Tá bem barato futebol BOLA!
Bem no teu ouvido.
Matheus I. Mazzochi
"Quero antes o lirismo dos loucos, o lirismo dos bêbados, o lirismo difícil e pungente dos bêbados. O lirismo dos clowns de Shakespeare. - Não quero mais saber do lirismo que não é libertação." - Poética - Manuel Bandeira
sábado, dezembro 21
segunda-feira, dezembro 2
Curto e Grosso como Coice de Porco
Desde guri moço que andava por aí,
Aprendi.
Escutando uma trova aqui...
Outra ali...
Que a vida é uma coisa de louco!
E que o tempo que temos
É muito pouco.
Andava mais enrolado que namoro de cobra
E ficava mais faceiro que genro em velório de sogra.
Quando tudo se resolvia,
Eu saia.
E bebia.
Fumava um palheiro, tomava um traguito.
Às vezes, junto; às vezes, solito.
Adorava um fandango...
E quando tinha mulher, dançava era tango!
De tango em tango, me apelidaram de malandro.
Vê se pode!
Malandro é o gato que já nasceu com bigode!
E tenho dito: mulher ciumenta, nem o diabo aguenta,
Mas se o homem é sem vergonha, só o relho lhe endireita.
Aí eu fiquei mais velho que andar pra frente.
É, vivente...
Mais encolhido e retorcido que bago de touro na brasa.
Mais encalhado que barco em água rasa.
Mais sério que criança cagada.
Aí eu vi que mais vale o pouco do que nada.
E que nunca tive tudo de mão beijada.
Agora, olhando pra trás, não me arrependo, não.
Sovo meu mate, meu amargo, meu chimarrão
E reflito com os meus “botão”:
Amei e fui amado, fui poeta e, por que não?,
Vivi muitos momentos como um baita mangolão.
E sem boina e de alpargata nas “mão”
(Pois dizem ser o solo sagrado, então...)
Adentrarei ao piquete Eterno
(Depois de dar uma visitada ao Inferno)
E perguntarei:
“ Qual é a finalidade de tudo isso, meu Patrão?”
E talvez ele me responda.
Talvez, não.
Matheus I. Mazzochi
sexta-feira, novembro 29
Vida Moderna
Em meio ao turbilhão das ruas, em meio à rotina incansável da modernidade humana, ele consegue encontrar um tempo entre as Camélias e os seus odores doces para ler e meditar. Em plena meditação, inúmeros pensamentos e sensações emergem. Respira fundo, relaxa e se alivia de tanto estresse.
Abre um livro.
No pequeno espaço de tempo criado pela seu esforço em manter a sanidade mental, lê Hamlet. Tantas questões em sua mente, tantos questionamentos, tantas incertezas, tudo resume-se em Hamlet. Está no V ato. Cena I. Dois coveiros conversam sobre a melhor das respostas. "Quem constroi mais forte que o pedreiro, o engenheiro e o carpinteiro?", é a pergunta que nunca irá findar. Ele, absorto, hipnotizado, concentrado e esquecido do mundo ao seu redor para de ler. Fecha o livro. Antes de continuar fica refletindo. "Quem seria?". Pensa, pensa, pensa... "A fé? O amor?". Depois de minutos, decide continuar sua leitura: o coveiro. A eternidade em pequenas páginas escritas em plena idade média. E durando até hoje... Questões humanas ultrapassadas, porém atuais em nossas vidas tão diferente das antigas. Será mesmo? Hamlet entra em cena com Horácio. Conversam sobre a finitude do ser, sobre os ossos e a identificação desses. "Dizem que enlouqueceu de maneira muito estranha", "estranha como?" - pergunta Hamlet - "Parece que perdeu o juízo.", "E qual foi a razão?" - pergunta novamente - "Achar que não tinha razão."
Essa vida louca que vivemos. Vida sem razão e na busca dela, enlouquecemos. Talvez, sim; talvez não. Hamlet pega um crânio e pergunta quem era. O coveiro diz ser Yorick, o bobo do Rei. Onde estão as piadas agora, Yorick? Estás sorrindo para nós, mas não escutamos suas gargalhadas. Estás mais engraçado agora morto do que vivo? Suas piadas estão mais vivas quando morto do que quando estavas vivo? Pobre homem, fraco de alma e sem nenhum espírito de humor... Hamlet larga o crânio, pergunta a Horácio se as cinzas de Alexandre, o grande, são reconhecidas tanto quanto são as dos "outros" homens. Óbvio que não são. Alexandre, o grande, também apodreceu, também fedeu no leito de morte, também virou osso, puro osso. Um crânio irreconhecível em meio a tantos. Eis essa a finitude e o destino de qualquer homem ou mulher?
E pensar que tem muito morto apodrecido andando vivo por aí... Seja político ou não. E isso desde os tempos de Shakespeare. Em plena reflexão sobre sua existência e sobre si, decide fechar o livro. É tempo. Tempo de voltar à realidade moderna. Cumprir horas, compromissos, promessas.
Vida moderna, vida corrida.
Vida moderna, vida mal vivida.
Olha o relógio. É tempo. Puxa a mochila às costas e cantarola em meio aos doces aromas das Camélias brancas de Alexandre Dumas Filho "Blowin in the Wind".
"How many roads must a man walk down, before you call him a man?"
E eis que a resposta vive soprando no vento que balança as folhas e as flores das camélias. Balança tudo. Agitando os galhos dessa infinita Árvore da Vida.
Matheus I. Mazzochi
Abre um livro.
No pequeno espaço de tempo criado pela seu esforço em manter a sanidade mental, lê Hamlet. Tantas questões em sua mente, tantos questionamentos, tantas incertezas, tudo resume-se em Hamlet. Está no V ato. Cena I. Dois coveiros conversam sobre a melhor das respostas. "Quem constroi mais forte que o pedreiro, o engenheiro e o carpinteiro?", é a pergunta que nunca irá findar. Ele, absorto, hipnotizado, concentrado e esquecido do mundo ao seu redor para de ler. Fecha o livro. Antes de continuar fica refletindo. "Quem seria?". Pensa, pensa, pensa... "A fé? O amor?". Depois de minutos, decide continuar sua leitura: o coveiro. A eternidade em pequenas páginas escritas em plena idade média. E durando até hoje... Questões humanas ultrapassadas, porém atuais em nossas vidas tão diferente das antigas. Será mesmo? Hamlet entra em cena com Horácio. Conversam sobre a finitude do ser, sobre os ossos e a identificação desses. "Dizem que enlouqueceu de maneira muito estranha", "estranha como?" - pergunta Hamlet - "Parece que perdeu o juízo.", "E qual foi a razão?" - pergunta novamente - "Achar que não tinha razão."
Essa vida louca que vivemos. Vida sem razão e na busca dela, enlouquecemos. Talvez, sim; talvez não. Hamlet pega um crânio e pergunta quem era. O coveiro diz ser Yorick, o bobo do Rei. Onde estão as piadas agora, Yorick? Estás sorrindo para nós, mas não escutamos suas gargalhadas. Estás mais engraçado agora morto do que vivo? Suas piadas estão mais vivas quando morto do que quando estavas vivo? Pobre homem, fraco de alma e sem nenhum espírito de humor... Hamlet larga o crânio, pergunta a Horácio se as cinzas de Alexandre, o grande, são reconhecidas tanto quanto são as dos "outros" homens. Óbvio que não são. Alexandre, o grande, também apodreceu, também fedeu no leito de morte, também virou osso, puro osso. Um crânio irreconhecível em meio a tantos. Eis essa a finitude e o destino de qualquer homem ou mulher?
E pensar que tem muito morto apodrecido andando vivo por aí... Seja político ou não. E isso desde os tempos de Shakespeare. Em plena reflexão sobre sua existência e sobre si, decide fechar o livro. É tempo. Tempo de voltar à realidade moderna. Cumprir horas, compromissos, promessas.
Vida moderna, vida corrida.
Vida moderna, vida mal vivida.
Olha o relógio. É tempo. Puxa a mochila às costas e cantarola em meio aos doces aromas das Camélias brancas de Alexandre Dumas Filho "Blowin in the Wind".
"How many roads must a man walk down, before you call him a man?"
E eis que a resposta vive soprando no vento que balança as folhas e as flores das camélias. Balança tudo. Agitando os galhos dessa infinita Árvore da Vida.
Matheus I. Mazzochi
quarta-feira, novembro 27
A Vida para Maiores de 20 Anos.
- Tá te formando em quê?
- Psicologia – ele diz.
-Baaaaaaah! Olha aqui! Ó! – e num
frenesi ele coloca os dedos na boca e assobia – Cambada de loucos filhos da
puta! Taí a salvação!
(A mesa toda começa a rir em meio
às garrafas e cinzeiros)
- Tchê, esse aqui, esse mesmo –
diz o velho e experiente homem apontando para o rapaz da ponta da mesa. – anda sofrendo
um puta trauma: ele é gay, mas não quer contar pro pai. A mãe já desconfia, mas
sabe como é mãe, né... Elogio de mãe não vale!
- Hahahaha!
- Tu deve entender. Freud dizia
isso, não é?
- Talvez.
- É. E esse aqui tem comichão no
saco. Não consegue parar de comer a mãe daquele. – aponta para outro lado da
mesa. Todos estão curvados de tanto rir e batendo suas palmas da mão na mesa
como se estivessem pedindo clemência. – Esses dias mesmo esse louco me disse
que andava comendo a minha irmã...
- Andava não: ainda como.
- Como é? – pausa de suspense –
Mas eu te dou um soco nessas bolas murchas que vai te fazer falar fino! Ah,
não! Peraí! Lembrei agora! (A parte)É
que o cara fica velho, aí é foda... (Para
todos) Tu não tem mais bolas depois daquela cirurgia de transgenitarização.
- Bah, pegou pesado! – diz outro.
- Tu tá defendendo ele, é? Ih...
Já entendi. Ele anda te comendo, é?
(gargalhadas)
- Pode falar mesmo, estamos aqui
entre amigos, todo mundo se conhece e já trocou intimidade. Esses dias ele me
deu uma chupada gostosa (olha para o homem a sua frente). Como ta tuas costas,
Carlos?
- Tão ainda doloridas... A tua
mãe não me dá descanso! – responde Carlos com o copo prestes a ser bebido.
Todos voltam a gargalhar. Praticamente, não há pausa entre uma piada e outra de
tanto trago e bom humor.
- Ih... Mas vai tomar no cu,
filho da puta. Comi tua irmã ontem e ela me disse que não sabia o que era
homem. O que tu tem feito?
- Ele anda arrumando o cabelo,
fazendo a barba e escutando Ney Matogrosso. – Intromete-se Ricardo.
- BAH! Ney Matogrosso! – em coro,
todos.
- É putão, to falando... Caetano
Veloso, Ney Matogrosso, Maria Bethânia, tudo coisa de menininha. Música de
macho tem que ter cheiro de corpo! Ó – diz estufando o peito e mostrando o
braço com as veias saltadas – Olha que coisa viril!
- Ah, Caetano Veloso é bom.
- Ih!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
- Vai dizer que tu não gosta? Tu
diz isso por não entender o que ele canta!
- Mas tu entende? O cara canta
com o pau dos outros na boca e fala fino como se tivessem metendo atrás.
(mais risadas)
- Que barbaridade...
-Bah, baixou o nível...
- Eu baixei outra coisa...
(risadas)
- Hein, ô, vou te contar...
Baixei as calcinhas da tua mãe. Que porra de tamanho que ela usa? Deus o livre!
Fiquei horas tentando comer ela.
- Ih! A velha te matou no
cansaço?
- Não. Quem me matou no cansaço
foi tu irmã, mesmo, aquela vadia! Matou eu e mais três amigos meus ao mesmo
tempo.
-BaH! Pega leve, Raul!
(gargalhadas.)
- Isso que dá ficar escutando
essas músicas...
- Caetano Veloso, Gilberto Gil e
Chico Buarque... tudo coisa de sentimentalista que não sabe nada.
- Não, não! – intromete-se
Fernando. – Gilberto Gil e Chico Buarque, não!
- Agora pegou!
- Isso tudo é música vitaminada.
É coisa linda.
- Te apaixonou por aqueles olhos
azuis, né? Pode dizer pra nós... (todos riem)
- Quê, quê, rapaz... Me apaixonei
por outra coisa de olhos azuis que tu deve conhecer... aliás, manda um abraço e
um beijo pra tua mãe. Diz praquela vadia me ligar.
(mais risadas)
- Taí a cerveja gelada – diz o
dono do bar.
- Ô, negão! Esse aqui diz que ta
comendo tua irmã, não vai dizer nada pra ele não?
- Tu tá comendo minha irmã, cara?
Que porra é essa, caralho?
- Ela é fogosa, negão, que que eu
posso fazer?
- Não, peraí que agora eu fiquei
confuso... Não pode ser tu, pois ela me disse que o Raul não tem nada entre as
pernas.
- Bah!!!!!!!!!!!! (gritaria e
bateção de mesa em plenas risadas. Uma pessoa passa na rua e olha com cara de
espanto para o bar).
- Te descobriram, Raul.
- O cara não aguenta depois da 5ª
vez na mesma noite... Falei que ela era fogosa. – defende-se.
- Mas, ô, negão, é gostosa tua
irmã, puta que o pariu...
- Alguém tinha que ser bom nessa família,
né?
- É verdade...
Aparece aquele silêncio de
assunto morrido, aquele suspense de reinício de conversa até que alguém tenta
renascer de novo...
- Ô, filho da puta – chama a
atenção dando um tapa nas costelas – esses dias vi tua mãe brigando com os
travestis lá na esquina.
- Vai tomar no cu antes que eu me
esqueça.
- Porra, eu to sendo amigo em te
avisar e é assim que tu me trata? Ora... Vai te fuder... Bem que o Ricardo disse
que eu tinha que comer a tua irmã, aquela vadia gostosa. Ô louco, tinham que
ver como era a cena. Aquela pitanga!
- Malvado, malvado... – diz Ricardo.
- Olha só gente, parem de
frescura senão eu vou fechar essa porra, tão ouvindo? Eu vou fechar esse bar e
mandar todo mundo tomar no cu e sair daqui.
- Ah, vai tomar banho, negão! Se
tu fechar como tu vai pagar as contas?
- Ué, mas a tua mãe não disse que
eu to comendo ela e que ela me banca? Ih, rapaz, ela disse que ia te avisar!
E todos gargalham como se não
tivesse o amanhã, como se não fosse necessário prestar contas, bater ponto,
justificar faltas ou pagar algum aluguel exploratório; como se o Grêmio tivesse
sido campeão do mundo ou o inter campeão do brasileirão; como se o país não
sofresse de corrupção e não houvesse mais miséria no mundo; como se as pessoas
não precisassem catar comida nos lixos ou pedir para o caminhão do lixo
seletivo parar para poderem coletar uma madeira ou papelão que serviria de
sustentação de suas casas; como se houvesse paz e não mais exploração; como se
todos fossemos um só; como se a música fosse a única linguagem universal; como
se a eternidade fosse uma nostalgia bucólica de bem viver e bem agir e como se
as pessoas, de fato e indubitavelmente, tivessem livre-arbítrio e não fossem
abusadas em seus trabalhos pelos seus chefes ou pelo próprio Leviatã de
Hobbes...; como se o fim do mundo estivesse chegando e suas almas estivessem
sido salvas pelos arcanjos e pelo próprio Deus.
Matheus I. Mazzochi
quarta-feira, novembro 20
A Morte anda nas ruas solitárias e escuras.
A Morte anda nas ruas solitárias e escuras.
É nas noites frias
Que ela bate em minha janela
Ao som das constantes ventanias.
Um balão vermelho rola sozinho na calçada.
Murcho.
Eu sei que Ela está lá na escuridão.
Buscando algum desavisado
Que vaga em solidão.
Na busca por si mesmo fora de si
Mal sabendo que irá encontrar o seu destino.
Ali, ao esmo,
O viajante a vê em um cruzamento.
Sua foice é afiada como a língua
E sua roupa é negra como o Universo antes da Luz.
Seu toque é frio como o coração de algumas mulheres
E seu rosto é invisível por baixo daquele capuz.
E eis que me vejo diante dela em um cruzamento das ruas da
vida.
Perco o ar. Penso na eternidade. Arrependo-me e me orgulho.
Faria tudo de novo? – ela me pergunta em assobio sedutor.
E eu respondo que faria tudo de novo nessa vida ou em outra.
A Morte faz um silêncio mortal e eu fico no suspense do dia
a dia.
Ela some.
De novo, um dia, Ela há de volver.
E eu não sei se estou morto em um sonho de vida
Ou vivo em processo de morrer.
Matheus I. Mazzochi
domingo, novembro 17
Uma lembrança que virou um Tratado.
Eram bons tempos.
Bons tempos são sempre os que nós olhamos para trás e vemos que passaram e que não voltam mais. Aí bate a tal da saudade com algum gosto de arrependimento. Como um tempero. Às vezes, vem mais tempero que comida. Aquela sensação de "porra! Quero de novo.", mas já diziam que não tem como cruzar o mesmo rio duas vezes e que não importa o quão bom, inteligente, talentoso ou rico possas ser, não tem como cruzar o mesmo rio duas vezes... e voltar ao tempo e matar a saudade.
Graças ao Universo que podemos escrever.
Podemos escrever e no processo de escrita lembrar como era. Como era ver aquilo tudo, como era sentir aquilo tudo, como era adiantar a saudade futura ao olhar para trás e esquecer de vivenciar o presente já nostálgico. No processo de escrita criamos, claro... Senão as coisas poderiam ser mais chatas (ou até melhores escritas, em alguns casos), mas isso é muito subjetivo. O ponto que quero chegar é que no processo de escrita lembramos. Aí, sim! Eis o perigo. Lembramos das imagens e dos sentimentos. Eles voltam. Surgem não sei de onde no âmago de nossas entranhas e no opaco de nossas almas e, como abrindo uma persiana, abrem nosso tórax e saem diante de nós. Lembranças e emoções. É uma terapia. Só que de graça e pode ser feita em casa de chinelos de dedo, bermuda e uma boa bebida. Se pra ti uma boa bebida é uma água mineral, então é uma água mineral uma boa bebida. Sem preconceitos ou avaliações. Chega disso.
Pelo menos aqui.
Além de lembrar, tem-se a tal da liberdade. Precisa-se de mais que essa mera postagem para discutir se ela existe hoje ou se precisamos buscá-la. Vou ser breve, pois não estou com muito tempo (a tal da liberdade de novo...), mas a liberdade de escrita, a licença poética em dizer "foda-se" aos dogmas gramaticais, ao congelamento da expressão humana, ao modismo. Não quero ser visto como um anarquista gramatical. Bem, agora soou interessante, melhor deixar quieto e sub entendido. Gosto de sub entendimentos. Se é que me sub entendem...
Bem, sobre a tal liberdade... Ia escrever uma excelente lembrança que me veio de um grande momento que provavelmente voltarei a escrever de uma forma mais narrativa. É que quando comecei o processo de escrever, veio tanta coisa, tantos pensamentos, que não teve como não colocar no papel. E ando cansado de não escrever e de colocar frases ou textos de outros caras, outros autores que sabiam escrever. Pelo menos eu acho. Talvez eles estivessem se enganando, mas quem sou eu para julgar isso? Eram homens que devemos lembrar de igual forma. Pois tentaram. Como diria Ele: e lembremos dos velhos cães que sabiam brigar... Brigavam consigo mesmo.
Afinal, pelo menos, diante de uma folha em branco, eles eram livres para sonhar e criar.
E eu acho que criar pode ser algo muito saudável para o ser humano. Algo transcendental, até fraternal. Pois creio, quando criamos, colocamos um pouco de nós na criação. É a dedicação, o sacrifício e o carinho. Talvez tenha mais alguma coisa que não me vem à mente, mas deve ter. É aquela sensação de imortalidade e de ter espalhado algo. Pode ser algo bom ou ruim, mas foi espalhado. Gerou algo. E esse algo nada mais é que a negação do egoísmo lírico do "isso é meu e não vou dividir com mais ninguém", mas mal sabemos que podemos estar impedindo que alguém leia esse texto, por exemplo, e pense criticamente sobre. Se goste ou repudie. Isso, já seria uma contribuição humana e lírica à existência nossa na Terra.
Devemos tentar abrir mão de algumas coisas, tentar praticar a liberdade. Pois assim, com a liberdade lírica e incondicional, capaz de até nos redescobrirmos e acabarmos nos conhecendo melhor.
Como eu falei, é uma terapia. Uma boa terapia. E o processo de escrever em si só já propicia um momento de reflexão e de lembranças.
Bem, agora, se me derem licença, vou reler tudo e ver como eu cheguei a esse ponto, para me entender, me conhecer e sentir, novamente, aquela sensação extasiante que senti quando o vento fresco da janela bateu no meu rosto e, com os pés descalços ao chão, lembrei de um grande momento que me fez escrever e dividir isso com quem leu esse texto.
Axé.
Matheus I. Mazzochi
Bons tempos são sempre os que nós olhamos para trás e vemos que passaram e que não voltam mais. Aí bate a tal da saudade com algum gosto de arrependimento. Como um tempero. Às vezes, vem mais tempero que comida. Aquela sensação de "porra! Quero de novo.", mas já diziam que não tem como cruzar o mesmo rio duas vezes e que não importa o quão bom, inteligente, talentoso ou rico possas ser, não tem como cruzar o mesmo rio duas vezes... e voltar ao tempo e matar a saudade.
Graças ao Universo que podemos escrever.
Podemos escrever e no processo de escrita lembrar como era. Como era ver aquilo tudo, como era sentir aquilo tudo, como era adiantar a saudade futura ao olhar para trás e esquecer de vivenciar o presente já nostálgico. No processo de escrita criamos, claro... Senão as coisas poderiam ser mais chatas (ou até melhores escritas, em alguns casos), mas isso é muito subjetivo. O ponto que quero chegar é que no processo de escrita lembramos. Aí, sim! Eis o perigo. Lembramos das imagens e dos sentimentos. Eles voltam. Surgem não sei de onde no âmago de nossas entranhas e no opaco de nossas almas e, como abrindo uma persiana, abrem nosso tórax e saem diante de nós. Lembranças e emoções. É uma terapia. Só que de graça e pode ser feita em casa de chinelos de dedo, bermuda e uma boa bebida. Se pra ti uma boa bebida é uma água mineral, então é uma água mineral uma boa bebida. Sem preconceitos ou avaliações. Chega disso.
Pelo menos aqui.
Além de lembrar, tem-se a tal da liberdade. Precisa-se de mais que essa mera postagem para discutir se ela existe hoje ou se precisamos buscá-la. Vou ser breve, pois não estou com muito tempo (a tal da liberdade de novo...), mas a liberdade de escrita, a licença poética em dizer "foda-se" aos dogmas gramaticais, ao congelamento da expressão humana, ao modismo. Não quero ser visto como um anarquista gramatical. Bem, agora soou interessante, melhor deixar quieto e sub entendido. Gosto de sub entendimentos. Se é que me sub entendem...
Bem, sobre a tal liberdade... Ia escrever uma excelente lembrança que me veio de um grande momento que provavelmente voltarei a escrever de uma forma mais narrativa. É que quando comecei o processo de escrever, veio tanta coisa, tantos pensamentos, que não teve como não colocar no papel. E ando cansado de não escrever e de colocar frases ou textos de outros caras, outros autores que sabiam escrever. Pelo menos eu acho. Talvez eles estivessem se enganando, mas quem sou eu para julgar isso? Eram homens que devemos lembrar de igual forma. Pois tentaram. Como diria Ele: e lembremos dos velhos cães que sabiam brigar... Brigavam consigo mesmo.
Afinal, pelo menos, diante de uma folha em branco, eles eram livres para sonhar e criar.
E eu acho que criar pode ser algo muito saudável para o ser humano. Algo transcendental, até fraternal. Pois creio, quando criamos, colocamos um pouco de nós na criação. É a dedicação, o sacrifício e o carinho. Talvez tenha mais alguma coisa que não me vem à mente, mas deve ter. É aquela sensação de imortalidade e de ter espalhado algo. Pode ser algo bom ou ruim, mas foi espalhado. Gerou algo. E esse algo nada mais é que a negação do egoísmo lírico do "isso é meu e não vou dividir com mais ninguém", mas mal sabemos que podemos estar impedindo que alguém leia esse texto, por exemplo, e pense criticamente sobre. Se goste ou repudie. Isso, já seria uma contribuição humana e lírica à existência nossa na Terra.
Devemos tentar abrir mão de algumas coisas, tentar praticar a liberdade. Pois assim, com a liberdade lírica e incondicional, capaz de até nos redescobrirmos e acabarmos nos conhecendo melhor.
Como eu falei, é uma terapia. Uma boa terapia. E o processo de escrever em si só já propicia um momento de reflexão e de lembranças.
Bem, agora, se me derem licença, vou reler tudo e ver como eu cheguei a esse ponto, para me entender, me conhecer e sentir, novamente, aquela sensação extasiante que senti quando o vento fresco da janela bateu no meu rosto e, com os pés descalços ao chão, lembrei de um grande momento que me fez escrever e dividir isso com quem leu esse texto.
Axé.
Matheus I. Mazzochi
sábado, novembro 16
Rainer Maria Rilke e a resposta para tudo.
Paris,
17 de fevereiro de 1903
Prezado Senhor,
Sua carta só me alcançou há poucos dias. Quero lhe agradecer por sua grande e amável confiança. Mas é só isso que posso fazer. Não posso entrar em considerações sobre a forma dos teus versos; pois me afasto de qualquer intenção crítica. Não há nada que toque menos uma obra de arte do que palavras de crítica: elas não passam de mal-entendidos mais ou menos afortunados. As coisas em geral não são fáceis de aprender e dizer como normalmente nos querem levar a acreditar; a maioria dos acontecimentos é indizível, realiza-se em um espaço que nunca uma palavra penetrou, e mais indizíveis do que todos os acontecimentos são as obras de arte, existências misteriosas, cuja vida perdura ao lado da nossa, que passa.
Feita essa observação prévia, posso lhe dizer ainda que seus versos não possuem forma própria, mas apenas indicações silenciosas e veladas de personalidade. Sinto esse tipo de indicação de modo mais claro no último poema, "Minha alma". Ali, algo de próprio quer ganhar expressão. E no belo poema "A Leopardi" talvez se desenvolva uma espécie de afinidade com aquele grande solitário. Apesar disso, os poemas ainda não são independentes, não têm autonomia, mesmo o último e o dedicado a Leopardi. Sua carta amável que os acompanha não deixou de me esclarecer alguma insuficiência que senti ao ler seus versos, sem no entanto ser capaz de designá-la pelo nome.
O senhor me pergunta se os seus versos são bons. Pergunta isso a mim. Já perguntou a mesma coisa a outras pessoas antes. Envia os seus versos para revistas. Faz comparações entre eles e outros poemas e se inquieta quando um ou outros redator recusa suas tentativas de publicação. Agora (como me deu licença de aconselhá-lo) lhe peço para desistir de tudo isso. O senhor olha para fora, e é isso sobretudo que não devia fazer agora. Ninguém pode aconselhá-lo e ajudá-lo, ninguém. Há apenas um meio. Volte-se para si mesmo. Investigue o motivo que o impele a escrever; comprove se ele estende as raízes até o ponto mais profundo do seu coração, confesse a si mesmo se o senhor morreria caso fosse proibido de escrever. Sobre tudo isto: pergunte a si mesmo na hora mais silenciosa de sua madrugada: preciso escrever? Desenterre de si mesmo uma resposta profunda. E, se ela for afirmativa, se o senhor for capaz de enfrentar essa pergunta grave com um forte e simples "Preciso", então construa sua vida de acordo com tal necessidade; sua vida tem de se tornar, até na hora mais indiferente e irrelevante, um sinal e um testemunho desse impulso. Então se aproxime da natureza. Procure, como o primeiro homem, dizer o que vê e vivencia e ama e perde. Não escreva poemas de amor; evite a princípio aquelas formas que são muito usuais e muito comuns: são elas as mais difíceis, pois é necessária uma força grande e amadurecida para manifestar algo de próprio onde há uma profusão de tradições boas, algumas brilhantes. Por isso, resguarde-se dos temas gerais para acolher aqueles que seu próprio cotidiano lhe oferece; descreva suas tristezas e desejos, os pensamentos passageiros e a crença em alguma beleza - descreva tudo isso com sinceridade íntima, serena, paciente, e utilize, para se expressar, as coisas de seu ambiente, as imagens de seus sonhos e os objetos de sua lembrança. Caso o seu cotidiano lhe pareça pobre, não reclame dele, reclame de si mesmo, diga para si mesmo que não é poeta o bastante para evocar suas riquezas; pois para o criador não há nenhuma pobreza e nenhum ambiente pobre, insignificante. Mesmo que estivesse em uma prisão, cujos muros não permitissem que nenhum dos ruídos do mundo chegasse a seus ouvidos, o senhor não teria sempre a sua infância, essa riqueza preciosa, régia, esse tesouro das recordações? Volte para ela a atenção. Procure trazer à tona as sensações submersas desse passado tão vasto; sua personalidade ganhará firmeza, sua solidão se ampliará e se tornará uma habitação a meia-luz, da qual passa longe o burburinho dos outros.
E se, desse ato de se voltar para dentro de si, desse aprofundamento em seu próprio mundo, resultarem versos, o senhor não pensará em perguntar a alguém se são bons versos. Também não tentará despertar o interesse de revistas por tais trabalhos, pois verá neles seu querido patrimônio natural, um pedaço e uma voz de sua vida. Uma obra de arte é boa quando surge de uma necessidade. É no modo como ela se origina que se encontra seu valor, não há nenhum outro critério. Por isso, prezado senhor, eu não saberia dar nenhum conselho senão este: voltar-se para si mesmo e sondar as profundezas de onde vem a sua vida; nessa fonte o senhor encontrará a resposta para a questão de saber se precisa criar. Aceite-a como ela for, sem interpretá-la. Talvez ela revele que o senhor é chamado a ser um artista. Nesse caso, aceite sua sorte e a suporte, com seu peso e sua grandeza, sem perguntar nunca pela recompensa que poderia vir de fora. Pois o criador tem de ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em si mesmo e na natureza, da qual se aproximou.
Mas talvez, depois desse mergulho em si mesmo e em sua solidão, o senhor tenha de renunciar a ser um poeta (basta, como foi dito, sentir que seria possível viver sem escrever para não ter mais o direito de fazê-lo). Mesmo assim não terá sido em vão o exame de consciência que lhe peço. Seja como for, sua vida encontrará a partir dele caminhos próprios, e que eles sejam bons, ricos e vastos é o que lhe desejo mais do que posso manifestar.
O que ainda devo dizer ao senhor? Parece-me que tudo foi enfatizado da maneira apropriada; por fim, gostaria apenas de aconselhá-lo a passar com serenidade e seriedade pelo período de seu desenvolvimento. Não há meio pior que atrapalhar esse desenvolvimento do que olhar para fora e esperar que venha de fora uma resposta para questões que apenas seu sentimento íntimo talvez possa responder, na hora mais tranquila.
Foi para mim uma alegria encontrar em sua carta o nome do professor Horacek; guardo uma grande estima por esse amável sábio, e uma gratidão que se mantém através dos anos. Por favor, mencione a ele o que sinto; é muita bondade que ainda se recorde de mim, e sei apreciá-la.
Devolvo também os versos que o senhor me confiou amigavelmente. E lhe agradeço mais uma vez pela grandeza e pela cordialidade de sua confiança, de que procurei me tornar um pouco mais digno do que realmente sou, como um estranho, por meio desta resposta sincera, feita da melhor maneira que pude.
Com toda devoção e toda simpatia,
Rainer Maria Rilke
Cartas a um jovem poeta, Rainer Maria Rilke.
Ed.: L&PM POCKET
terça-feira, outubro 29
Indo à Curitiba
Tava na hora.
O despertador me
acordou e eu dei um soco nele. Sou da cidade, neném. Onde a vida não é fácil.
Um cara ganhou na Mega Sena. A emoção foi tão grande ao saber que sairia da
pobreza e de sua miserável vida que teve um ataque cardíaco. Deus joga de uma
forma misteriosa. Peguei minhas coisas e chamei um táxi. Cinco da matina. Tão
cedo que nem marginal tava acordado pra roubar. E olha que bandido não dorme.
O taxista chegou mais rápido que
notícia ruim. Entrei no táxi e disse para irmos ao Aeroporto. “Nós vamos voar?”,
ele me olha. “Nós não, grandão”, pensei em responder. Ele precisava de duas
cadeiras de motorista. Rapidamente me perguntei como ele sairia do carro.
Respondi que sim e ele me perguntou se iria ser com ou sem a torcida do
Corinthians. Achei o cara bem humorado e começamos a conversar. Contou de sua
vida difícil de taxista. De corridas envolvendo facas, putas, cocaína e essas
merdas. Eu o entendia. Tenho que entender, não por ser estudante de Psicologia,
mas por ser humano e existir que nem ele nessa vida.
Chegamos e ele me deu um
desconto. Dez centavos. “Vinte pila porque tu não reclamou”. Sabia barganhar.
Parecia um sapo quando sorria. Quando não sorria, também. Coitado, acho que era
um sapo mesmo. Porto Alegre às cinco horas da madrugada é uma loucura. Outra
cidade, dizem. Dizem...
Esperei o avião pousar depois dos
40 minutos de atraso. Não era Gol, era Gol contra. Estava eu e minha pedra sisifoniana.
Passei pelos detectores de metais e pela funcionária sorridente que trabalha para sustentar os três filhos. Procurei minha
cadeira e sentei. Não acreditava que tinha conseguido entrar com aquele gigante
pôster embrulhado. Fiquei na janela. Gosto de adrenalina. Voar e ficar na
janela, ao lado da asa esquerda é muita emoção. Ver como ela funciona e como
balança com uma turbulência. Freud chamaria isso de Pulsão de Morte. Chamaria...
Está morto. Eutanásia e tal.
O piloto disse que iríamos esperar
um pouco, pois a Infraero estava fiscalizando a pista. Desculpa esfarrapada. Vi
dois aviões saírem no horário que deveríamos ter saído. Ficamos mais 30 minutos
esperando. Encabulado, ele começou a agradecer pela preferência e teve a
brilhante ideia de se desculpar pelo atraso. Pelo menos foi isso que eu entendi. Pilotos de avião parecem ter alguma doença neurológica. Não sabem falar. Parecem engolir o microfone. "Good Morning ladies and gentleman, the temperatura is 20 degrees and the time of pfiifififioef is pfmfmaoismimdsalsids, our aeromoças irão help you to makjekjekjejkekaghppmgpm and pfpfpfpfpfppfepfpfpfpf. Nice trip." É, é,é,é! Tô sabendo teu inglês! Disse que o avião saiu de
Florianópolis e teve que fazer um pouso breve, pois apresentava problemas
técnicos durante a vinda. Quando a tripulação deu por conta do que ele havia
falado, ele desejou bom voo e agradeceu pela preferência, novamente. Bom humor, pelos
menos tinha.
O avião começou a taxiar e vi que
os cabos das lâmpadas de sinalização estavam aparecendo enrolados na pista.
Jeito triste de morrer. Avião levanta voo, fios enrolam-se nas rodas e como uma
árvore de natal incandescente todos nós iríamos morrer. A tal da Pulsão de
Morte. Ele acelera. Apertam-se os cintos. Sussurros de reza e algumas técnicas
de respiração. Metade do avião fazia Terapia Cognitivo-Comportamental por fobia
específica. Cheiro de peido e afins. E eu carregando a pedra de Sísifo. Lembrei
do taxista e de suas histórias estranhas.
No final, não éramos assim tão
diferente.
Matheus I. Mazzochi
sábado, setembro 21
O que Engrandece a Ação.
Elsinor. Sala no castelo (Entram Hamlet e dois ou três Atores.)
Hamlet: Peço uma coisa, falem essas falas como eu as pronunciei, língua ágil, bem claro; se é para berras as palavras, como fazem tantos de nossos atores, eu chamo o pregoeiro público para dizer minhas frases. E nem serrem o ar com a mão, o tempo todo (Faz gestos no ar com as mãos.);moderação em tudo; pois mesmo na torrente, tempestade, eu diria até no torvelinho da paixão, é preciso conceber e exprimir sobriedade - o que engrandece a ação. Ah, me dói na alma ouvir um desses latagões robustos, de peruca enorme, estraçalhando uma paixão até fazê-la em trapos, arrebatando os tímpanos dos basbaques que, de modo geral, só apreciam berros e pantomimas sem qualquer sentido. A vontade é mandar açoitar esse indivíduo, mais tirânico que Termagante, mais heroico do que Herodes. Evitem isso, por favor.
Primeiro Ator: Prometo a Vossa Honra.
Hamlet: Mas também nada de contenção exagerada; teu discernimento deve te orientar. Ajusta o gesto à palavra, a palavra ao gesto, com o cuidado de não perder a simplicidade natural. Pois tudo que é forçado deturpa o intuito da representação, cuja finalidade, em sua origem e agora, era, e é, exibir um espelho à natureza; mostrar à virtude sua própria expressão; ao ridículo a sua própria imagem e a cada época e geração sua forma e efígie.
W. Shakespeare, Hamlet -Ato III, Cena II
domingo, setembro 1
Aristóteles
Há momentos em que nos isolamos do mundo moderno e da rotina para submergirmos em nossa mente na busca da profunda meditação. Em momentos como esse, veio Aristóteles para inspirar a todos nós. Aristóteles foi um filósofo grego conhecido por muitos por ter fundado o Liceu, por ter dito que a Terra possuía os 4 elementos: Terra, Água, Ar e Fogo, por ter sido aluno de Platão e "teacher" de Alexandre, o Grande e por ter feito muita coisa que o fez ser foda ao longo da história da humanidade. Porém, dentre tudo isso, o seu pensamento lógico e sua existência como ser humano em nossa história faz com que possamos acreditar que os deuses andaram entre nós por volta de 384 e 322 antes de Cristo.
Em um determinado dia, Aristóteles começou a pensar sobre o Universo e observou os seguintes fatos:
1º O Sol e a Lua eram corpos celestes que tinham o formato esférico no céu, tanto de dia, quanto de noite.
2º No horizonte, os navios desapareciam lentamente, como se estivessem descendo.
3º Durante os eclipses Lunares, a sombra projetada da Terra na Lua parecia ser circular.
4º Conversando com os bravos e corajosos navegadores, Aristóteles aprendeu que nos mares mais ao Norte, estrelas diferentes eram vistas do que as dos mares mais ao Sul. À medida que uma pessoa viaja mais ao Norte, estrelas polares ficavam mais ao centro do céu e novas estrelas poderiam ser vistas. O inverso acontecia, se fossem navegar em mares ao Sul.
5º Relato de criaturas nomeadas como Elefantes eram comuns em regiões próximas à Índia e ao Marrocos. A Índia ficava mais o Leste e o Marrocos mais ao Oeste, sendo, portanto, uma distância razoável e oposta, a qual geraria um clima propício para tal animal existir, gerando uma simetria geométrica.
Aristóteles, em um sublime momento cósmico de sensibilidade de si e do mundo ao seu redor, juntou essas observações e, concordando com Ptolomeu e sem utilizar o Google, deduziu, simplesmente, que o planeta Terra não poderia ser plano. A Terra era uma esfera.
Isso por volta de 384 e 322 antes de Cristo.
Fonte: http://www.on.br/ead_2013/
Matheus I. Mazzochi
Em um determinado dia, Aristóteles começou a pensar sobre o Universo e observou os seguintes fatos:
1º O Sol e a Lua eram corpos celestes que tinham o formato esférico no céu, tanto de dia, quanto de noite.
2º No horizonte, os navios desapareciam lentamente, como se estivessem descendo.
3º Durante os eclipses Lunares, a sombra projetada da Terra na Lua parecia ser circular.
4º Conversando com os bravos e corajosos navegadores, Aristóteles aprendeu que nos mares mais ao Norte, estrelas diferentes eram vistas do que as dos mares mais ao Sul. À medida que uma pessoa viaja mais ao Norte, estrelas polares ficavam mais ao centro do céu e novas estrelas poderiam ser vistas. O inverso acontecia, se fossem navegar em mares ao Sul.
5º Relato de criaturas nomeadas como Elefantes eram comuns em regiões próximas à Índia e ao Marrocos. A Índia ficava mais o Leste e o Marrocos mais ao Oeste, sendo, portanto, uma distância razoável e oposta, a qual geraria um clima propício para tal animal existir, gerando uma simetria geométrica.
Aristóteles, em um sublime momento cósmico de sensibilidade de si e do mundo ao seu redor, juntou essas observações e, concordando com Ptolomeu e sem utilizar o Google, deduziu, simplesmente, que o planeta Terra não poderia ser plano. A Terra era uma esfera.
Isso por volta de 384 e 322 antes de Cristo.
Fonte: http://www.on.br/ead_2013/
Matheus I. Mazzochi
segunda-feira, agosto 26
[Entrei no trem rumo à cidade de Canoas]
- Teve uma vez em que eu tava aqui e
entrou um grupo de homens mal encarados. Se estranharam e começaram a discutir.
-
Capaz. – disse o outro, enquanto se balançava nos ferrolhos pelo movimento do
vagão.
- Um
dos caras puxou um negócio desse tamanho – afastou as mãos mais ou menos uns
30cm.
- Bah.
Sério?
-
A-ham.
- Deram
no homem?
- Mas!
– disse num suspiro. Com a mesma monotonia que o vagão se locomovia, o homem
olhou para o lado e voltou ao amigo. – Surraram o homem.
- E
ninguém fez nada né?
- Só
olhando e gritando “para! Vai matar o vivente”. Mulheres e crianças, tudo. Os
homens ficavam quietos, não querendo se meter.
- E não
tinha segurança?
Fez que
não com a cabeça e disse:
-
Naquela época não tinha. O homem apanhou da estação Farrapos até o Aeroporto.
O
companheiro dele fez uma careta e continuou em silêncio. Não era um silêncio
meditativo, era aquele silêncio em que não há pressa, não há assunto, não há
razão de falar algo. O típico silêncio vazio. Nós três ficamos de pé se
embalando pelo vai e vem do vagão. Aquele vai e vem chato, monótono de final de
dia cheio.
- Viu o
que aconteceu na Espanha?
O outro
gemeu.
- Coisa
de louco.
- O
maquinista gravava as velocidades, sabia?
-
Sério? – riu.
-
A-ham. Pegaram ele gravando. Tava quase por uns 200 quilômetros. Ele fazia
isso.
Longa
pausa entre os dois.
- Como
é que aceitam um cara desses pra trabalhar?
- É né?
Não tem Psicólogo para avaliar essas pessoas? Olha quantas ele matou! Se
tivessem feito uma entrevista, ia tudo estar vivo agora.
E como
se eu estivesse nascendo de novo, a vida voltou a ter cores. O trem parou com pessoas felizes cantando e dançando e alguém comprava uma boa bebida em promoção no supermercado com atendentes felizes e bem remunerados e tinham seguro de vida e a passagem baixou e a paz surgiu e a Humanidade uniu as religiões e começaram a se comunicar pela música e algum gringo descobriu algo que fosse relevante para o mundo e todos concordaram com ele e acabou a poluição e a pobreza se extinguiu e todos foram para as ruas desligar suas luzes e seus celulares para verem, no escuro, a beleza de um céu estrelado numa noite de Lua cheia.
Matheus I. Mazzochi
sexta-feira, agosto 16
Cerveja
Não sei quantas garrafas de cerveja
Consumi esperando que as coisas
Melhorassem.
Não sei quanto vinho e uísque
E cerveja
Principalmente cerveja
Consumi depois
De rompimentos com mulheres-
Esperando o telefone tocar
Esperando o som dos passos,
E o telefone nunca toca
Antes que seja tarde demais.
Quando meu estômago já está saindo
Pela boca
Elas chegam frescas como flores de primavera:
“mas que diabos vocês está fazendo?
Vai levar três dias antes que você possa me comer!”
A mulher é durável
Vive sete anos e meio a mais
Que o homem, bebe muito pouca cerveja
Porque sabe como ela é ruim para a
Aparência.
Enquanto enlouquecemos
Elas saem
Dançam e riem
Com caubóis cheios de tesão.
Bem, há a cerveja
Sacos e mais sacos de garrafas vazias de cerveja
E quando você pega uma
As garrafas caem através do fundo úmido
Do saco de papel
Rolando
Tilintando
Cuspindo cinza molhada
E cerveja choca,
Ou então os sacos caem às 4 horas
Da manhã
Produzindo o único som em sua vida.
Cerveja
Rios e mares de cerveja
Cerveja cerveja cerveja
O rádio toca canções de amor
Enquanto o telefone permanece mudo
E as paredes seguem
Paradas e estáticas
E a cerveja é tudo o que há.
Charles
Bukowski, O amor é um cão dos diabos, L&PM pocket, 2012
segunda-feira, julho 15
Estar de Férias
É ter tempo para procurar os pássaros invisíveis que cantam
nas árvores;
É buscar um ritmo inventado no cair das gotas de chuva;
É ter tempo para escutar as histórias da família pela boca
da vovó, enquanto tomam chimarrão;
É tomar chimarrão sem presa, sentindo a água entrar e
purificar o corpo, como em plena meditação.
É andar de roupão como se fosse um imperador romano;
É trocar o sapato pela pantufa e pela alpargata de pano.
É não encostar ao chão ao caminhar;
É sorrir sem motivo e não justificar.
É desligar-se de si e do
mundo.
É não ler jornal, não ver televisão, não pensar, não opinar,
É um não manter, não cumprir e não aparentar;
É parar.
É notar o mau humor de algumas atendentes no supermercado;
E também a alegria do vizinho ao lado.
É dormir sem hora e acordar sem despertador;
É voltar a crer no Valhala e desejar chegar ao Nirvana;
É sentir a energia que emana.
É embriagar-se de néctar e se sentir um deus do Olimpo;
É tomar banho e sentir-se limpo.
É pagar na hora a conta do Bar
E não ter hora para sair;
Só para voltar.
É prestar atenção no tempo e perceber o instante;
É encontrar Atlas e dizer: tome, já segurei o bastante.
É não ter vontade de terminar e de continuar
E mesmo assim
Publicar.
Matheus I. Mazzochi
segunda-feira, junho 3
Krishna Hare
Essa é a história do outro cara. O que veio para mim com a palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta. O primeiro. O inesquecível. O japonezinho.
Foi há uns anos.
Eu estava numa fase difícil. Passando por cada uma. Via cada coisa. Eu pensava demais na vida e em suas imperfeições. Olhava para os lados e só conseguia ver pessoas gordas com charutos. Eram tão gordas que, quando com o charuto na boca, pareciam estar assoprando ele não o tragando. Eram ricas e diziam que estava tudo bem. Só que não estava tudo bem. Enganavam a si mesmas e a outras pessoas. Eu achava que estava enlouquecendo. Achava que não ia aguentar mais. Sabe aquele momento em que tu acha que tá enlouquecendo? Tu vê coisas, ou melhor, tu diz ver coisas que não existem. Sim! Juro que eu conseguia ver. E eu sei que as pessoas não viam o que eu via. Que eu estava delirando, pois, quando eu via, ninguém dizia ver. As pessoas viravam o rosto para as imperfeições do nosso dia-a-dia, não reclamavam de nada. Não tinham do que reclamar. Não tinham fome, não sentiam frio, não sofriam preconceitos, não mentiam. Estava tudo bem. Por isso eu pensava que estava enlouquecendo: eu parecia ver coisas que as outras pessoas não viam. Como é fácil enlouquecer hoje em dia, não é? "Não sei,cara, tu tá delirando" ou "Acho que tu está aumentando a proporção das coisas". Pessoas como nós morrendo de fome na rua, enquanto eu jogo o resto do almoço no lixo é aumentar as proporções das coisas. Uma mãe mendigando para conseguir um panetone em frente ao supermercado para dar ao seu filho em pleno Natal e todos sorrindo achando que estamos no "Natal Zaffari e Bourbon" é puro delírio. Crianças em hospitais com câncer e tu ali, pensando, "ah, vai dar tudo bem" enquanto os médicos dizem que não. "Oi! Quer escutar uma história? Mas tem que prestar atenção, ok? Não vale morrer antes deu terminar de te contar, combinado?" É, bem assim. E tava tudo bem...O louco era eu....
Nesse nível que eu andava pelo Brique aos domingos ensolarados para ver os meninos indígenas cantar contra a sua vontade para conseguir moedas para dar ao papai para comprar a sua cachaça. E as pessoas felizes ao redor olhando para elas e dando palmas. Elas não querem palmas, elas querem ajuda. "Roubei tua terra e agora tu canta para mim no Brique. Merece minhas palmas. Legal mesmo!" E era tudo delírio meu...
Aí veio o japinha. Com aquela roupa de imperador romano varrendo toda a calçada. Olhei para ele de longe. As pessoas nem olhavam para a cara dele. Passavam. Em meio àquele corredor de pessoas, ele estava buscando algo, tentando passar algo. Olhei para ele e ele olhou para mim. Olhei para os lados e vi que não tinha saída: ele ia vir para falar comigo.
- Hare Krishna.
- E aí! Hare Krishna.
Inclinamos nossas cabeças.
- Posso tomar um pouco do seu tempo? Vim aqui lhe oferecer a palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta. Com uma pequena doação, poderás desfrutar de um boa e agradável leitura.
- Quanto é? - perguntei ao olhar aquela variedade de livros.
- A doação fica a seu critério, meu senhor, Sua Divina Graça Bhaktivedanta nos ensina a sermos coerentes com nós mesmos e com os outros. Somos todos um só.
- Hm. Mesmo? - não acreditei no que ele me falou, mas o seu tom era de verdade e de crença no que acabara de falar.
- Qual o senhor gostaria de escolher? - e me estendeu três livros: um era sobre a arte da alimentação saudável, outro era sobre o Karma e outro era sobre o caminho da perfeição.
- Gostei desse. - levantei o caminho da perfeição.
- Ah. É uma boa leitura, mas não é fácil. - respondeu-me ele. Deixei de olhar para o livro e olhei para ele. - Nós cremos que as respostas estão perto de nós, prontas, só pegar. Na verdade, nós somos as respostas de nossos sofrimentos, pois nós os criamos. Para isso, nós temos que construir nossa resposta. Cada um de nós. E isso é difícil.
- Mas nós não somos todos um só? - perguntei.
Ele me olhou em espanto.
- Boa pergunta. Nós somos todos um só em espírito universal, porém, encarnados nesse plano, temos que buscar nossas próprias vitórias. Com o crescimento pessoal de cada um, o Universo cresce em plano macroscópico. Acho que o senhor gostaria de ler esse aqui para pensar sobre. - ele me estendeu o livro sobre o Karma. Olhei em silêncio para o livro.
- O Karma é sobre nossos sofrimentos nesse plano e nessa vida. Tem um por quê de sofrermos e, consequentemente, um por quê de buscarmos a sua compreensão. Infelizmente, hoje em dia buscamos fora de nós. E isso só acaba por nos afastar de nossa essência existencial. A busca do conhecimento irá nos ajudar. Se gostou, pode levar esse também.
Fiquei em choque. Olhei para ele e disse essas sinceras palavras:
- Cara, eu não tenho nada para te dar. Gastei nesses ramos de salsa. - mostrei para ele.
- Podes ficar. - respondeu sorrindo.
- Não. Eu não tenho nada.
Ele me olhou em surpresa. Acho que tinha ofendido ele, então tentei reparar.
- Caso tu encontres outra pessoa que tenha dinheiro para dar a vocês, terás mais livros para distribuir. Eu, infelizmente, não tenho.
- Não há problema, senhor, é para se passar a palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta, não para ganharmos dinheiro - e sorriu.
- Mas eu não tenho nada.
- Fique com os dois. Um presente meu, então.
Fiquei quieto.
Ele sorriu para mim e disse Hare Krishna. Respondi com o gesto e ele foi embora. Fiquei ali mudo. Ele não foi insistente, ele foi incrível. Pensar que naquele momento em que tudo parecia loucura, surge outro louco (que ninguém viu!) com essa conversa renascentista e iluminista em pleno século XXI. Os índios continuaram cantando e as pessoas a bater palmas para eles, só que eu não mais ligava para isso, tampouco ouvia. Senti-me mal em não ter nada para doar, porém, mal sabia eu que em outro momento o Karma voltaria e tudo teria outro desfecho...
Meses depois encontrei o mesmo japinha perambulando pelas bandas do Iguatemi. Atravessei a rua e vi ele do outro lado, de novo, tentando falar com as pessoas que fingiam não o ver. Eu já estava acostumado com isso e com o fato de eu ser o esquizofrênico que consegue ver essas coisas... Também, já tinha lido parte do livro do Karma. Ele atravessou a rua e nos encontramos.
- Boa tarde, senhor - sempre sorrindo, como da última vez- Posso tomar um pouco do seu precioso tempo?
- Oi! Sim,sim! Tu já me deu esses livros: o do Karma e o da busca da perfeição, lembra?
Ele ficou me olhando e, magicamente, me disse:
- O moço dos ramos de salsa?
Sorrimos juntos.
- Agora que nos encontramos depois de tanto tempo, acho que tem um propósito. - disse para ele. O japinha continuava a me olhar animado- tome aqui. Estou em dívida contigo e acho que agora posso pagar.
Entreguei uma nota de cinco reais e outra de dois. Era tudo o que eu tinha. Ele olhou e perguntou o motivo.
- É minha doação. Daqueles livros que tu me deu.
Ele sorriu e me retribuiu essas palavras:
- Aqueles livros eram um presente meu para ti. Posso aceitar esse valor como um presente a nós, não como pagamento. Agradeço muito. - ele guardou e me passou um encarte do local onde se reúnem. R. Álvaro Chaves, 653, Floresta. - Aqui, para o senhor saber mais sobre nós. Fique a vontade em nos visitar! Será muito bem vindo! - disse.- E tome esse livro.
- Eu já tenho esse, obrigado.
- E esse? - mostrou-me outro.
- Esse também. Peguei esses dois contigo.
Ele olhou para a sua coleção em busca de algo novo.
- Esse o senhor tem? - era sobre perguntar. "Perguntas Perfeitas, Respostas Perfeitas". Livro filosófico sobre a arte de fazer perguntas, afinal, somos seres racionais para isso.
- Esse eu não tenho.
- Tome! - disse-me rindo. - Outro presente.
Sorri para ele e me inclinei.
- Hare Krishna! - falamos
Foi diferente. Pensar que ainda se pode ter esses momentos existenciais e que existem pessoas para se conversar sobre isso. Agradeci a mais outro presente dele, o qual, junto com os outros, guardo com carinho e mistério. Não só pelo conteúdo dos livros, mas pelo o que falam e pela forma como chegaram a mim.
Depois daquele momento, fiquei pensando em tudo e em mais um pouco.
Ainda mais em como eu ia voltar para casa, pois tinha dado para ele tudo o que eu tinha, incluindo a passagem do ônibus.
Matheus I. Mazzochi
Foi há uns anos.
Eu estava numa fase difícil. Passando por cada uma. Via cada coisa. Eu pensava demais na vida e em suas imperfeições. Olhava para os lados e só conseguia ver pessoas gordas com charutos. Eram tão gordas que, quando com o charuto na boca, pareciam estar assoprando ele não o tragando. Eram ricas e diziam que estava tudo bem. Só que não estava tudo bem. Enganavam a si mesmas e a outras pessoas. Eu achava que estava enlouquecendo. Achava que não ia aguentar mais. Sabe aquele momento em que tu acha que tá enlouquecendo? Tu vê coisas, ou melhor, tu diz ver coisas que não existem. Sim! Juro que eu conseguia ver. E eu sei que as pessoas não viam o que eu via. Que eu estava delirando, pois, quando eu via, ninguém dizia ver. As pessoas viravam o rosto para as imperfeições do nosso dia-a-dia, não reclamavam de nada. Não tinham do que reclamar. Não tinham fome, não sentiam frio, não sofriam preconceitos, não mentiam. Estava tudo bem. Por isso eu pensava que estava enlouquecendo: eu parecia ver coisas que as outras pessoas não viam. Como é fácil enlouquecer hoje em dia, não é? "Não sei,cara, tu tá delirando" ou "Acho que tu está aumentando a proporção das coisas". Pessoas como nós morrendo de fome na rua, enquanto eu jogo o resto do almoço no lixo é aumentar as proporções das coisas. Uma mãe mendigando para conseguir um panetone em frente ao supermercado para dar ao seu filho em pleno Natal e todos sorrindo achando que estamos no "Natal Zaffari e Bourbon" é puro delírio. Crianças em hospitais com câncer e tu ali, pensando, "ah, vai dar tudo bem" enquanto os médicos dizem que não. "Oi! Quer escutar uma história? Mas tem que prestar atenção, ok? Não vale morrer antes deu terminar de te contar, combinado?" É, bem assim. E tava tudo bem...O louco era eu....
Nesse nível que eu andava pelo Brique aos domingos ensolarados para ver os meninos indígenas cantar contra a sua vontade para conseguir moedas para dar ao papai para comprar a sua cachaça. E as pessoas felizes ao redor olhando para elas e dando palmas. Elas não querem palmas, elas querem ajuda. "Roubei tua terra e agora tu canta para mim no Brique. Merece minhas palmas. Legal mesmo!" E era tudo delírio meu...
Aí veio o japinha. Com aquela roupa de imperador romano varrendo toda a calçada. Olhei para ele de longe. As pessoas nem olhavam para a cara dele. Passavam. Em meio àquele corredor de pessoas, ele estava buscando algo, tentando passar algo. Olhei para ele e ele olhou para mim. Olhei para os lados e vi que não tinha saída: ele ia vir para falar comigo.
- Hare Krishna.
- E aí! Hare Krishna.
Inclinamos nossas cabeças.
- Posso tomar um pouco do seu tempo? Vim aqui lhe oferecer a palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta. Com uma pequena doação, poderás desfrutar de um boa e agradável leitura.
- Quanto é? - perguntei ao olhar aquela variedade de livros.
- A doação fica a seu critério, meu senhor, Sua Divina Graça Bhaktivedanta nos ensina a sermos coerentes com nós mesmos e com os outros. Somos todos um só.
- Hm. Mesmo? - não acreditei no que ele me falou, mas o seu tom era de verdade e de crença no que acabara de falar.
- Qual o senhor gostaria de escolher? - e me estendeu três livros: um era sobre a arte da alimentação saudável, outro era sobre o Karma e outro era sobre o caminho da perfeição.
- Gostei desse. - levantei o caminho da perfeição.
- Ah. É uma boa leitura, mas não é fácil. - respondeu-me ele. Deixei de olhar para o livro e olhei para ele. - Nós cremos que as respostas estão perto de nós, prontas, só pegar. Na verdade, nós somos as respostas de nossos sofrimentos, pois nós os criamos. Para isso, nós temos que construir nossa resposta. Cada um de nós. E isso é difícil.
- Mas nós não somos todos um só? - perguntei.
Ele me olhou em espanto.
- Boa pergunta. Nós somos todos um só em espírito universal, porém, encarnados nesse plano, temos que buscar nossas próprias vitórias. Com o crescimento pessoal de cada um, o Universo cresce em plano macroscópico. Acho que o senhor gostaria de ler esse aqui para pensar sobre. - ele me estendeu o livro sobre o Karma. Olhei em silêncio para o livro.
- O Karma é sobre nossos sofrimentos nesse plano e nessa vida. Tem um por quê de sofrermos e, consequentemente, um por quê de buscarmos a sua compreensão. Infelizmente, hoje em dia buscamos fora de nós. E isso só acaba por nos afastar de nossa essência existencial. A busca do conhecimento irá nos ajudar. Se gostou, pode levar esse também.
Fiquei em choque. Olhei para ele e disse essas sinceras palavras:
- Cara, eu não tenho nada para te dar. Gastei nesses ramos de salsa. - mostrei para ele.
- Podes ficar. - respondeu sorrindo.
- Não. Eu não tenho nada.
Ele me olhou em surpresa. Acho que tinha ofendido ele, então tentei reparar.
- Caso tu encontres outra pessoa que tenha dinheiro para dar a vocês, terás mais livros para distribuir. Eu, infelizmente, não tenho.
- Não há problema, senhor, é para se passar a palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta, não para ganharmos dinheiro - e sorriu.
- Mas eu não tenho nada.
- Fique com os dois. Um presente meu, então.
Fiquei quieto.
Ele sorriu para mim e disse Hare Krishna. Respondi com o gesto e ele foi embora. Fiquei ali mudo. Ele não foi insistente, ele foi incrível. Pensar que naquele momento em que tudo parecia loucura, surge outro louco (que ninguém viu!) com essa conversa renascentista e iluminista em pleno século XXI. Os índios continuaram cantando e as pessoas a bater palmas para eles, só que eu não mais ligava para isso, tampouco ouvia. Senti-me mal em não ter nada para doar, porém, mal sabia eu que em outro momento o Karma voltaria e tudo teria outro desfecho...
Meses depois encontrei o mesmo japinha perambulando pelas bandas do Iguatemi. Atravessei a rua e vi ele do outro lado, de novo, tentando falar com as pessoas que fingiam não o ver. Eu já estava acostumado com isso e com o fato de eu ser o esquizofrênico que consegue ver essas coisas... Também, já tinha lido parte do livro do Karma. Ele atravessou a rua e nos encontramos.
- Boa tarde, senhor - sempre sorrindo, como da última vez- Posso tomar um pouco do seu precioso tempo?
- Oi! Sim,sim! Tu já me deu esses livros: o do Karma e o da busca da perfeição, lembra?
Ele ficou me olhando e, magicamente, me disse:
- O moço dos ramos de salsa?
Sorrimos juntos.
- Agora que nos encontramos depois de tanto tempo, acho que tem um propósito. - disse para ele. O japinha continuava a me olhar animado- tome aqui. Estou em dívida contigo e acho que agora posso pagar.
Entreguei uma nota de cinco reais e outra de dois. Era tudo o que eu tinha. Ele olhou e perguntou o motivo.
- É minha doação. Daqueles livros que tu me deu.
Ele sorriu e me retribuiu essas palavras:
- Aqueles livros eram um presente meu para ti. Posso aceitar esse valor como um presente a nós, não como pagamento. Agradeço muito. - ele guardou e me passou um encarte do local onde se reúnem. R. Álvaro Chaves, 653, Floresta. - Aqui, para o senhor saber mais sobre nós. Fique a vontade em nos visitar! Será muito bem vindo! - disse.- E tome esse livro.
- Eu já tenho esse, obrigado.
- E esse? - mostrou-me outro.
- Esse também. Peguei esses dois contigo.
Ele olhou para a sua coleção em busca de algo novo.
- Esse o senhor tem? - era sobre perguntar. "Perguntas Perfeitas, Respostas Perfeitas". Livro filosófico sobre a arte de fazer perguntas, afinal, somos seres racionais para isso.
- Esse eu não tenho.
- Tome! - disse-me rindo. - Outro presente.
Sorri para ele e me inclinei.
- Hare Krishna! - falamos
Foi diferente. Pensar que ainda se pode ter esses momentos existenciais e que existem pessoas para se conversar sobre isso. Agradeci a mais outro presente dele, o qual, junto com os outros, guardo com carinho e mistério. Não só pelo conteúdo dos livros, mas pelo o que falam e pela forma como chegaram a mim.
Depois daquele momento, fiquei pensando em tudo e em mais um pouco.
Ainda mais em como eu ia voltar para casa, pois tinha dado para ele tudo o que eu tinha, incluindo a passagem do ônibus.
Matheus I. Mazzochi
Hare Krishna
- Hare Krishna - ela disse.
- Hare Krishna - eu respondi.
Era uma mulher com um turbante rosa e uma pintura em forma de gota d'água da testa até a superfície do nariz. Eu já havia visto a cena: paravam as pessoas para distribuir um livro que levava a palavra da sabedoria infinita. Já aconteceu comigo uma outra vez com um outro cara. Talvez noutro momento, pois daria uma história paranormal. Essas coisas de destino e Karma. Essas coisas que eles distribuem nas ruas. Nos semáforos. Correndo atrás das pessoas. A verdade correndo atrás das pessoas e elas fugindo, não querendo encarar. Pessoas... Nós.
- O senhor gostaria de receber a palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta? - enquanto estendia os livros do cara para mim.
- Opa, claro.
- É uma leitura muito interessante. Ele nos dá a resposta das questões que nos dão sofrimento: busca do sentido da vida, problemas espirituais e a busca da felicidade.
- Nossa, ele deve ser muito bom - falei enquanto folheava o livro - São questões difíceis de se encontrar uma solução. - e olhei para ela. Uma moça bonita. Tinha um sotaque estranho e o ar ficava mais misterioso com isso.
- É seu. Com uma pequena doação, poderá nos ajudar a passar a palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta adiante.
Claro. Faltava a pequena doação para eu poder obter a palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta. Eu segurando um livro pocket que possuía todas as respostas para todos os problemas do mundo. Valiosíssimo. Valiosíssimo por muito pouco. E é bem essa a filosofia que Sua Divina Graça Bhaktivedanta defende e nos quer passar.
- Olha, infelizmente, eu só tenho o troco do supermercado. Daria mais se tivesse. - e retirei as moedas.
Ela abriu a mão e eu fui deixando cair moeda por moeda. Contando em voz alta. R$1,30. A palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta estava sendo vendida por R$1,30 naquele momento. Infelizmente ou felizmente...
- Vocês ficam na sede da Redenção ou perto da Farrapos? Eu um dia recebi...
- O senhor tem mais um pouco? - interrompeu.
- É... Acho que não ficam. - murmurei enquanto voltava a folhear o livro.
Parei.
Olhei para ela.
- Não, infelizmente não tenho. Vocês ficam na sede da Redenção ou...
- Eu não são daqui - sorriu e com o sotaque mais forçado - Sou da Rússia e não falo bem português. Hare Krishna. Hare Krishna. Hare Krishna.
- Ah, sim.... - meditei - Redenção... Logo aqui... - e comecei a apontar para as árvores que estavam atrás dela. Eu estava no HPS, a Redenção era logo do outro lado. Fiz gestos de árvores que pareciam que eu estava querendo dançar com a mulher. Ela continuava a sorrir para mim. Parecia estar nervosa ou desconfortável com a situação. Talvez desconfortavelmente nervosa com a situação. Quanto mais eu tentava conversar com ela e trocar ideias sobre a palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta (como fiz - e muito- com aquele rapaz que talvez conte e em outro momento), mais ela falava Hare Krishna.
- Hare Krishna - despediu-se ela. E foi. Fugindo. Escorregadia. Levando o troco do supermercado que foi o que eu tinha para obter a palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta.
Fiquei olhando para o livro.
- Essa é a palavra - pensei comigo mesmo - que responde todos os problemas existenciais do mundo:
Trouxa.
Matheus I. Mazzochi
- Hare Krishna - eu respondi.
Era uma mulher com um turbante rosa e uma pintura em forma de gota d'água da testa até a superfície do nariz. Eu já havia visto a cena: paravam as pessoas para distribuir um livro que levava a palavra da sabedoria infinita. Já aconteceu comigo uma outra vez com um outro cara. Talvez noutro momento, pois daria uma história paranormal. Essas coisas de destino e Karma. Essas coisas que eles distribuem nas ruas. Nos semáforos. Correndo atrás das pessoas. A verdade correndo atrás das pessoas e elas fugindo, não querendo encarar. Pessoas... Nós.
- O senhor gostaria de receber a palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta? - enquanto estendia os livros do cara para mim.
- Opa, claro.
- É uma leitura muito interessante. Ele nos dá a resposta das questões que nos dão sofrimento: busca do sentido da vida, problemas espirituais e a busca da felicidade.
- Nossa, ele deve ser muito bom - falei enquanto folheava o livro - São questões difíceis de se encontrar uma solução. - e olhei para ela. Uma moça bonita. Tinha um sotaque estranho e o ar ficava mais misterioso com isso.
- É seu. Com uma pequena doação, poderá nos ajudar a passar a palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta adiante.
Claro. Faltava a pequena doação para eu poder obter a palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta. Eu segurando um livro pocket que possuía todas as respostas para todos os problemas do mundo. Valiosíssimo. Valiosíssimo por muito pouco. E é bem essa a filosofia que Sua Divina Graça Bhaktivedanta defende e nos quer passar.
- Olha, infelizmente, eu só tenho o troco do supermercado. Daria mais se tivesse. - e retirei as moedas.
Ela abriu a mão e eu fui deixando cair moeda por moeda. Contando em voz alta. R$1,30. A palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta estava sendo vendida por R$1,30 naquele momento. Infelizmente ou felizmente...
- Vocês ficam na sede da Redenção ou perto da Farrapos? Eu um dia recebi...
- O senhor tem mais um pouco? - interrompeu.
- É... Acho que não ficam. - murmurei enquanto voltava a folhear o livro.
Parei.
Olhei para ela.
- Não, infelizmente não tenho. Vocês ficam na sede da Redenção ou...
- Eu não são daqui - sorriu e com o sotaque mais forçado - Sou da Rússia e não falo bem português. Hare Krishna. Hare Krishna. Hare Krishna.
- Ah, sim.... - meditei - Redenção... Logo aqui... - e comecei a apontar para as árvores que estavam atrás dela. Eu estava no HPS, a Redenção era logo do outro lado. Fiz gestos de árvores que pareciam que eu estava querendo dançar com a mulher. Ela continuava a sorrir para mim. Parecia estar nervosa ou desconfortável com a situação. Talvez desconfortavelmente nervosa com a situação. Quanto mais eu tentava conversar com ela e trocar ideias sobre a palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta (como fiz - e muito- com aquele rapaz que talvez conte e em outro momento), mais ela falava Hare Krishna.
- Hare Krishna - despediu-se ela. E foi. Fugindo. Escorregadia. Levando o troco do supermercado que foi o que eu tinha para obter a palavra de Sua Divina Graça Bhaktivedanta.
Fiquei olhando para o livro.
- Essa é a palavra - pensei comigo mesmo - que responde todos os problemas existenciais do mundo:
Trouxa.
Matheus I. Mazzochi
sábado, junho 1
Mais Histórias do Bar do Brasil
Dois meninos adentram no bar. Olham fascinados para o balcão cheio de bebidas coloridas e de todos os tamanhos. Esperam Brasil chegar e olhar para eles perguntando o que querem:
- Quanto é a dose?- um deles pergunta.
- De quê?- responde Brasil
- Johnny Walker.
- Dez reais.
- E do José Cuervo?
- Dez reais.
Os rapazes se olham.
- Qual é o tamanho da dose?- pergunta o rapaz.
O dono do bar broxa. "Qual o tamanho da dose", eles perguntaram. Nem sabiam o que estavam pedindo. Sem mover um músculo, Brasil olha penetrantemente para eles. Segundos se passam até ele puxar um copo. Põe na mesa. Mostra para eles em ar de desafio.
- Tá.- diz o garoto- Me vê o José Cuervo.
- Mostra o documento - diz.
O guri tira do bolso a identidade com uma foto de bebê de regata branca. Brasil olha e começa a gargalhar.
- Ah, não! (curva-se de tanto rir) Olha isso aqui! - diz mostrando para mim, que assistia a tudo na mesa ao lado.
- Tá me tirando, cara? - intimida o piá.
Ainda se rindo, o barman diz:
- Não,não. Tá certo. Eu vou te dar o teu José Cuervo - e enche o copo encarando o rapaz - Taí!
O rapaz paga. Fica encarando o copo com ar de ansiedade com um pouco de medo. Parecia o guri que encara o seu amor em sua primeira noite. Olha inseguro para o amigo:
- Tem que virar, meu - ele diz.
- Tu não pagou para olhar,cara - desafiei.
O pobre menino beberica. Faz careta. Seus nervos elevam-se na testa. Depois de 6 goles, ele termina e sai. O bar todo espera ele sair e começam a rir.
- Vou começar a vender pirulito! - grita rindo Brasil detrás do balcão - Acabou de perder a virgindade!
Muitos risos. Na televisão, ao lado da bandeira pendurada do Rio Grande do Sul, o deus Eric Clapton continua tocando para a alegria de todos os fieis, reunidos na véspera do feriado, fazendo as suas libações aos seus deuses: mortais que provaram ser possível o ser humano atingir a imortalidade e a plenitude sublime.
Matheus I. Mazzochi
- Quanto é a dose?- um deles pergunta.
- De quê?- responde Brasil
- Johnny Walker.
- Dez reais.
- E do José Cuervo?
- Dez reais.
Os rapazes se olham.
- Qual é o tamanho da dose?- pergunta o rapaz.
O dono do bar broxa. "Qual o tamanho da dose", eles perguntaram. Nem sabiam o que estavam pedindo. Sem mover um músculo, Brasil olha penetrantemente para eles. Segundos se passam até ele puxar um copo. Põe na mesa. Mostra para eles em ar de desafio.
- Tá.- diz o garoto- Me vê o José Cuervo.
- Mostra o documento - diz.
O guri tira do bolso a identidade com uma foto de bebê de regata branca. Brasil olha e começa a gargalhar.
- Ah, não! (curva-se de tanto rir) Olha isso aqui! - diz mostrando para mim, que assistia a tudo na mesa ao lado.
- Tá me tirando, cara? - intimida o piá.
Ainda se rindo, o barman diz:
- Não,não. Tá certo. Eu vou te dar o teu José Cuervo - e enche o copo encarando o rapaz - Taí!
O rapaz paga. Fica encarando o copo com ar de ansiedade com um pouco de medo. Parecia o guri que encara o seu amor em sua primeira noite. Olha inseguro para o amigo:
- Tem que virar, meu - ele diz.
- Tu não pagou para olhar,cara - desafiei.
O pobre menino beberica. Faz careta. Seus nervos elevam-se na testa. Depois de 6 goles, ele termina e sai. O bar todo espera ele sair e começam a rir.
- Vou começar a vender pirulito! - grita rindo Brasil detrás do balcão - Acabou de perder a virgindade!
Muitos risos. Na televisão, ao lado da bandeira pendurada do Rio Grande do Sul, o deus Eric Clapton continua tocando para a alegria de todos os fieis, reunidos na véspera do feriado, fazendo as suas libações aos seus deuses: mortais que provaram ser possível o ser humano atingir a imortalidade e a plenitude sublime.
Matheus I. Mazzochi
quarta-feira, maio 22
Filosofias do Bar do Brasil
Não adianta querer ser grande.
Não basta só querer.
Porque pode faltar uma coisinha,
Um peidinho,
E não vai acontecer.
Não adianta querer ser grande de primeira.
Hoje em dia ninguém mais nasce um Rei.
Não adianta querer pegar a espada e sair a lutar,
Que os caras grandes vão te capar.
Não adianta, não existe isso.
O cara tem que treinar para crescer e ficar forte
Porque aí, sim, ele pode bater no peito
E dizer que conseguiu, dizer que conquistou,
Dizer que ficou grande e falar com voz grossa:
“Eu consegui essa merda!”
Nessa vida, toda a conquista depende do tempo e da paciência
nossa.
Matheus I. Mazzochi
segunda-feira, abril 1
Quando Começa a Chover.
Começa a chover.
Vejo as gotas pintando o chão como se fossem as pintas de um
dálmata.
Não as vejo, só vejo o resultado.
A persiana começa a tamborilar, os carros começam a suar.
Não vejo as gotas, só vejo e ouço os resultados.
Como os sonhos.
Vi hoje um amigo meu me mostrar o que comprou:
Um teatro.
Ele queria ser ator e comprou um teatro.
“Não trabalho, me divirto.”
Como as gotas, só vejo os resultados de um sonho.
Algo como ver as nuvens pretas vindo e tu pensar:
“Vai chover”.
Simples assim.
Parabéns, Papá!
Matheus I. Mazzochi
domingo, março 31
Beneditino Escreve
Leio o artigo.
Leio a pergunta.
Leio a parte específica do artigo referente à pergunta.
Releio a pergunta.
Escrevo uma frase.
Releio a pergunta.
Releio a parte específica do artigo referente à pergunta que
ainda não decorei de tanto que a leio.
“Não. Mas peraí... O que ele queria mesmo?”
Termino o primeiro parágrafo.
Coço a cabeça, fungo e tomo um mate orgulhoso do progresso.
Como o fusca que sobe a lomba em velocidade constante vendo
os outros carros passarem por ele: ele ta subindo. Tu sabe que ele ta subindo,
só que na velocidade dele.
Vou ao banheiro atirar água no rosto e volto e vejo meu gato
sobre a cama dormindo sob o sol.
Fico sentado na cadeira do computador olhando para a cena e
sentindo o calor que ele deve estar sentindo.
Volto meus olhos pra resposta escrita.
Releio a pergunta.
Releio a parte específica do artigo referente à pergunta.
Releio a resposta.
Analiso a pergunta.
Coço o cavanhaque com expressão de dúvida e com a cabeça
vazia.
Abro o word e começo a escrever algo pro blog.
Olho pra cuia de chimarrão e ainda tem água nela. Esqueci!
Termino e ao som do ronco salvo o texto e volto meus olhos pra pergunta e
digo pra mim mesmo,
Minto para mim mesmo:
“Tá, vamos lá! Tenho que acabar com isso ainda hoje.”
Antes que isso acabe comigo ainda hoje.
"Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!"
Matheus I. Mazzochi
terça-feira, março 26
O Prêmio de Trofônio
Trofônio, filho de Apolo e Epicasta, era um dos mais
célebres arquitetos da Antiguidade. Junto com seu padrasto Agamedes, ergueu
belíssimas construções, tais como o quarto nupcial de Alcmena, mãe de Hércules,
e o templo de Netuno, na Arcádia.
Sabedor
disso, Apolo mandou chamar Trofônio e Agamedes imediatamente.
- Quero
que construam um magnífico templo para mim – disse o deus.
Padrasto
e enteado aceitaram o desafio. Desde aquele dia debruçaram-se sobre a planta
com seus utensílios de desenho, erguendo arcadas, projetando abóbadas e
imaginando mil e uma volutas e arabescos para os pilares.
- Vai
ser uma obra-prima – dizia Trofônio ao padrasto, que concordava, ajustando o
compasso.
Depois
de um mês de intenso labor, finalmente apresentaram a Apolo o projeto.
- Nada
menos que magnífico – disse o deus, dando uma palmada de alegria no joelho. –
Mãos à obra, imediatamente!
Trofônio
e Agamedes gastaram os próximos seis meses numa labuta infernal para erguer do
chão a esplendorosa construção. A cada dia uma nova maravilha surgia ante os
olhos deliciados dos pedreiros.
- Que
beleza! – exclamava um, de colher parada na mão.
- Um
estupor! – exclamava outro, com o queixo caído.
- Vamos
lá, vamos lá! – gritava Trofônio, num azáfama incessante, o que não o impedia
de exclamar a Agamedes, quando ambos eventualmente cruzavam um pelo outro:
- Vai
ficar daqui, ó!
E o
outro concordava, suando e sobraçando as suas plantas.
Ao fim
do prazo a obra estava pronta. Apolo foi chamado, e uma venda foi colocada
sobre os seus olhos – sugestão do próprio Trofônio, que apreciava mais que tudo
ver o brilho de espanto e alegria nos olhos dos clientes.
Assim
que a venda foi retirada e Apolo pode contemplar a maravilha que os dois
arquitetos haviam erguido em sua homenagem, chegou quase a perder os sentidos.
-
Rápido, tragam-lhe um pouco de hidromel! – exclamou Agamedes, que tinha sempre
à mão esse recurso para trazer de volta a cor ao rosto dos clientes estupefatos.
- Vocês
são estupendos, mesmo! – disse Apolo, enquanto bebericava o reconstituinte. –
Excederam tudo quanto o projeto prometia...
O resto
do dia o deus passou adorando seu novo templo, e há quem diga que tenha mesmo
passado a noite ali, em atônita e muda contemplação.
No dia
seguinte, Trofônio e Agamedes compareceram diante de Apolo para receber o seu
pagamento.
-
Quanto acham que vale o serviço perfeito que ambos fizeram? – perguntou o deus.
Os dois
entreolharam-se, confusos.
- Bem,
divindade, não saberíamos estipular... – respondeu Trofônio, encabulado.
-
Vamos, deixem de modéstia! – disse Apolo. – Qual pode ser o melhor prêmio para
um mortal?
Os dois
atrapalharam-se ainda mais.
-
Vamos, tomem isto – disse Apolo, estendendo a ambos uma enorme sacola, repleta
de moedas de ouro. – Nos próximos sete dias gastem-na inteira, fazendo tudo
quanto gostariam de ter feito e ainda não puderam. No oitavo dia receberão,
então, o pagamento.
- Mas,
divindade... já não é o pagamento? – exclamou Agamedes, cujo rosto refletia a
cor dourada das moedas.
- O
prêmio maior que um mortal pode ambicionar ambos terão apenas no oitavo dia –
disse o deus enigmaticamente. – Vão e, até lá, aproveitem!
Nos
sete dias seguintes deram largas, então, à sua vontade:
No
primeiro dia comeram tudo quanto enxergavam, até ficarem verdes de cólicas.
No
segundo dia encharcaram-se de vinho até caírem desmaiados sobre as mesas.
No
terceiro dia viajaram por inúmeros lugares numa liteira de ouro, até ficarem
vesgos de tanto ver paisagens.
No
quarto dia dançaram loucamente em todas as tavernas, como bufões enlouquecidos,
até incharem os pés de bolhas.
No
quinto dia escutaram as mais belas músicas que o gênero humano pode compor, até
não suportarem mais um único acorde.
No
sexto dia, tendo contratado os maiores sábios do mundo para que lhes
explicassem os segredos do Universo, adormeceram antes que todas as sumidades
pudessem chegar a qualquer conclusão.
No
sétimo dia juntaram em casa quantas mulheres belas o dinheiro pode pagar.
E aí
foi demais: a sacola finalmente se esvaziou, até a última moeda.
No
oitavo dia toda a cidade aguardava Trofônio e Agamedes no templo de Apolo, para
ver o que seria, afinal, aquele prêmio maravilhoso que a divindade lhes
prometera. “O prêmio maior que um mortal pode aspirar”, segundo a promessa.
Porém,
como não aparecessem nunca, correram todos até a casa dos dois. Não obtendo
resposta aos seus chamados, invadiram-na e encontraram os dois deitados, de orelhas
tapadas, cada qual em sua respectiva cama.
Dormiam
o imperturbável sono eterno e tinham nos lábios um sorriso que vivo algum pode
igualar.
O Prêmio de Trofônio - As Melhores Histórias da Mitologia Vol.
2
Histórias do Bar do Brasil
Meu templo
Dos meus deuses.
Pessoas alegres e sorridentes.
Cumprimentam desconhecidos.
Apertam suas mãos, sorriem para eles.
Minha religião.
Quem pergunta curioso, eu respondo:
“Vai lá no templo ovacionar os deuses!”
E vão.
Adoram.
Ajoelham-se e batem palmas.
Fazem os festins e dão as oferendas.
The Who,
Led Zeppelin, The Doors e tantos outros.
Não é um bar, é um templo.
Aonde vamos como fieis, aonde vamos como crentes.
Rezar nossas missas, pagamos nossas contas, bebemos nossas
bebidas.
Conversas, risos, reflexões e meditações.
Nossos deuses tocam suas guitarras como se fossem suas
almas.
Tocam suas gaitas como se estivessem amando suas mulheres.
Deliram, transcendem, atingem o ápice.
Um mero mortal não poderá nunca poderá chegar ao Olimpo.
Aquiles entre os homens é honra, glória e prova
De que Deus ama os mortais.
De que Deus os quer felizes.
De que Deus fez a cerveja e o Bar.
Templo dos boêmios.
Templo dos que buscam o caminho da glória e da revelação.
Piadas, cerveja por conta da casa.
A casa paga.
“Não,não...Se não tem dinheiro não esquenta. Tu é um dos
fundadores.”
Diz o mestre de cerimônias da ritualística cervejeira.
Respeito e Reconhecimento.
O homem na tela toca a alma e proclama a imortalidade dos
deuses.
The Who,
Led Zeppelin, The Doors e tantos outros.
Tocam nossas almas. Atingem pontos e acordes nunca antes
imagináveis pelos mortais desse mundo.
A vida revela-se num instante como num sopro.
Sou fiel. Sou adorador. Sou eu.
Ninguém pode negar tal fato.
Todos olham e admiram as músicas, os sons, os gritos e as
frases.
“Vou torturar vocês” – diz o dono do bar.
Coloca Doors, depois Zeppelin, depois Chuck Berry.
“Meu Deus, és tão poderoso assim?”
Faltam palavras, faltam emoções para exemplificar tal
sentimento.
O bar nada mais é do que o Templo dos boêmios.
Júpiter, todo poderoso, o amontoador de nuvens, supremo júri
do Universo
Permite-nos cair nas cantigas dos antigos, dos 60, 70 e 80.
“Ele nasceu nos 90, não sabe o que perdeu!”
“Nasci na época errada, tenham pena de mim!”
Misericórdia.
Ensinamentos e breves acordes cantantes.
Trocam-se os microfones para a nova bebida.
Copos gelados que colam em nossas mãos.
“Meu querido, quando puderes, voltes, és sempre bem-vindo!
És um dos fundadores.”
E as palavras ecoam pela eternidade
Junto dos imortais:
The Who,
Led Zeppelin, The Doors e tantos outros.
Matheus I.
Mazzochi
quarta-feira, março 20
Na Beira do Mar
Raul Luar decidiu um dia sair
E ver o mar.
Fez mala, comprou passagem
E foi viajar.
Olhando pela janela,
Olhando toda a paisagem,
Só conseguia pensar nela
E sonhou em toda viagem.
À noite, as estrelas brilhavam no céu.
Raul Luar, encantando vendo a cena,
Tirou o chapéu.
Não levou papel, nem fez poesia.
Quieto em meditação
Conseguiu o que queria.
Raul Luar
terça-feira, março 19
A Velha História da Morte
Estava um persa rico e poderoso passeando, certa vez, pelo
parque de sua casa, em companhia de seu criado. Este se põe a lamentar que
acabou de ver a morte ameaçando levá-lo. O criado implora a seu amo que lhe dê
o cavalo mais rápido para se por, imediatamente, a caminho e fugir rumo a
Teerã, onde ele queria chegar naquela mesma noite. O amo lhe dá o cavalo, e o
criado parte a galope. Caminhando de volta para casa, o próprio amo se depara
com a morte e passa a interrogá-la:
- Por que assustaste meu criado desta forma, por que o
ameaçaste?
Responde-lhe a morte:
- Ora, não o ameacei! Nem quis assustá-lo. Apenas me
admirei, surpresa com o fato de vê-lo aqui, pois devo encontrá-lo em Teerã
ainda hoje à noite!
Viktor E. Frankl
Em Busca de Sentido
Ed. Vozes & Ed.
Sinodal
2010
sexta-feira, março 15
O Mendigo que Comeu Coração
Lembro até hoje da noite em que virei motivo de piada.
E até hoje ainda sou...
Aquele momento em que um somatório de ações acaba gerando risadas de
pessoas que se divertiram com a situação.
Aquele momento em que é lembrado todo tempo que nos reencontramos...
Às vezes, até terceiros chegam pra ti e falam:
“Ei, cara, o fulano disse para tu combinar com ele de saírem para
comerem um coraçãozinho.”
Sacanagem... Só que sacanagem é outra coisa.
Às vezes, não há situação melhor que um bom palavrão não possa descrever.
Mas isso é outra história...
Um dia, há, talvez, uns quatro anos atrás, três grandes amigos se
encontraram: um poeta, um maluco por aventuras e um que consegue falar a mesma língua
que eles. Somos iguais, entende? Mesmo com nossas diferenças. Rimos das mesmas
piadas e gostamos das mesmas bebidas. Chegamos ao bar pelas 19 horas e já
começamos com os trabalhos. Meio timidamente, mas depois, naturalmente. Drinks
novos e papos velhos.
Surge a fome.
Mata-se a sede.
Chama-se o Garçom.
“Uma porção de coraçãozinhos, por favor.”
Está montado o palco...
Palitos de dente solitários e finos com um pouco de gordura da comida.
Copos suados.
Mesa suja.
Pessoas conversando.
Histórias.
Aí, como se não fosse surpresa, surge um cara estranho.
Eles nos perseguem. Acho que tinha sido o quarto daquele dia...
Educadamente nos saúda e alega não querer moeda.
“O que há de bom?” – nos pergunta.
Silêncio constrangedor.
Temos tudo e ele não tem nada.
Dura realidade. Mas é a realidade.
Começamos a nos coçar. Não temos moeda pra dar, mas temos uma mesa
farta de comida.
Pergunto se ele aceita.
“Claro, vou pegar uma cadeira.” – e ri.
Pedinte cadeirante...
“Só não vou beber, pois estou dirigindo.” – outra risada.
Rimos também, com um pouco de timidez e tristeza.
Oferecemos o coraçãozinho. Ele mostra as mãos sujas.
Olho pro palito de dente e pro coraçãozinho e pra mão dele e pros meus
amigos.
“Aqui, cidadão, deixa eu te ajudar.”
Faço uma concha com a outra mão e dou na boca dele.
“O que acha?” – pergunto.
Ele gostou. Pediu mais. E mais outra vez, dei de comer na boca do
pedinte cadeirante.
Ele agradeceu a bondade.
“Obrigado, senhores. E Lembrem-se: para curar amor platônico, só mesmo
uma trepada homérica.”
E sumiu como o Mestre dos Magos.
Os dois me olharam e começaram a rir.
“Só tu mesmo” diziam.
Talvez, a bebida faça as pessoas serem melhores ou a própria bondade
haja nessa nossa natureza confusa que, por não sabermos, acabamos por quebrar
as correntes que nos escravizam e agimos da melhor maneira possível. Foda-se o
que os outros vão pensar.
Até chegar uma mulher.
Loira.
De vestido preto e meia-calça preta.
Com amigas.
E ela conhece um dos três amigos que estão a quatro horas bebendo e
dando comida na boca de mendigos.
Convidam para irmos a uma festa.
Apresentações desanimadas e a cerveja ficando quente.
“Quanto é a entrada?” – pergunto.
“Doze reais” – responde a mulher.
“BAH! Eu não entro. Podem ir vocês, mas eu to fora.”
Olhar de desprezo dela:
“Ah, para, como se vocês não tivessem gastado muito mais... Vai ta super
boa e melhor que isso.”
“Nós estamos desde as sete horas aqui. Tu vai pagar pra nós?”
Boa.
Muito bem.
Parabéns, rapaz.
Dá comida na boca de um mendigo cadeirante e é grosso com uma bela
mulher. É muito bonito isso. Muito cavalheiro. Orgulho do pai e da mãe.
“Cara, como é que tu me faz isso?” e perguntas desse tipo surgiram da
boca dos meus amigos.
“Deixa eu te entender... Não! Deixa eu tentar te entender... Tu é
educado e dá comida na boquinha do marginal, mas é um troglodita com uma mulher
daquelas?”
“Foda-se isso e a tua argumentação.”
Todos riem e eu fico sério.
Aquele cara não tinha o que ela tinha, mas pelo menos era bem humorado
e gentil. Foi parceiro em ver a beleza da simplicidade de uma roda de amigos,
cerveja e coraçãozinhos em cima de folhas de alface murchas. Ele não andava. E
fazia piada disso! Tá certo que ele não cheirava a Victoria Secret’s, mas não
era lá tão ruim assim... O homem era higiênico! Tanto é que eu tive que
alcançar a comida para ele. Agora, elas não. Não! Ofenderam um belo momento
entre amigos. Chamaram de “isso” toda a maravilha do universo.
E até hoje, quando nos reunimos como os tios do poker do sábado à
noite, lembramos dessa cena.
E o cara ainda ta lá. Em Downtown. Às vezes, encontro ele e lembro-me
dos coraçõezinhos.
Obviamente, ele não se lembra de mim.
Anawate e Boenavides, temos que "pepetir".
Matheus I. Mazzochi
quinta-feira, março 14
Trote
Hoje passei por um bixo de Engenharia Civil.
Ele parou
Me viu
E disse:
“Tio,
Tem uma moeda, aí?”
Tem uma moeda, aí, tio?
Uma moeda,
Aí,
Tio.
Tio?
O tio não tem uma moeda, não.
O tio tem lembranças de quando era ele quem passou no
vestibular.
De quando sua família comemorou.
De quando seu pai chorou após fazer as contas de quanto ele
economizaria.
O tio tem lembranças e histórias.
Como todo tio tem no domingo de churrasco.
O tio tem 21 anos e pelos na cara que o fazem parecer um
tio.
O tio é estudante, ou seja,
O tio não tem a porra da moeda.
Matheus I. Mazzochi
terça-feira, março 12
Messias e a Natureza Humana
Nas férias desse ano fui para a praia e lá vi algo muito interessante.
Messias e a Natureza Humana.
Messias era um cachorro branco, peludo, sujo, que vivia na rua. Os vizinhos davam restos de comida para ele e assim o cão continuava a rondar pela área. Nós também fazíamos isso. Quando sobrava a comida de dias atrás, já cansados pelo asiático"soborô", colocávamos em um pote e deixávamos perto dele.
Não conseguia aguentar a dor de colocar comida no lixo. É pecado... Ou pelo menos deveria de ser.
O nome era Messias, pois quando o vi pela primeira vez ele estava deitado em um terreno baldio com moscas ao redor. Logo me veio à mente: "Pobre cachorro, está morrendo..." e outros pensamentos existenciais sobre a vida e sobre a morte. Agora penso por que pensei em "pobre" cachorro. Talvez tenha sido bom para ele. Talvez seja bom. O que há de pobre em morrer, afinal? Bem... Eis que, no outro dia, o cão aparece caminhando pela rua a passos firmes com olhar determinado. Agora, tinha outro cachorro, preto de pelo curto, magrinho, o seguindo. "Olha só... Ressuscitou e já tem seguidores." pensei quando o vi.
Daí Messias...
Só que como todo escolhido ou como todo messias, Messias tinha rivais.
Não podia chegar perto o bastante da rua, pois os outros cães dos vizinhos iam logo latindo. Alguns chegavam a avançar nele. Certo dia, escutei duas vizinhas gritando para ele fugir, pois havia começando uma briga com outro cão. Messias era foda. Tinha personalidade. Se eu morasse naquela casa, não veraneasse, eu iria adotá-lo. Ou talvez, faria comida em excesso para alimentá-lo e o deixar livre. Era por isso que ele era foda: ele era livre. E ressuscitava, claro, às vezes.
Até que teve um dia em que o vi com a Natureza Humana.
Eu estava na rede, na varanda do segundo andar, observando os pássaros, o mar na frente e todo o ano de 2013 que iria chegar. Aí escutei latidos. "Messias" pensei. Pulei da rede e fui me escorar no parapeito da varanda.
Lá. Beeeeem lá! Do outro lado da rua. Bem onde o chão toca o céu. No encontro entre os eixos dimensionais que fazem a rua ficar menor no horizonte, naquele ponto focal, vinha uma pinta branca e outra preta o seguindo. Era Messias e o seu seguidor.
Cornetas desafinadas e o dedilhado de violão com castanholas batendo a lá Ennio Morricone soaram em minha mente:
Aquela visão gaseificada do calor emanando do chão ao céu dava um ar de miragem dos cães. Enquanto ele se aproximava, determinado, seguro, confiante e certo de sua ação, olhei para os cães dos vizinhos: estavam fazendo o mesmo que eu, olhando para Messias. Estava parados como estátuas, de orelhas levantadas e atenção redobrada. Nem o piar dos pássaros fazia com que eles tirassem o foco do que estava por vir.
Era uma invasão. Era o retorno daquele que fora expulso do seu território no passado. Entre olhares dos cães a Messias, de Messias aos cães, eu estava entendendo o que estava acontecendo (ou o que iria acontecer): uma disputa de território, um duelo de poder, uma afronta à qualquer representação de poder, uma transgressão, o bom e velho bang-bang dos western-spaghetti do Sergio Leone, Clint Eastwood, Lee Van Cleff e Charles Bronson.
Ainda ao som das cornetas e do violão da cena final de "The Good, The Bad and The Ugly", Messias e seu fiel companheiro, do horizonte, aumentavam de tamanho. O salsichinha que fora o primeiro a ver o que iria acontecer latiu silenciosamente como se estivesse proferindo palavras de espanto: não pode ser. Sim! Aposto que aquele latido era exatamente isso. "Não pode ser...". outro que estava dormindo na entrada da porta levantou as orelhas, acordou e olhou pro seu amigo, foi até a rua e viu a cena. Latiu também. Chamou mais três. Eram cinco contra dois... Os cães estavam preparados. Sérios, nervosos. Sabiam do seu destino.
Messias parou a três casas da casa deles. E ficou encarando-os... Deus! Que cachorro! E eu ali não acreditando no que estava vendo. Não podia tirar foto nem gravar, pois a câmera estava no quarto e eu não queria perder nada. Fiquei em silêncio e observei o que se sucedeu:
Depois de uns minutos trocando olhares, o salsichinha avançou um pouco e começou a latir. A imagem lembrava o líder do pelotão animando os colegas e preparando-os para a batalha, temeroso do que fosse ficar sozinho e abandonado. Messias firme e imponente. Parecia um deus. Naquele momento entendi o que Bukowski quis dizer com "parece ter mais poder do que dez mil deuses", em seu poema "cão". A cena era para se fechar as portas e janelas, por as crianças para dentro da casa e de se deixar acontecer o que não se pode controlar e impedir que irá acontecer.
Messias avançou.
Seu companheiro ficou para trás garantindo a retaguarda.
Os outros cães começaram a latir para ele, mas sem avançar.
Messias continuava.
Agora eram duas casas que o separava dos outros.
Latidos.
Muitos latidos.
E Messias firme.
Uma casa.
Os cães recuaram um pouco, mas continuavam a latir.
Messias sabia que cão que morde, não ladra.
Ele chegou na casa, passou pelo muro, invadiu o terreno e chegou na única árvore do pátio.
Os outros recuaram para a rua e ficavam latindo. Agora não era latido de bravura, de coragem, de "Vamos à luta e à morte, companheiros". Não! Era de piedade, de clemência, de derrota e covardia.
Messias levantou a sua perna e urinou na árvore. Marcou território. Levantou a Bandeira. Depôs o poder vigente. Virou lenda, rei e deus em um só momento. O dono da casa, escutando a gritaria, saiu da casa e viu a cena. Pegou o chinelo e atirou em Messias. Magicamente, como se tivesse batido em uma áurea divina, o chinelo desviou e não acertou. Caiu antes de chegar no cão. Perdera a força.
Messias saiu do terreno, calmamente, com um sorriso de vitória e a língua de fora, passou por entre os cães que bradavam insultos inúteis e pedidos de revanche, calmamente. Ele passou por ENTRE eles, não do lado. Ele desmembrou a formação. O Aquiles, desbaratador de exércitos, canino. Eram cinco contra um nessa hora e o um dividiu dois prum lado, três para outro. E seguiu até onde seu fiel amigo, o qual ficara parado no mesmo lugar, SENTADO, estava.
Até a Natureza transgride e briga pelo seu território.
Certo que na noite anterior, Messias e seu companheiro tramaram tudo.
"Amanhã, quando sol estiver no centro do céu, iremos mostrar quem manda." - deve ter dito Messias antes de dormir.
Sergio Leone que me desculpe, mas aquele sim foi o melhor duelo que eu já vi.
Matheus I. Mazzochi
Messias e a Natureza Humana.
Messias era um cachorro branco, peludo, sujo, que vivia na rua. Os vizinhos davam restos de comida para ele e assim o cão continuava a rondar pela área. Nós também fazíamos isso. Quando sobrava a comida de dias atrás, já cansados pelo asiático"soborô", colocávamos em um pote e deixávamos perto dele.
Não conseguia aguentar a dor de colocar comida no lixo. É pecado... Ou pelo menos deveria de ser.
O nome era Messias, pois quando o vi pela primeira vez ele estava deitado em um terreno baldio com moscas ao redor. Logo me veio à mente: "Pobre cachorro, está morrendo..." e outros pensamentos existenciais sobre a vida e sobre a morte. Agora penso por que pensei em "pobre" cachorro. Talvez tenha sido bom para ele. Talvez seja bom. O que há de pobre em morrer, afinal? Bem... Eis que, no outro dia, o cão aparece caminhando pela rua a passos firmes com olhar determinado. Agora, tinha outro cachorro, preto de pelo curto, magrinho, o seguindo. "Olha só... Ressuscitou e já tem seguidores." pensei quando o vi.
Daí Messias...
Só que como todo escolhido ou como todo messias, Messias tinha rivais.
Não podia chegar perto o bastante da rua, pois os outros cães dos vizinhos iam logo latindo. Alguns chegavam a avançar nele. Certo dia, escutei duas vizinhas gritando para ele fugir, pois havia começando uma briga com outro cão. Messias era foda. Tinha personalidade. Se eu morasse naquela casa, não veraneasse, eu iria adotá-lo. Ou talvez, faria comida em excesso para alimentá-lo e o deixar livre. Era por isso que ele era foda: ele era livre. E ressuscitava, claro, às vezes.
Até que teve um dia em que o vi com a Natureza Humana.
Eu estava na rede, na varanda do segundo andar, observando os pássaros, o mar na frente e todo o ano de 2013 que iria chegar. Aí escutei latidos. "Messias" pensei. Pulei da rede e fui me escorar no parapeito da varanda.
Lá. Beeeeem lá! Do outro lado da rua. Bem onde o chão toca o céu. No encontro entre os eixos dimensionais que fazem a rua ficar menor no horizonte, naquele ponto focal, vinha uma pinta branca e outra preta o seguindo. Era Messias e o seu seguidor.
Cornetas desafinadas e o dedilhado de violão com castanholas batendo a lá Ennio Morricone soaram em minha mente:
Aquela visão gaseificada do calor emanando do chão ao céu dava um ar de miragem dos cães. Enquanto ele se aproximava, determinado, seguro, confiante e certo de sua ação, olhei para os cães dos vizinhos: estavam fazendo o mesmo que eu, olhando para Messias. Estava parados como estátuas, de orelhas levantadas e atenção redobrada. Nem o piar dos pássaros fazia com que eles tirassem o foco do que estava por vir.
Era uma invasão. Era o retorno daquele que fora expulso do seu território no passado. Entre olhares dos cães a Messias, de Messias aos cães, eu estava entendendo o que estava acontecendo (ou o que iria acontecer): uma disputa de território, um duelo de poder, uma afronta à qualquer representação de poder, uma transgressão, o bom e velho bang-bang dos western-spaghetti do Sergio Leone, Clint Eastwood, Lee Van Cleff e Charles Bronson.
Ainda ao som das cornetas e do violão da cena final de "The Good, The Bad and The Ugly", Messias e seu fiel companheiro, do horizonte, aumentavam de tamanho. O salsichinha que fora o primeiro a ver o que iria acontecer latiu silenciosamente como se estivesse proferindo palavras de espanto: não pode ser. Sim! Aposto que aquele latido era exatamente isso. "Não pode ser...". outro que estava dormindo na entrada da porta levantou as orelhas, acordou e olhou pro seu amigo, foi até a rua e viu a cena. Latiu também. Chamou mais três. Eram cinco contra dois... Os cães estavam preparados. Sérios, nervosos. Sabiam do seu destino.
Messias parou a três casas da casa deles. E ficou encarando-os... Deus! Que cachorro! E eu ali não acreditando no que estava vendo. Não podia tirar foto nem gravar, pois a câmera estava no quarto e eu não queria perder nada. Fiquei em silêncio e observei o que se sucedeu:
Depois de uns minutos trocando olhares, o salsichinha avançou um pouco e começou a latir. A imagem lembrava o líder do pelotão animando os colegas e preparando-os para a batalha, temeroso do que fosse ficar sozinho e abandonado. Messias firme e imponente. Parecia um deus. Naquele momento entendi o que Bukowski quis dizer com "parece ter mais poder do que dez mil deuses", em seu poema "cão". A cena era para se fechar as portas e janelas, por as crianças para dentro da casa e de se deixar acontecer o que não se pode controlar e impedir que irá acontecer.
Messias avançou.
Seu companheiro ficou para trás garantindo a retaguarda.
Os outros cães começaram a latir para ele, mas sem avançar.
Messias continuava.
Agora eram duas casas que o separava dos outros.
Latidos.
Muitos latidos.
E Messias firme.
Uma casa.
Os cães recuaram um pouco, mas continuavam a latir.
Messias sabia que cão que morde, não ladra.
Ele chegou na casa, passou pelo muro, invadiu o terreno e chegou na única árvore do pátio.
Os outros recuaram para a rua e ficavam latindo. Agora não era latido de bravura, de coragem, de "Vamos à luta e à morte, companheiros". Não! Era de piedade, de clemência, de derrota e covardia.
Messias levantou a sua perna e urinou na árvore. Marcou território. Levantou a Bandeira. Depôs o poder vigente. Virou lenda, rei e deus em um só momento. O dono da casa, escutando a gritaria, saiu da casa e viu a cena. Pegou o chinelo e atirou em Messias. Magicamente, como se tivesse batido em uma áurea divina, o chinelo desviou e não acertou. Caiu antes de chegar no cão. Perdera a força.
Messias saiu do terreno, calmamente, com um sorriso de vitória e a língua de fora, passou por entre os cães que bradavam insultos inúteis e pedidos de revanche, calmamente. Ele passou por ENTRE eles, não do lado. Ele desmembrou a formação. O Aquiles, desbaratador de exércitos, canino. Eram cinco contra um nessa hora e o um dividiu dois prum lado, três para outro. E seguiu até onde seu fiel amigo, o qual ficara parado no mesmo lugar, SENTADO, estava.
Até a Natureza transgride e briga pelo seu território.
Certo que na noite anterior, Messias e seu companheiro tramaram tudo.
"Amanhã, quando sol estiver no centro do céu, iremos mostrar quem manda." - deve ter dito Messias antes de dormir.
Sergio Leone que me desculpe, mas aquele sim foi o melhor duelo que eu já vi.
Matheus I. Mazzochi
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