quarta-feira, novembro 27

A Vida para Maiores de 20 Anos.

- Tá te formando em quê?
- Psicologia – ele diz.
-Baaaaaaah! Olha aqui! Ó! – e num frenesi ele coloca os dedos na boca e assobia – Cambada de loucos filhos da puta! Taí a salvação!
(A mesa toda começa a rir em meio às garrafas e cinzeiros)
- Tchê, esse aqui, esse mesmo – diz o velho e experiente homem apontando para o rapaz da ponta da mesa. – anda sofrendo um puta trauma: ele é gay, mas não quer contar pro pai. A mãe já desconfia, mas sabe como é mãe, né... Elogio de mãe não vale!
- Hahahaha!
- Tu deve entender. Freud dizia isso, não é?
- Talvez.
- É. E esse aqui tem comichão no saco. Não consegue parar de comer a mãe daquele. – aponta para outro lado da mesa. Todos estão curvados de tanto rir e batendo suas palmas da mão na mesa como se estivessem pedindo clemência. – Esses dias mesmo esse louco me disse que andava comendo a minha irmã...
- Andava não: ainda como.
- Como é? – pausa de suspense – Mas eu te dou um soco nessas bolas murchas que vai te fazer falar fino! Ah, não! Peraí! Lembrei agora! (A parte)É que o cara fica velho, aí é foda... (Para todos) Tu não tem mais bolas depois daquela cirurgia de transgenitarização.
- Bah, pegou pesado! – diz outro.
- Tu tá defendendo ele, é? Ih... Já entendi. Ele anda te comendo, é?
(gargalhadas)
- Pode falar mesmo, estamos aqui entre amigos, todo mundo se conhece e já trocou intimidade. Esses dias ele me deu uma chupada gostosa (olha para o homem a sua frente). Como ta tuas costas, Carlos?
- Tão ainda doloridas... A tua mãe não me dá descanso! – responde Carlos com o copo prestes a ser bebido. Todos voltam a gargalhar. Praticamente, não há pausa entre uma piada e outra de tanto trago e bom humor.
- Ih... Mas vai tomar no cu, filho da puta. Comi tua irmã ontem e ela me disse que não sabia o que era homem. O que tu tem feito?
- Ele anda arrumando o cabelo, fazendo a barba e escutando Ney Matogrosso. – Intromete-se Ricardo.
- BAH! Ney Matogrosso! – em coro, todos.
- É putão, to falando... Caetano Veloso, Ney Matogrosso, Maria Bethânia, tudo coisa de menininha. Música de macho tem que ter cheiro de corpo! Ó – diz estufando o peito e mostrando o braço com as veias saltadas – Olha que coisa viril!
- Ah, Caetano Veloso é bom.
- Ih!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
- Vai dizer que tu não gosta? Tu diz isso por não entender o que ele canta!
- Mas tu entende? O cara canta com o pau dos outros na boca e fala fino como se tivessem metendo atrás.
(mais risadas)
- Que barbaridade...
-Bah, baixou o nível...
- Eu baixei outra coisa...
(risadas)
- Hein, ô, vou te contar... Baixei as calcinhas da tua mãe. Que porra de tamanho que ela usa? Deus o livre! Fiquei horas tentando comer ela.
- Ih! A velha te matou no cansaço?
- Não. Quem me matou no cansaço foi tu irmã, mesmo, aquela vadia! Matou eu e mais três amigos meus ao mesmo tempo.
-BaH! Pega leve, Raul!
(gargalhadas.)
- Isso que dá ficar escutando essas músicas...
- Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque... tudo coisa de sentimentalista que não sabe nada.
- Não, não! – intromete-se Fernando. – Gilberto Gil e Chico Buarque, não!
- Agora pegou!
- Isso tudo é música vitaminada. É coisa linda.
- Te apaixonou por aqueles olhos azuis, né? Pode dizer pra nós... (todos riem)
- Quê, quê, rapaz... Me apaixonei por outra coisa de olhos azuis que tu deve conhecer... aliás, manda um abraço e um beijo pra tua mãe. Diz praquela vadia me ligar.
(mais risadas)
- Taí a cerveja gelada – diz o dono do bar.
- Ô, negão! Esse aqui diz que ta comendo tua irmã, não vai dizer nada pra ele não?
- Tu tá comendo minha irmã, cara? Que porra é essa, caralho?
- Ela é fogosa, negão, que que eu posso fazer?
- Não, peraí que agora eu fiquei confuso... Não pode ser tu, pois ela me disse que o Raul não tem nada entre as pernas.
- Bah!!!!!!!!!!!! (gritaria e bateção de mesa em plenas risadas. Uma pessoa passa na rua e olha com cara de espanto para o bar).
- Te descobriram, Raul.
- O cara não aguenta depois da 5ª vez na mesma noite... Falei que ela era fogosa. – defende-se.
- Mas, ô, negão, é gostosa tua irmã, puta que o pariu...
- Alguém tinha que ser bom nessa família, né?
- É verdade...
Aparece aquele silêncio de assunto morrido, aquele suspense de reinício de conversa até que alguém tenta renascer de novo...
- Ô, filho da puta – chama a atenção dando um tapa nas costelas – esses dias vi tua mãe brigando com os travestis lá na esquina.
- Vai tomar no cu antes que eu me esqueça.
- Porra, eu to sendo amigo em te avisar e é assim que tu me trata? Ora... Vai te fuder... Bem que o Ricardo disse que eu tinha que comer a tua irmã, aquela vadia gostosa. Ô louco, tinham que ver como era a cena. Aquela pitanga!
- Malvado, malvado... – diz Ricardo.
- Olha só gente, parem de frescura senão eu vou fechar essa porra, tão ouvindo? Eu vou fechar esse bar e mandar todo mundo tomar no cu e sair daqui.
- Ah, vai tomar banho, negão! Se tu fechar como tu vai pagar as contas?
- Ué, mas a tua mãe não disse que eu to comendo ela e que ela me banca? Ih, rapaz, ela disse que ia te avisar!

E todos gargalham como se não tivesse o amanhã, como se não fosse necessário prestar contas, bater ponto, justificar faltas ou pagar algum aluguel exploratório; como se o Grêmio tivesse sido campeão do mundo ou o inter campeão do brasileirão; como se o país não sofresse de corrupção e não houvesse mais miséria no mundo; como se as pessoas não precisassem catar comida nos lixos ou pedir para o caminhão do lixo seletivo parar para poderem coletar uma madeira ou papelão que serviria de sustentação de suas casas; como se houvesse paz e não mais exploração; como se todos fossemos um só; como se a música fosse a única linguagem universal; como se a eternidade fosse uma nostalgia bucólica de bem viver e bem agir e como se as pessoas, de fato e indubitavelmente, tivessem livre-arbítrio e não fossem abusadas em seus trabalhos pelos seus chefes ou pelo próprio Leviatã de Hobbes...; como se o fim do mundo estivesse chegando e suas almas estivessem sido salvas pelos arcanjos e pelo próprio Deus.

Matheus I. Mazzochi



4 comentários:

  1. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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    1. Bacana tua contribuição ao Blog, Giovanni! Não sei o que apertei que o post acabou sendo removido, verei isso aqui... Mas pra te responder e não ficar no ar: " e o machismo, como fica?" Essa é uma pergunta muito boa, pois, possivelmente, podemos encontrar muitos indícios que ele está na história, mesmo não sendo o foco nessa narrativa. Fiquei curioso em saber onde ele estaria mais para ti. Abraços e nos falamos.

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  2. Compreendo que o texto ao mesmo tempo que exalta, ridiculariza. Assim como tudo que vemos por aí pelas ruas, bares e casas o preconceito exacerbado em piadas, a forma de distração mais ridícula, sentar num bar apenas entre homens e falar como se é machãão e contar sobre as transas, tudo isso cai numa risada ignorante e no mesmismo catedrático da violência com esse gênero indefinido.
    Como fica? eu fico incomodado, pelo que o texto faz eu me lembrar, ou até ver como essas formas de dominação articulam e como eu sou machista. Acho que é uma estrutura das famílias e de culturas que desmoronam.
    Parabéns!

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    1. Pô, cara, que legal mesmo, pois nunca pensei que conseguiria gerar tamanha discussão aqui nesse blog, mesmo achando que um dia chegaria a tal ponto. Isso que tu falou eu concordo e até me identifico "eu fico incomodado" e também o "e como eu sou machista". A narrativa não é reflexiva nesse caso. Só o final foi para dar uma ideia do sentimento de bem estar e de alegria que estava no ar, mas, com toda certeza, naquele momento, com aquelas pessoas não pareceu fazer mal a ninguém (tanto é que as mães e as irmãs são inexistentes e fictícias). Agora, por trás disso fica mesmo esse questionamento sobre o machismo ou sobre as condutas que nossa sociedade tem agido: e se houvesse mulheres? e se, mesmo não havendo, alguém se prejudicasse? Te digo que, depois desse teu convite para refletir sobre o próprio texto, eu voltei as críticas a mim para ver se de fato o que saiu de mim foi um sopro de crítica social ou um sopro de desabafo por estar se sentido pressionado em seguir alguns ditames sociais conflitivos com os meus próprios. De igual forma, agradeço imensamente por esse momento e pela tua contribuição. Parabéns para ti também! Vamos nos falando, ainda mais nessas férias...

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