iria ser eliminado no reality show mais batido que mulher de brigadiano. O pai havia gostado do jovem. Podia ser ele o homem para se entregar a filha? Calma lá!
- Então, meu jovem, o que tu faz pra ganhar a vida?
- Pai...
- Eu faço Medicina.
- Meu filho tambem faz. É um grande Cardiologista.
O Cardiologista falou:
- Sou um Cardiologista, apenas. O velho gosta de exagerar. Seus elogios são tão altos quanto a sua pressão.
Todos riram. Alguns porque realmente acharam engraçado o comentário; outros, por educação. A mulher do Cardiologista preferiu seguir a última.
- E tu?
- Eu comecei a pouco a trabalhar. Já me formei.
- Meu namorado é Urologista, pai.
Os mistérios da vida e a ironia do destino sempre serão algo para nos tirar o sono, mas para os Psicanalistas que carimbam Freud em suas testas, nada mais pode ser surpresa.
Raul Luar
Nenhum comentário:
Postar um comentário