domingo, outubro 30

quinta-feira, outubro 27

Em uma rodoviária qualquer,

Um homem se despede de sua mulher.
Segura seu rosto e beija com paixão,
Depois a mala, ele tira do chão.

Chega à porta, para e volta a olhar.
Entra no ônibus, o qual vai os separar.
A mulher acena para seu homem na janela.
Ele responde sorrindo e manda um beijo para ela.

O motor ligou e o motorista manobrou.
Ao poucos, foram se distanciando,
Mas a mulher, aos poucos,
Foi do ônibus se aproximando.

[Mal sabiam
Que seria a última vez
Que seus olhos se encontrariam
E assim que se fez.]

“Eu te amo.” – Ela falou.
Um “eu te amo” mudo
Que ele não escutou
Como quase tudo.

Na rodoviária a mulher ficou.
Acenou...
Chorou...
Sonhou...

Toda vez que se olhava no espelho,
Carente,
Ela pensava em seu amado,
Até quando limpava os dentes.

Todo o dia retocava a maquiagem
Esperando-o voltar da viagem.
Preparava a comida para dois.
O bom e velho feijão com arroz.

Arrumava a cama,
Como se ele fosse voltar a qualquer momento.
Trocava as velas para reacender a chama,
A chama do tão longo sofrimento.

Como um barco velho, na praia, encalhado.
Sua vida amorosa, ela havia abandonado.
Não queria mais embarcar para navegar.
Desistiu da vida, desistiu do amar.


De dia, ficava na janela
Pensando onde estaria o homem dela.
De noite, chorava na cama...
Um choro fininho, contido, sem drama.


Deixou de viver,
Queria morrer.
A sua foto ela segurava
Toda noite que se aninhava.

E o Sol foi nascendo,
E o Sol foi morrendo,
E a Lua brilhava,
E a Lua mudava.

Uns dizem que ela virou freira;
Outros que ela morreu de saudade.
Uns, que ela nunca mais amou
Outro homem como aquele que não mais voltou.

O que eu sei é que ela abriu o armário.
Queria sair e a saia pegou.
Saiu e sambou...
Saiu sozinha e voltou com um otário.

Noutro dia, a janela estava aberta bem cedo.
O cheiro do feijão voltou a cobrir o ar.
A mulher havia vencido seu medo.
A mulher havia voltado a amar.

Eis que depois de anos ele voltou.
E, na frente de casa, suas coisas ele encontrou.
- Meu amor, estás irritadiça?
O que é isso, afinal?
 - São oito anos sem notícia,
Seu besta, animal.
- Isadora, minha flor,
A viagem foi dura, cheia de dor...
- Não me venha com “Isadora, minha flor”,
Pois sou a Isabela, o teu antigo amor.

Raul Luar

Carinho Triste

A tua boca ingênua e triste
E voluptuosa, que eu saberia fazer
Sorrir em meio dos pesares e chorar em meio das alegrias,
A tua boca ingênua e triste
É dele quando ele bem quer.

Os teus seios miraculosos,
Que amamentaram sem perder
O precário frescor da pubescência,
Teus seios, que são como os seios intactos das virgens,
São dele quando ele bem quer.

O teu claro ventre,
Onde como no ventre da terra ouço bater
O mistério de novas vidas e de novos pensamentos,
Teu ventre, cujo contorno tem a pureza da linha de mar e
[céu ao pôr do sol,
É dele quando ele bem quer.

Só não é dele a tua tristeza.
Tristeza dos que perderam o gosto de viver.
Dos que a vida traiu impiedosamente.
Tristeza de criança que se deve afagar e acalentar.
(A minha tristeza também!...)
Só não é dele a tua tristeza, ó minha triste amiga!
Porque ele não a quer.


Manuel Bandeira - O Ritmo Dissoluto

quarta-feira, outubro 26

Meu coração arde como fogo. Mas meus olhos são frios como cinzas mortas

De manhã, antes de vestir-se, acenda incenso e medite.
Coma a intervalos regulares e deite-se a uma hora regular.
Coma sempre com moderação e nunca até ficar plenamente satisfeito.
Receba as suas visitas com a mesma atitude que tem quando está só.
E, quando só, mantenha a mesma atitude que tem quando recebe visitas.
Preste atenção ao que diz e, o que quer que diga, pratique-o.
Quando uma oportunidade chegar, não a deixe passar,
mas pense sempre duas vezes antes de agir.
Não se deixe perturbar pelo passado. Olhe para o futuro.
A sua atitude deve ser a de um herói sem medo,
mas o coração deve ser como o de uma criança, cheio de amor.
Ao retirar-se, ao fim do dia, durma como se tivesse entrado no seu último sono.
E, ao acordar, deixe a cama para trás,
instantaneamente,
como se tivesse deitado fora um par de sapatos velhos.

Soyen Shaku (1859-1919)

terça-feira, outubro 25

E a resposta, meus amigos, está soprando no vento.

Ando pela rua e vejo que vem alguém me encher o saco:
- Oiiii! E aí? Nossa! Tu estás um caco.
Um caco? Eu estou um caco? Eu vivo tentando coletar as peças
Que caem de mim quando respiro.
Fragmentei-me no chão suplicando como em rezas.
Acordo, reflito, repenso, piro e aspiro.

Volto à realidade... O ser que respira e está inteiro me olha.
Ele deve estar esperando alguma coisa que eu não faço idéia do que seja.
Talvez deva ser um sorriso... [sempre é um sorriso!].
As pessoas gostam dos sorrisos.
É... Vou sorrir.

...

O que foi aquilo? Que tipo de pergunta foi aquela?
Por que agi daquela maneira?
Melhor!
Da onde veio aquele sorriso?
Ah...
Como os deuses são bons em enviar anjos que parecem
Que irão nos incomodar... Que aparentam isso.
Mas estão enganados...
Anjos maravilhosos que suas ordens desobedecem
E esquecem.

Ele foi esperto, me fez sorrir.
Ele foi esperto, me fez seguir adiante.
Ele foi esperto... Que ser radiante!
Sim! Agora faz sentido.
Eu estava realmente um caco.
E há algo maior e contagiante.

Em vão olhava para o chão
Catando as partes de mim que deixaram de ser de mim
E sumiram do nada para o nada e do nada para o fim.
Se, na verdade, eu precisava olhar para frente,
Ver toda essa gente,
Que, apesar de ser diferente,
É parte de mim, pois é corpo, corpo que sente.
Sois vós e nós,
Sois a Mente.
Sois a Mente!
Sois a Mente...

Que belo insight
Que belo pensamento.
Que bela conclusão.
O que seria do verde das folhas, se não fosse o azul do céu da refração da onda eletromagnética que é a luz?
E ela é branca... Ela é pura...ela parece ser um só,
Mas não é.
São sete cores em uma só.
Sete.
Sete vezes sete dá quarenta e nove.
Quarenta e nove é um número relativamente grande....
E tudo começou com o branco.

Sete...



Eis o número, meus senhores:
Sete. 

Matheus I. Mazzochi

segunda-feira, outubro 24

Jardim cheio de flores.


- Pode parecer estranho mas mulher tem dessas coisas...
- O quê?
- Eu olho pra ti e enxergo um grande cardiologista.
- Mesmo? - ele riu.- Por quê?
- Não sei o por quê, me ocorreu a pouco isso.
- Cardiologista... - ele abaixou a cabeça e refletiu. Se viu exercendo a profissão naquele momento. - Nossa. Me deu uma coisa no peito agora. 
Ele olhou nos olhos dela.
- Quem sabe tu prevê o futuro.
Ela riu.
Fez o silêncio.
- E sabe por quê?
Ele a olhou bem sério.
- Me deu um insight agora.
Pausa. Ela, enfim, conseguiu forças para continuar:
- Porque tu entende das dores do coração.

Matheus I. Mazzochi 


sábado, outubro 22

O indispensável para a nossa vida


- Mestre, acabei de ler sobre uma pesquisa que fizeram no Ocidente: perguntaram o que as pessoas tem de indispensável para o seu dia a dia, e a maioria respondeu que era o seu celular!
- Que curioso...
- Um absurdo, todo esse materialismo...
- Mas o que deveria ser indispensável em sua vida?
- Ora, penso que meus amigos, minha família, minha mulher...
- Mas como? As pessoas não nos pertencem... Essa resposta não nos serve.

O discípulo pensou por um longo momento e acrescentou:

- Muito bem, agora entendi: tudo o que temos é a sabedoria! Ela sim é indispensável.
- Concordo... Mas me diga: como saberemos com certeza se temos mesmo alguma sabedoria?
- Ora, pela opinião dos outros, mestre - Eu mesmo afirmo: você é um sábio!
- Fico imensamente grato... Mas, e se estiver enganado? Outros podem aparecer por aqui e afirmar exatamente o oposto: que sou apenas algum louco... Ou pior, um charlatão...
- Mas mestre, todos que conviverem um dia que seja contigo hão de concordar que é mesmo um sábio...
- Como?
- Ora, porque passarão a amá-lo como todos os outros discípulos tem lhe amado.
- Mas... Amar assim tão depressa? Será que primeiramente não amariam o saber?


O discípulo acenou com a cabeça, concordando.

- Então, não seria esse amor ao saber o que inicia todo esse caminho espiritual que temos percorrido juntos?
- Sim mestre! Agora percebo que foi assim: primeiro me interessei por seu conhecimento, e só após nosso convívio foi que passei a amá-lo como a um pai...
- E já que agora somos tão amigos, será que quando viajamos para longe um do outro o telefone não passa a ser indispensável para mantermos contato?
- Bem, pode ser... Mas o telefone é apenas um objeto material...
- Meu amigo, o problema não é o objeto, mas o uso que fazemos dele... De fato, não temos um telefone, não temos nossa casa e nem mesmo nossa roupa, o que temos é essa vontade tão antiga de nos conectarmos um ao outro: eis o indispensável em nossa vida.

[Fica a dica ;) ]

sexta-feira, outubro 21

Eu me perco na fantasia

Eu me perco na minha fantasia
Que, quem sabe, pode ser até sadia
Para fugir da verdade,
Encarar a realidade
Que, num momento, é a minha epifania.

Matheus I. Mazzochi

sábado, outubro 15

...


Arrumar a vida, pôr prateleiras na vontade e na acção...
Quero fazer isto agora, como sempre quis, com o mesmo resultado;
Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa!

Vou fazer as malas para o Definitivo,
Organizar Álvaro de Campos,
E amanhã ficar na mesma coisa que antes de ontem - um antes de ontem que é sempre...

Sorrio do conhecimento antecipado da coisa-nenhuma que serei.
Sorrio ao menos; sempre é alguma coisa o sorrir... 

Produtos românticos, nós todos...
E se não fôssemos produtos românticos, se calhar não seríamos nada. 

Assim se faz a literatura...
Santos Deuses, assim até se faz a vida!

Os outros também são românticos,
Os outros também não realizam nada, e são ricos e pobres,
Os outros também levam a vida a olhar para as malas a arrumar,
Os outros também dormem ao lado dos papéis meio compostos,
Os outros também são eu.  

Vendedeira da rua cantando o teu pregão como um hino inconsciente,
Rodinha dentada na relojoaria da economia política,
Mãe, presente ou futura, de mortos no descascar dos Impérios,
A tua voz chega-me como uma chamada a parte nenhuma, como o silêncio da vida... 

Olho dos papéis que estou pensando em arrumar para a janela,
Por onde não vi a vendedeira que ouvi por ela,
E o meu sorriso, que ainda não acabara, inclui uma crítica metafísica. 

Descri de todos os deuses diante de uma secretária por arrumar,  
Fitei de frente todos os destinos pela distracção de ouvir apregoando,
E o meu cansaço é um barco velho que apodrece na praia deserta,  
E com esta imagem de qualquer outro poeta fecho a secretária e o poema... 

Como um deus, não arrumei nem a verdade nem a vida.

                                                                     [15/5/1929]

Álvaro de Campos

sexta-feira, outubro 14

E se os gênios estivessem num bar?

Em um barzinho numa cidade muito longe de onde vivemos...
  
     Albert Einstein estava sentado matando sua sede e fumando seu cachimbo. De pernas cruzadas, elegantemente, escrevia suas reflexões e seus devaneios. Queria que queria terminar sua mais nova teoria:
        - Se A é o sucesso, então A é igual a X mais Y mais Z. O trabalho é X; Y é o lazer; e Z é manter a boca fechada. Hm... Faz sentido.
        Leva seu copo de cachaça até a boca. Forte, exatamente como ele gosta. Batendo o copo na mesa, faz a sua caricata careta.
        - Alô! – Eis que chega Sir Isaac Newton. – O que está fazendo, Al?
        - Matando o tempo...
       Newton ajeita-se na cadeira e vira-se acenando sorridente para o garçom. O garçom fecha os olhos e sorri em sinal de já saber o que ele quer.
         - O tempo é uma ilusão produzida pelos nossos estados de consciência, à medida que caminhamos através da duração eterna. – diz.
           Einstein fuma seu cachimbo fitando-o, pensativo, até retrucar sorridente e satisfeito:
          - A distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão teimosamente persistente. Se minha Teoria da Relatividade estiver correta, - e diz isso com o bucal do cachimbo para Newton - a Alemanha dirá que sou alemão e a França me declarará um cidadão do mundo. Mas, se não estiver, a França dirá que sou alemão e os alemães dirão que sou judeu.
        O whisky chega. Newton, com uma risada quicada e com o copo sendo levado a boca responde fitando o amigo:
           - Eu consigo calcular o movimento dos corpos celestiais, mas não a loucura das pessoas.
           E bebe um gole.
          O garçom aparece com seu pano para limpar a mesa. Nesse momento, Einstein dá mais uma pitada em seu cachimbo, e Newton abre as pernas e cruza seus braços para poder relaxar. O silêncio preenchia o espaço. O garçom estava terminando e, sabiamente, pediu licença para falar:
           - Com todo o respeito e não querendo me meter, de homem a homem verdadeiro, o caminho passa pelo homem louco.
          Einstein e Newton mantêm suas poses, apenas olham para o garçom como se não esperassem por essa. E realmente não esperavam. Com os dentes mantendo o cachimbo nos lábios, Einstein pergunta pensativo e reticente:
           - Bela frase... Perdão, mas quem é você?
           E colocando o pano sobre o ombro direito, sorridente, o garçom responde:
           - Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mesmo.
           O silêncio reinou novamente entre os três.
           - Mais uma cachaça, senhor?
           - Ah, sim...Por favor!
           Einstein sorri. O garçom responde com outro sorriso, mais abrangente, mais puro, mais sorridente. Dá meia volta e some atrás do galpão para pegar a garrafa para poder servir o cientista. Newton ficara em silêncio olhando para o copo e, acompanhando sua circunferência úmida com o dedo indicador. Suspira, sorri e...:
           - O que sabemos é uma gota; o que ignoramos é um oceano.
           Einstein novamente sorri olhando para seu amigo sobre seus óculos fundo de garrafa.
          - A mente que se abre a uma nova idéia, meu amigo, jamais voltará ao seu tamanho original... – seus olhos desencontram-se dos de Newton e sobem mais um pouco - Ah! Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito! É o Frederico que vem vindo!
          Com seus passos pesados, panturrilhas de pedra, sapatos de chumbo e todo o peso do conhecimento (ou da tentativa de tentar alcançá-lo plenamente), o forasteiro para uns metros depois de entrar no bar e abre os braços aos prantos:
           - E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música! Perdido seja para nós aquele dia em que não se dançou nenhuma vez! E falsa seja para nós toda a verdade que não tenha sido acompanhada... Por uma gargalhada!
            - É o Nietzsche quem chegou? –Newton se vira para responder a sua pergunta retórica.
            A gargalhada soou da boca de Einstein, só cessando quando o ataque de tosse começara.
          - Esse cachimbo ainda vai te matar. – abaixando a cabeça e olhando penetrantemente para Einstein, como se estivesse conseguindo ver o tumor no pulmão, Nietzsche profere.
            - Bobagem! Temos o destino que merecemos. Nosso destino está de acordo com os nossos méritos. Tu que tens que te cuidar com esse cancro no cérebro.
            - O que não provoca minha morte faz com que eu fique mais forte.
            - Ora, isso é perfeito! Um filósofo falando tais palavras. Afinal, a verdadeira filosofia nada mais é que o estudo da morte, não é mesmo? – diz Newton.
           Não houve resposta para tal pergunta, visto que o garçom chegara sempre sorridente com a garrafa de cachaça para Einstein. Com seus óculos na ponta do nariz, o careca garçom serve delicadamente e cirurgicamente a bebida no copo. Nenhuma gota foi desperdiçada. Einstein inclina-se para o copo olhando-o bem de perto com seus óculos também na ponta do nariz:
           - Penso noventa e nove vezes e nada descubro; deixo de pensar, mergulho em profundo silêncio e... –pausa dramática para encolher seus ombros e mostrar as palmas para o copo, como se esperasse que ele batesse sua mão. -... e eis que a verdade se me revela!
           Todos admiram o único gole que seca o copo e o som da batida deste na mesa. A careta mostrando a língua é sempre a conseqüência esperada de Einstein perante tal estímulo.
            - A tradição é a personalidade dos imbecis. - sentencia.
            O garçom traz uma cadeira para Nietzsche acompanhar seus amigos e pergunta o que ele gostaria de beber, este agradece e senta-se. Agradece novamente e diz não ter trazido dinheiro para gastar.
            - Eu posso acrescentar na tua continha, meu amigo.
            - Não! – e volta-se com olhos saltando às órbitas - É mais fácil lidar com uma má consciência do que com uma má reputação... Quem, em prol da sua boa reputação, não se sacrificou já uma vez... A si próprio?

Matheus I. Mazzochi

terça-feira, outubro 11

Penso eu

Penso eu se antes de mim ela também era assim.

Matheus I. Mazzochi

Se em meu velório, Magnata disser:
“Ó coitado foi tão cedo.”
Eu volto só para fazê-lo se arrepender.

Paulo Paulada

O Anti Herói

Mais uma noite de Lua no céu.
Crescente.
Sorrindo para toda a gente.
E Raul Luar sai do bordel.

Sai com seu violão em mão.
Comprara parcelado,
Aproveitara a promoção.
- Agora, serei lembrado!

Pobre cristão...

Vai para um bar como um muçulmano à Meca.
Conhece todos, e todos o conhecem.
Toma um copo, toca um acorde, peca.
Em seus versos, todos se reconhecem.

- Hei, Luar, empresta um pouco
Para podermos tocar?
- Não posso, meu amigo,
Nem terminei de pagar.


Matheus I. Mazzochi

segunda-feira, outubro 10

Eu só queria te ver.

Depois de ter acordado junto com o Sol,
Depois de obedecer aos chefes fedendo à formol,
Eu só queria te ver.
Ouvir tua voz, tua melodia.

Depois dos estresses intensos da Free Way,
Depois de imaginar as pessoas que matei,
Eu só queria saber.
Conversar contigo, saber do teu dia.

Consegui sair com uma hora de antecedência.
Voltei para a cidade morrendo de carência.
Fiz uma ligação esperando ouvir um sim.

Não pedi que tu te arrumasse,
Nem pedi que te perfumasse,
Só pedi que abrisse a porta para mim.

Matheus I. Mazzochi

domingo, outubro 9

Um tapa na cara

Raul Luar era um poeta apaixonado
Que se viu no espelho e ficou encantado.
Pegou lápis e papel e fez poesia.
Arrancou a folha e deu-a para quem queria.

- Oh! Que lindos, Raul, esses versos que você me deu!
Disse encantada a doce Elenara.
- Agora vais me dar o que mereço eu?
E recebeu, bem dado, um tapa na cara.


Matheus I. Mazzochi

sábado, outubro 8

Coping

Chega de virar para o lado e dar de cara com o muro.
Chega de tropeçar quando atravesso a rua.
Chega de escorregar e pisar em falso em um degrau ao descê-lo.
Chega de fechar a porta do carro e notar que o cinto de segurança ficou pro lado de fora.
Chega de quando chegar ao elevador, ele, misteriosamente, mudar de andar.
Chega de não ter moedas necessárias para a passagem.
Chega de pegar o ônibus errado.
Chega de esquecer de ler tal artigo ou de fazer tal resenha.
Chega de atos falhos ou autos enganos.
Chega de sair com o guarda-chuva num dia de sol e não chover.
[Ou de sair sem e presenciar o dilúvio]...

Não quero mais tomar banho de esgoto pelos carros que passam por mim na chuva.
Não quero mais ser assaltado por pessoas que querem ir visitar a família em Guaíba.
Não quero mais me preocupar com coisas mundanas e superficiais.
Não quero mais saber da vida de quem já partiu.
Não quero mais saber das normas que limitam a criatividade ao se escrever um artigo.
Não quero mais saber dos desejos fúteis de pessoas invisíveis.
Não quero mais saber se vão engravidar ou não. 
Não quero mais saber da vida, se não for ser vivida com paixão. 

Chega! Não quero mais saber.


Matheus I. Mazzochi

sexta-feira, outubro 7

Ao vencedor, ...

Com os ombros encolhidos,
Como um pássaro com frio,
Ele anda por aí cansado.
Mostrando, nitidamente, que está pressionado.

Suspirando fôlegos contados,
Sintoma dos condenados,
Chega em casa rastejando,
Um escravo dos dias terminados.

A porta bate atrás,
A chave cai.
"Mais um dia. - geme o rapaz-
Até onde isso vai?"

A meditação é inútil.
Reclamar virou fútil.
Fechar os olhos é ver o que se tem para fazer.
Nenhum ser humano pode isso merecer.

O aprendiz, buscando o conhecimento,
Escala a montanha cheio de peso.
Não passa por tanto sofrimento.
Mesmo não chegando ao topo ileso.

Suas virtudes não mais importam.
Seus chefes não as notam.
Mesmo assim, ele insiste.
Mesmo ficando triste.

A cama...

Tão desejada quanto a dama,
O faz transcender, o faz esquecer.

E o sexo?
- Amor, hoje não...
- Ajuda a relaxar.
- É em vão.

E então?
Agora relaxado,
Vira pro lado.
Não há carinho,
Ficou mais cansado.

Depois de tudo que passou...
Depois de ver o que conquistou...
Depois do depois que o mudou...
Nada importou.
Depois do drama,
Ele dorme.
Ele sonha.
Ele foge.
Ele evita.
Ele acorda...

Acorda e vai para a vida.
Acorda e dá a partida.
"Vai trabalhar, vagabundo,
Vai trabalhar, criatura..."

Acorda!
Pega a corda.
Ajeita o nó no pescoço,
Poe o blazer.
Pega o chapéu, os óculos escuros:

"Tenho uma vida para tocar.
- Reflete-
Pois bem... Vou
                            me
                                   en
                                       for
                                            c
                                            a
                                            r
                                            .
                                            .
                                            .
                                            "

Matheus I. Mazzochi

quinta-feira, outubro 6

Eu sou um Contador de Histórias.

Eu sou um Contador de Histórias
E tenho histórias para contar.
Eu sou um Contador de Histórias,
Mas também sei escutar.

Eu vou contar uma história
E Era uma vez assim...
Prestem muita atenção,
Pois vou contar do início ao fim.
Vou contar do início ao fim.

Havia um reinado
Que tinha uma Rainha
E o reinado era encantado
Sem nenhuma picuinha
Havia trabalho remunerado
Cada um tinha sua quantia
E o trabalho era trabalhado
Pelos servos da Rainha
E o trabalho era trabalhado
Pelos servos da Rainha

Seu reinado não era grande,
Tão grande quanto o seu legado.
Pois o trabalho era triunfante
Triunfante era o seu agrado.
Tudo isso pelas ordens
Que a Rainha gostava de dar
Não havia padres, nem lordes.
Só a Rainha podia reinar.
Não havia padres, nem lordes.
Só a Rainha podia reinar.

Eu sou um contador de Histórias
E tenho muita história para contar.
Eu sou um Contador de Histórias,
Mas também sei escutar.
Mas também sei escutar.

No reinado havia um castelo
E o castelo era muito belo.
Só que o castelo não era belo
Quando visto bem de perto.
E a Rainha reinava por dor
Não dando, aos seus servos,
Para cada um, seu devido valor.
Para cada um, seu devido valor.

E qual é a moral da história
Que eu acabei de vos contar?
Quando eu a souber
Eu a vou terminar.
Eu a vou terminar...

Pois, sou um Contador de Histórias
E era uma vez assim
Eu sou um Contador de Histórias
E conto-as do início ao fim.


Matheus I. Mazzochi

segunda-feira, outubro 3

Dó de Sí

Da gaita para o violão,
Do violão para a gaita;
Da gaita para o violão,
Do violão para a gaita.

No fundo, escuta-se alguém pedindo atenção.
Com tons agudos e fininhos,
É o teclado, sozinho,
Sofrendo com a solidão.

"Não se preocupe, Teclado, já irei te dedilhar."
E ele, irritado e enciumado, volta a reclamar:
"Seu cafajeste traidor, vives a me enrolar.
Aposto que se esqueceu de como me tocar."

E continua...

Matheus I. Mazzochi