sábado, dezembro 22

Fanático


Ele era um colorado fanático.

Sabia de cor a escalação de seu time, sabia os anos dos títulos nacionais e internacionais que foram conquistados, sabia a vida íntima dos jogadores e do técnico, conseguia ter mais argumentos que qualquer gremista sobre futebol e, principalmente, sobre o Gre-Nal. Pode parecer impossível, mas ele conseguia convencer o mais fanático tricolor a vestir a camiseta nove do Inter. Era humilde e um piadista nato. Gostava de um trago, pois ninguém é de ferro. Tão certo quanto o nascer do Sol no dia seguinte eram os churrascos dominicais em sua garagem. Tinha olhos de águia e sorriso de Mona Lisa. E era gente fina pra caralho...
Uma vez ajudou um amigo a esconder seu carro. Disse que precisava por um tempo mantê-lo longe das ruas.

                - Mas não é roubado, né?
                - Não, não... Pode ficar tranquilo.
                - Não me arranja encrenca... Deixa ele ali na garagem.
                - Muito obrigado!
           - Mas todo Domingo tu tem que dar um jeito! Eu tenho que ter meu churrasquinho, não é? – começou a rir.
                - Perfeito!

Só que na garagem havia o carro da família. O amigo dele arrombou o carro da família para poder manobrá-lo, afim de que os dois carros pudessem caber na pequena garagem usada para reuniões familiares.  Ele arrombou, ligou, tirou da garagem, estacionou fora e saiu; entrou no dele, ligou, colocou na garagem e saiu; voltou a entrar no carro da família, ligou e estacionou apertadamente, fazendo um ficar atrás do outro na garagem do churrasco.

Como dissemos, era gente fina.

Certo dia adoeceu. Câncer. Os médicos diziam que ele não conseguiria sobreviver por muito tempo. Se a químio resolvesse algo, teria que viver entubado, praticamente. Quando ele foi avisado pelos profissionais da saúde sobre seu prognóstico, ele virou o rosto para a parede em silêncio e abanou com a mão pedindo para saírem. Fazia muito que não tinha seu churrasco, seus gritos e risadas com os amigos e sua cerveja gelada nos finais de semana de Inter contra algum time do Sudeste do Brasil. Apesar da situação: sem voz, fraco, magro e anêmico, fazia questão de ver seu futebol na televisão do quarto do hospital. Porém, não conseguia mais comemorar o gol com o mesmo entusiasmo que antes. Agora, um leve acenar da cabeça satisfeito pagava a dívida.

Dois meses se passaram. Os médicos haviam mudado de prognóstico como uma mulher muda de sapatos. “Instável” passou a ser o seu apelido. Talvez mais duas semanas. O Inter havia se classificado para a final do Gauchão. Era uma final contra o Grêmio. Todo gremista ou colorado de respeito sabe que Gre-Nal na final de um Gauchão é guerra, tchê. Peleia braba. De faca! Mas ele andava muito fraco para essas coisas... É, não seria a mesma coisa.

Apesar de Domingo ser a final, os médicos disseram que ele não passaria de Sábado. Na tarde de Domingo, todos estavam inseguros e temerosos pela notícia. Mas ele continuava “instável”. Aliás, para alguém com esse quadro, ele até ficou “estável”. Filhos, primos, amigos distantes foram visitá-lo para conversarem. Para se despedirem, de fato. Um último momento em busca daquela lembrança que só quem viveu entende. Aquele desespero de saber que o melhor filme que vimos está chegando ao fim. Um amigo seu estava contando da vida para ele. Parecia uma confissão: o amigo sentado na cadeira de cabeça baixa e cotovelos apoiados nas pernas conversando e ele deitado na cama, cheio de máscaras e tubos. De repente, ele se mexe.  A mão fraca e balançante aponta para seu amigo. Ele logo pega um lápis e uma folha de papel (método sugerido pelos médicos para manterem uma comunicação entre ele) e entrega ao doente. Seu amigo se espicha para poder ver melhor o que ele estava escrevendo.

                - Gol? – ele repete em voz alta. – Seu colorado filho da puta, tu aí morrendo e se preocupando com a final do Gauchão?

Não houve resposta. Os olhos cinza e brilhantes do “colorado filho da puta” olhavam para seu amigo como se fosse um último pedido. Uma súplica. Então, seu amigo ligou a televisão. Estava no segundo tempo. Jogo empatado: 1 X 1.

No outro dia, a notícia dos médicos faz todos os telefones da família gritarem:

                - Morreu?
                - Então, morreu?
                - Como assim “morreu” !?
                - Hein?

No velório, mistura de conversa sobre o falecido e sobre a arbitragem do Gre-Nal. Alguns comentários eram sobre a força do homem; outros, sobre a teimosia e sobre o fanatismo. Os médicos haviam dito que ele não passaria de Sábado. Domingo estava vivo e alegre vendo seu time ser campeão do Gauchão. Segunda-feira, às quatro horas da manhã, estava morto. Se ele era ou não o colorado mais fanático que eu já vi, não sei, só sei que a Morte não liga para gostos políticos, religiosos e futebolísticos. Antes de ser enterrado, conforme escrito no testamento, seu caixão foi coberto com a bandeira do Internacional ao som do Hino do clube.

“Glória ao desporto nacional...”               


Matheus I. Mazzochi


terça-feira, dezembro 11

As Incríveis Histórias da Odisseia Kung Fu - Parte I

                Era um dia chuvoso como aquele que nunca acaba. Era como aquele que não dava vontade de olhar para a janela e ver o cinza dos céus e seu reflexo na água. Estava tão nublado e chuvoso que mal consigo lembrar da data. O que importa é que foi nesse dia em que ele recebera a visita de um forasteiro que batera em sua porta de madeira. O homem estava encharcado e precisava de ajuda. Ele ficara surpreso, mas o ajudou, claro! Apresentou os chinelos, a toalha e deixou as coisas do estranho no local mais quente da casa: a sua cama. Ofereceu-lhe um chá quente para a alma. O estranho aceitou sem abrir seus olhos. Estava com muito frio para tanto, talvez. A água fora aquecida e as folhas das plantas que se banhavam de sol, quando ele aparecia, na janela, ficaram boiando como mulheres tomando banho de sol sobre uma cama inflável na água. Feito o chá, os dois começaram a tomar em silêncio.
               O estranho ainda não abrira os olhos. Deveria estar com muito frio ou não queria que a fumaça quente entrasse neles. Após os primeiros goles, alma quente e peito aquecido, o estranho agradecera a gentileza e dissera vir de muito longe para falar com ele. 
                Surpresa. 
                O anfitrião perguntara o motivo. O estranho homem tomou um gole do chá como se não estivesse ouvido. Calmamente descansou a xícara e pressionou seus lábios, lambendo o que restara do chá.

                - Sou discípulo de um respeitoso mestre Kung Fu à procura de uma pessoa boa o bastante.

                A-há! Então ele era chinês! Por isso não abria os olhos! Pensou ele sem demonstrar sua fútil preocupação.

                - Passei por portas que jamais conseguiria calcular quantas de tantas que foram, mas apenas uma deu-me abrigo.
                Mal sabia o china que ele abrira a porta para reclamar das batidas, pois haviam acordado do sono gostoso que só existe quando chove.

                - Meus agradecimentos. – levemente elevou a xícara de chá, como se fosse fazer um brinde à atitude do rapaz.
                Ele sorriu um sorriso amarelo. 

             O chinês terminou de tomar o chá e perguntou se o rapaz gostaria de embarcar em uma viagem que mudaria sua vida. Ele achou uma boa, visto que estava tudo na mesma merda. O china quase abriu um de seus olhos.
                - Então eu vou lhe contar o que deverás fazer.

              E como se todo o peso do mundo caísse sobre seus ombros, ele olhara por cima dos ombros do chinês para a cama que estava atrás e pensara que aquele fora o último cochilo monótono de sua vida.

Matheus I. Mazzochi

terça-feira, novembro 27

Diário de Campo

Diário de Campo.

Quarta-feira, primeiro dia.

7 horas da manhã.

Chovendo...

Desci do ônibus mais pastoso que cuspe de bêbado. Dia de chuva na cidade é assim. Já deveria estar acostumado. Aquele bafo dentro e as pessoas inteligentes fechando a janela para não entrar água da chuva. Morrem sufocadas. Isso quando não morrem por terem pegado algum vírus ou bactéria pela situação. Pessoas. Fenômenos incoerentes e hipócritas que vivem se metamorfoseando durante sua duração existencial nesse plano. Nossa, isso foi profundo. Provavelmente li em algum lugar. Em uma revista velha na barbearia. Mas eu estava falando do ônibus. É sempre assim, apesar de dizerem que vai mudar. Ano de eleição. Pergunto como vai mudar se não mudou nem o Prefeito. Cheguei no meu local de estágio. Atravessei a rua correndo. Olhei para os dois lados, para cima e para trás antes de atravessar a rua. Nunca se sabe se  vai cair um piano ou alguém vai te pegar pelas costas e te assaltar no contra pé. Eu vivo na cidade. É isso aí, neném. Uma hora tão sorrindo, noutra hora tu tá sem carteira e noutra hora a passagem subiu. De novo. É tão regular quanto menstruação. Bem que podiam engravidar com a cidade, para não dizer outra coisa. Atravessei com segurança e decidi caminhar até o prédio onde ia começar minha observação. O lugar era escuro e sombrio. Não pagaram a conta de luz. Típico local para se cometer um assassinato. É... Eu conheço exatamente o tipinho. Qualquer canto escuro é o palco para o açougueiro. Nada contra açougueiros. Gosto deles. Menos quando pegam a carne com a mão suada.  Encontrei uma mulher de jaleco e me apresentei. Ela virou-se da mesma forma que as mulheres nos filmes se viram quando são chamadas, só que sem aquela beleza sensual e a trilha sonora. Ela estava de mal humor. Dava para ver pelo seu cabelo. Uma mulher com aquele cabelo só poderia estar de mal humor. Mal cuidado. Pensei que ela também tivesse pegado um ônibus para chegar ali. Ela disse um monte de coisas incompreensíveis. Falava rápido demais e para dentro. Acho que tinha pedido para eu esperar. Ou perguntou meu nome, não sei. Fiquei quieto olhando para ela com cara de durão. Aquela cara do Clint Eastwood em seus filmes. Ele é durão. Só que eu mais parecia um cachorro mostrando os dentes. Ela nem deu bola. Me ignorou. Na verdade, se fez de difícil. As mulheres fazem isso. Acho que gostou de mim. Ela era corcunda e mancava ao caminhar. Babava e oscilava o tom da fala. Também repetia o que dizia. Sanduíche-iche-iche. Ecolalia, dizem. Eu tinha estudado. Precisava, senão iria pegar recuperação na única cadeira que não tinha prova de recuperação. Ninguém nunca pegara e o professor havia me ajudado. Cara legal. Ele ia gostar de analisar essa mulher. Depois fui descobrir que era a minha supervisora do local de estágio. Pois é. É a vida: ela dá voltas e é bonita, é bonita, é bonita...
Ela voltou e fez um gesto pro lado com a cabeça que eu achei que ela havia deslocado. Na verdade mexeu pro lado pedindo para eu segui-la. Sou rápido nas observações. Mais rápido que notícia ruim. Nada escapa aos meus olhos. Às vezes, fico tonto, mas logo me acostumo. Contou-me do caso. Paciente fodido pra caralho. Senti pena, mas não chorei. Sou um cara durão. O nome dele era horrível. Coitado. Não posso dizer. A tal da ética. Acho bacana ser ético. Dá moral e traz um gosto único na alma quando burlamos algo. Adrenalina. Perigo. Tensão. Adoro tudo isso. Por isso, pego ônibus. É... Dizem que vão aumentar de novo a passagem. Essa tal de menstruação... 

Matheus Iglessias Mazzochi


domingo, novembro 18

Xangri-lá

O Sol se põe no Ocidente.
Se põe no Ocidente,
Para poder se curvar.

Ele reina durante o dia
E depois se põe no Ocidente,
No Ocidente, para a noite começar.

O Rei que reuinou por doze horas
- Meio-dia, meia vida -
Se curva no Ocidente.
Como se algo maior fosse
Vir do Oriente.
Maior que o Sol
Que se põe no Ocidente.

Até mesmo o Astro Rei,
Que nos dá vida,
Que nos dá energia,
Que nos tira da escuridão,
Tem o seu momento de se curvar.

E isso não é feio não.
A humildade está no céu.
Está no Universo.
Tribunal onde sou réu.
Estrofe onde sou verso,

O Sol se põe no Ocidente,
Venerando o Oriente
E a noite que está para chegar.
Amanhã ele volta.
Amanhã ele volta.
Para nos ensinar

De novo.

Matheus I. Mazzochi
(13.02.2012) Em viagem para Xangri-lá



terça-feira, novembro 6

Os Dois Cavaleiros que Encararam a Verdade.

Era uma vez, dois cavaleiros (Ou melhor seria "eram duas vezes um cavaleiro"?).

Os dois cavaleiros viviam e desbravavam  juntos o mundo desconhecido. Um salvara a vida do outro quando foram pegos em uma emboscada de ladrões que se escondiam na floresta e desde então ficaram amigos. Inúmeras oportunidades surgiram para retribuírem à gentileza do ato nobre da salvação e para a balança ficar ao nível da igualdade, mas nunca a amizade fora posta à prova como nesta vez. Eram dois cavaleiros que dividiam tudo: segredos, confissões, medos, alegrias, sonhos, decepções, passado, presente e futuro.
Até que um dia encontraram um velho.
O Velho vestia uma longa capa vermelha e possuía um capuz que impedia seu rosto enrugado de ser visto, deixando, apenas, aparecer sua boca, onde escondia seis ou sete dentes amarelados. Os dois homens pararam seus cavalos e perguntaram o que um senhor como ele estava fazendo pelos bosques perigosos. O Velho dissera estar procurando um tesouro há anos. Os nobres cavaleiros se olharam seriamente e depois de um breve momento de silêncio um deles perguntara que tipo de tesouro era. Mostrando seus sete dentes (Eram sete mesmo! Vejam só!) no que seria um sorriso (se tivesse todos), o Velho dissera que era um tesouro muito especial, daqueles que se leva uma vida inteira para  procurar, caso tenha sido perdido ou roubado.
O outro cavaleiro perguntara ao ancião se ele estava com fome ou com sede, mas o misterioso velhinho não conseguira escutar, pois seu companheiro havia perguntado se ele sabia onde estava o tesouro. O Velho respondeu que sabia, só que estava ficando cansado de tanto caminhar. O cavaleiro interessado olhou para seu companheiro sério e dissera que poderia dar carona. Seu amigo nada respondera, voltando-se a olhar para o banguela de olhos claros.

- Oh! Bem se vê que são nobres cavaleiros. - concluíra em voz alta o antigo homem, indo em direção ao cavalo para subir e aproveitar a generosa carona.

Foi assim que os dois cavaleiros mudaram seus rumos planejados e decidiram ajudar o estranho desconhecido na busca de seu tesouro. Um dos cavaleiros manteve-se em silêncio, sempre atento a olhar para os lados, temendo ser surpreendido por inimigos; o outro, que estava dando carona, ficava perguntando ao homem na busca de saber mais e mais sobre o tesouro que se valia a pena levar a vida inteira para procurar.

- Mas, bom senhor, de que tipo de tesouro  estamos falando? - perguntara insistentemente o cavaleiro interessado.

- Daqueles que se leva uma vida inteira para procurar! - respondera o velho, todo sorridente e  faceiro por não precisar mais caminhar.

- Isso eu entendi, mas há inúmeros tesouros que podemos largar tudo, até a vida, para encontrá-lo, mas depende de sua importância para quem o busca.

- Exatamente!

- E é isso que quero saber: é um baú de moedas, é uma filha raptada, um lote saqueado? O que seria esse tesouro tão importante?

- Não deixe que esse interesse baixe sua guarda, irmão. - alertara seriamente seu colega. - esta neblina é tão fechada e tenebrosa que mal conseguimos olhar para o que está a nossa frente.

O velho rira.
Com o passar do tempo da jornada desconhecida e sombria, o curioso cavaleiro ficara conversando com o velho senhor sobre sua busca, enquanto que seu amigo ficara em silêncio e na frente. A névoa, densa como a parede que encurrala, permitia que só as árvores mais próximas fossem vistas. O barulho das folhas secas e da terra mexida pelas patas dos cavalos era o único som, além do diálogo entre o ambicioso cavaleiro e seu carona,claro. A cor do cavalo branco do cavaleiro da frente era misturada pela névoa, dando a impressão de que o honroso homem estava flutuando pelo bosque. O contraste das sujas patas do cavalo de seu irmão de ordem atrás era a única preocupação, pois se tornaria alvo fácil de identificação. Desde que eles começaram a jornada, não tiveram tempo para limpar seus animais, apesar do cavalo de trás ser o mais sujo em comparação ao da frente. Até que acharam uma lagoa.
Vendo seu amigo mudar a rota em direção à lagoa, o cavaleiro perguntara o que estava acontecendo.

- Ele precisa de um pouco de água. - respondera seu irmão ao apear do cavalo.

- Mas e o tesouro? - retrucara, com o velho quieto sentado atrás dele.

O nobre cavaleiro olhara seu companheiro de cima para baixo e dissera:

- E o perigo? Pode ser perigoso continuar a seguir num caminho desconhecido, cansando nossos cavalos. Vamos aproveitar para limpar suas patas?

- Não entendi teu tom. - e virando-se para o velho. - Meu bom senhor, desculpe-me pelo comportamento de meu colega.

- Não,não! - rindo-se o velho - Acho que ele tem razão. E melhor: acho que está aqui meu maravilhoso tesouro!

Os olhos do cavaleiro brilharam. Não conseguindo conter sua luxúria,  perguntara se era de fato verdade. O velho confirmara. O outro cavaleiro pouco escutara, pois estava ocupado verificando a área ao redor e voltando para passar uma água ao seu belo cavalo. Os dois desmontaram do cavalo. O velho homem andara em direção ao lago, com o cavaleiro o seguindo feito sombra, e, junto do outro cavaleiro, dissera ter encontrado o que tanto buscara.

- E o que é? Vamos! Diga-nos! - apressava o cavaleiro, que de tão ansioso, esquecera seu cavalo sujo ao lado da árvore. O pobre bicho andara lentamente até a lagoa para poder beber um pouco, visto que seu dono esquecera de deixá-lo mais por perto.

O velho em ar de suspense olhara para o outro cavaleiro e, com sorriso fechado de orelha a orelha, convidara:

- Venham. Está na lagoa.

Um olhara quase que caindo nela; o outro, virara-se com a mão na espada embainhada, temendo surpresas.
Estavam os três contemplando a lagoa. Aos poucos, a neblina ia se condensando e revelando uma infinita e maior lagoa. O reflexo dos três rostos podia ser visto.

- Estão vendo? - perguntara o velho.

Um cavaleiro mante-se a olhar os reflexos em silêncio, como se estivesse vendo aqueles rostos pela primeira vez; o outro, entretanto, ficara mais inquieto.

- Vendo o quê? Não há nada além de nossos reflexos, velho homem!

- Continuem vendo.

A lagoa mostrava o rosto do cavaleiro mudando exatamente como o de uma pessoa que se frustara e perdia a paciência.

- Meu bom homem, nós fizemos a maior gentileza em acolhe-lo e em dar-te companhia, segurança e transporte. Auxiliamos sua busca pelo seu tesouro que não existe! Poderia ter nos falado antes que era uma lagoa. Ainda bem que não fomos atacados!

- Estas escutando suas próprias palavras? - respondera seu colega, intrometendo-se. - Sabes muito bem que não o ajudamos esperando algo em troca. Não faz parte de nossa conduta e muito menos de nossas expectativas. Abrimos mão dessa vaidade quando selamos nosso juramento.

- Eu estou escutando minhas palavras, sim. Não vejo motivo de seres tão rude. Passamos perigo e tu não deves negar isso, pois estavas mais preocupado que todos nós! Desde o início não lhe agradara essa mudança de planos e não fizestes questão de ser gentil ao pobre velho! Sabes tanto quanto eu que isso é verdade e serás um mentiroso ao negar tudo!

- Não serei mentiroso, pois tudo o que falastes é verdade. Mas será que és tão honesto contigo mesmo ao ponto de me dizeres que não ajudou o velho por ele, mas por ti? Não fui eu quem ficara perguntando qual o tesouro e como ele era. Minha maior preocupação era se o pobre homem havia bebido ou comido e não se poderia partilhar o tesouro.

- Não acredito no estás me dizendo...

- Olhe para a lagoa,então! - terminara de falar seu companheiro.

O velho observara sorrindo a cena e decidira interromper assim que notara que tudo havia sido dito.

- Eu não só encontrei meu tesouro como o partilhei.

- E que diabos era esse tesouro, velho bobo? - perguntara o luxurioso cavaleiro, enquanto seu colega o observava com seus olhos tristes e decepcionados, como se estivesse conhecendo seu companheiro e confidente de anos, naquele exato momento.

- A verdade.

E ao dizer essas palavras, os dois cavaleiros notaram que o velho sumira em volto à neblina e que a lagoa estava tão espelhada e reluzente que a luz do sol refletia incendiantemente a armadura do cavaleiro triste e
as sujeiras na de seu antigo companheiro.


 Matheus I. Mazzochi












terça-feira, outubro 9

Não Existe Gaúcho Homossexual.

"Coojornal - Qual a sua explicação para o veadismo que campeia no Rio Grande?

AB- Não quero falar mal, mas tem entrado muito uruguaio no Rio Grande ultimamente... E é preciso entender que gaúcho marica sempre houve. Tem gaúcho aí sem bigode e de costeleta curta como estribo de anão que nem por isso é veado. Se bem que tá ALI. Marica é marica. Nem todo mundo corta unha com facão. Agora, esse negócio de homossexualismo é frescura. Uma vez um índio velho que eu tava analisando disse que tinha se apaixonado por mim. A tal de transferência. O Freud disse que devia se deixar sempre um revólver carregado à mão para os casos extremos. E o índio velho era macho de três culhões, tchê. Seu perfume era francês: o Chirac depois do cuper. Disse que tava apaixonado por mim. Eu disse "Não tá". Ele disse "Tou". Eu disse "Te fecha". Ele disse "Mas é verdade". Eu disse "Quer parar de falar e prestar atenção na música? Tu tá pisando nos meus pés". Mas um mês depois tava curado. É verdade que insistiu em ficar com três cabelos do meu peito para guardar num livro do Vinicius. Mas hoje tá emprenhando até china de delegado. Não existe gaúcho homossexual. Existe bageense que não deu certo."


Veríssimo, Luís Fernando:  Todas as Histórias do Analista de Bagé. 
Ed.:Objetiva, 2002

terça-feira, setembro 18

Ele queria escrever um conto de terror,
Mas não sabia como começar.
Pensando melhor, devo supor,
Nem sabia como assustar.

Matheus I. Mazzochi

segunda-feira, setembro 3

Ele vivia escrevendo.

   Ele vivia escrevendo. Não interessava a hora, não interessava o dia: ele vivia escrevendo. Se chovia, ele escrevia sobre a beleza e a maravilha de escrever ao som do pingolejar das gotas d'água nas folhas, no chão, nos aparelhos de ar-condicionado; Se fazia sol, ele adorava escrever ao som do cântico dos pássaros nas árvores, sobre o azul do céu infinito e sobre as cortinas de luz que entravam em seu quarto pela janela semi aberta.
   Seja em seu computador, seja em seu caderno preto dado pela sua namorada exatamente para isso, seja nas últimas folhas de seu caderno universitário que deveriam conter as várias teorias de vislumbre humano, ele escrevia e rabiscava algo. Muitos dos rabiscos nem saíam de sua mente. Dos que saíam, poucos ele mantinha vivos. E mesmo depois de salvar na pasta, mesmo depois de escrever o "OK" ao lado do verso, mesmo depois de publicá-lo em seu Blog, ele mantinha aquele pensamento de que poderia ter saído melhor....e não saía. Mesmo com os elogios, mesmo com a consciência limpa, mesmo com a vontade, naquele momento, sanada, ele vivia pensando que poderia fazer melhor. Melhor pra quê? Melhor pra quem? Pra ele, deus! Ele vivia escrevendo e não se contentava com aquilo. Buscava inspiração em novas obras, em antigas obras, em novos gêneros, em novas técnicas, em tudo! Chegou ao ponto de pensar em escrever sobre a inêrcia de sua rua num Domingo chuvoso. Nunca saiu de sua mente, não achava bom o bastante...
   Ele vivia pensando em escrever, pois o pensar era algo que o mantinha vivo e a escrita o fazia pensar. Cada imaginação nova, cada "e se eu fizer assim?" era uma nova respiração, um novo prato de comida para a alma!
   Ele vivia escrevendo, porque o escrever é criar algo e criar algo é se tornar criador e se tornar criador é se tornar um deus.

Matheus I. Mazzochi 

sexta-feira, agosto 17

... De que aquilo levaria um tempão...

"O estudo começou para mim aos cinco anos de idade, na Escola Primária da Igreja Anglicana de Ripley, situada em um prédio de pedra ao lado da igreja da aldeia. Do outro lado ficava o salão da vila, onde frequentei a catequese e ouvi pela primeira vez muitos dos antigos e lindos cânticos ingleses, dos quais meu favorito era 'Jesus Bids Us Shine'. De início fiquei bastante feliz por ir à escola. A maioria dos garotos que morava no parque perto de nós começou na mesma época, mas, à media que os meses passaram, e me dei conta de que aquilo levaria um tempão, comecei a me apavorar."

                                                                          Eric Clapton, A Autobiografia.
                                                                                    Ed.: Planeta, 2007

terça-feira, junho 26

Alumbramento

Eu vi os céus! Eu vi os céus!
Oh, essa angélica brancura
Sem tristes pejos e sem véus!

Nem uma nuvem de amargura
Vem a alma desassossegar.
E sinto-a bela...e sinto-a pura...

Eu vi nevar! Eu vi nevar!
Oh, cristalizações da bruma
A amortalhar, a cintilar.

Eu vi o mar! Lírios de espuma
Vinham desabrochar à flor
Da água que o vento desapruma...

Eu vi a estrela do pastor...
Vi a licorne alvinitente!...
Vi... vi o rastro do senhor!...

E vi a Via Láctea ardente...
Vi comunhões... capelas...véus...
Súbito... alucinadamente...

Vi carros triunfais... troféus...
Pérolas grandes como a lua...
Eu vi os céus! Eu vi os céus!

- Eu vi-a nua... toda nua!


                                                           Clavadel, 1913 
                                          [Estrela da Vida Inteira, Manuela Bandeira]

terça-feira, junho 19

É Necessário Estar Sempre Bêbado

"É necessário estar sempre bêbado. Tudo se reduz a isso: eis o único problema. Para não sentirdes o fardo horrível do tempo, que vos abate e vos faz pender para a terra, é preciso que vos embriagueis sem cessar. Mas - de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, como achardes melhor. Contanto que vos embriagueis. E, se algumas vezes, nos degraus de um palácio, na verde relva de um fosso, na desolada solidão do vosso quarto, despertardes, com a embriaguez já atenuada ou desaparecida, perguntai ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que fala, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai-lhes que horas são; e o vento, e a vaga, e a estrela, e o pássaro, e o relógio, hão de responder: - É a hora de embriagar-se! Para não serdes os martirizados escravos do tempo, embriagai-vos; embriagai-vos sem tréguas! De vinho, de poesia ou de virtude, como achardes melhor."
     
                                                                                         Baudelaire (1869)

                             

sexta-feira, junho 15

Tinha que ser o Velhinho


           Um caminhoneiro, bem velhinho, estava manobrando seu caminhão cheio de entulhos de obras na caçamba para sair da Universidade. Para sair, ele deveria manobrá-lo de uma maneira delicada, pois a largura e a altura do espaço eram bem estreitas, mas permitindo que o caminhão conseguisse passar mesmo assim. Afinal, ele entrou por ali. Eram três colunas de sustentação à esquerda e à direita totalizando seis colunas. Naquele espaço, também, ocorre o trânsito dos funcionários, estudantes e professores que entram e saem da Universidade com tamanha frequência em direção à Santa Casa.
A odisséia começou quando ele manobrou seu caminhão laranja, também velho e vivido, para sair e notou que não conseguiria, pois havia um carro de um funcionário impedindo ainda mais o caminho. Da forma como ele fora estacionado, o espaço para o caminhão passar ficara mais estreito ainda. O suficiente para o caminhão não conseguir passar e o velhinho coçar a sua cabeça cheia de cabelos brancos.
Ele desligou o caminhão. Abriu a porta. Saiu. Era tão pequeno que quando abriu a porta para sair, não o via-se, viam-se suas pequeninas botas pretas tocando o chão. Quando ele bateu a porta, tinha cerca de 1,50 cm. Ficou parado analisando o problema. Seus lábios balbuciaram algo. Provavelmente algum comentário espirituoso sobre a situação. Coçou a cabeça e andou até os pilares. Olhou pra cima, olhou pra baixo, olhou pros lados. Virou-se até o carro e voltou a olhar para os pilares. Ficou parado se perguntando o que poderia fazer. Decidiu tomar uma atitude: foi até o carro, parou do lado dele e deu passos bem largos até o pilar da direita. Eram duas passadas e mais um meio pé dele. O velhinho já era pequeno, que dirá suas passadas! Voltou a coçar a cabeça e a resmungar. Olhou pro caminhão e pro espaço estreito. Seus olhos eram de quem não sabia o que fazer.
Encostado no caminhão laranja, de braços cruzados, pensou e pensou. Pensou tanto que parecia que nunca havia pensado na vida. Parecia que fazia algo novo. Deu um tapa na sua coxa e foi até a portaria falar com alguém. Explicou a situação. Mostrou o seu tempo. Precisava sair dali o quanto antes. A portaria pediu para um dos seguranças acompanharem-no. O velhinho não pareceu satisfeito. Não era isso!
O segurança foi até a cena da ópera e perguntou qual era o problema. O velhinho mostrou de braços abertos como se abraçasse o ar o que estava acontecendo (Como se fosse óbvio, apesar de ser!). O segurança perguntou se ele não conseguiria passar por ali. O velhinho negou. O segurança insistiu. O velhinho, numa tentativa empírica, demonstrou com suas passadas pequenas que não havia espaço. O segurança concordou. Os dois voltaram à portaria. O porteiro, o segurança e o velhinho, voltaram à cena...
O velhinho, junto com o segurança, explicou o que estava acontecendo. O porteiro perguntou se ele não conseguiria passar. O velhinho, não acreditando, decidiu mostrar as passadas novamente. O porteiro concordou. Ele também perguntou de quem era aquele carro. O velhinho negou com a cabeça. Não sabia. O segurança pegou seu rádio e mandou chamar alguém. Pediram para o pequeno senhor esperar, pois iriam fazer algo. Ele disse que tinha um tempo a seguir e os outros dois nada falaram. Deixaram-no ali esperando.
O pobre velhinho continuava preocupado com o seu caminhão atravancando o caminho. Em um gesto de esperança, desespero ou dúvida, talvez, ele voltou a contar os passos e a comparar com o tamanho do caminhão. Eis que para melhorar a história, surge uma van. O velhinho dá sinal para voltarem, mas não o obedecem. Param a van atrás do carro e no caminho da saída e dizem para ele tirar o caminhão dali. O velhinho explica a situação. Os motoristas saem dela se rindo e falam que deixarão a van estacionada ali. Ele chega a avisar que já está chegando o dono do carro. Os motoristas se riem e falam para o velhinho ficar calmo que eles serão rápidos. Quando saem cada um para fazerem a entrega, escutam-se suas risadas e seus comentários ridicularizando o velho. Ele coça a cabeça e suspira.
O segurança e o porteiro chamaram o motorista do carro que estava na frente da van, explicaram a situação e o motorista reclamou dizendo que o velho que era o chato. O segurança e o porteiro concordaram. Chegando lá fora, cumprimentam o velhinho e o motorista abre a porta do carro. O velhinho pede desculpas pelo transtorno e avisa que de nada adianta agora, pois os motoristas da van a estacionaram do outro lado da saída. O carro do motorista ficava entre a van e o caminhão. O motorista irritou-se e disse que esperaria pouco tempo, pois é um homem ocupado. O porteiro sumira e o segurança ficara olhando a cena quieto. O velhinho foi até o porteiro pedir para ele ajuda-lo a procurar os motoristas da van e este só disse que teriam que esperar. O velhinho coçou sua cabeça e voltou para seu caminhão velho.
Seu chefe ligou. Ele atendeu o celular e explicou o que estava acontecendo. Foi xingado pelo patrão e as pessoas que ficaram ao redor olhando, começavam a rir da situação e a falar quão enrolada ela era. Cada um dava seu palpite, sua análise, seu parecer e explicava, resumidamente, para quem chegava atrasado, o que estava acontecendo.
Eis que os motoristas chegaram. Entraram na van e tiraram-na. O motorista ocupado do carro entrou e fez o mesmo. O velhinho imitou, ligou o motor velho. Barulho, fumaça e desânimo pairaram no ar. Ele manobrou com calma. Girou o volante pra cá e pra lá. A roda fazia o mesmo. De fato, o lugar era muito estreito e o carro atrapalhara. Foi indo aos poucos, lentamente. Quando estava quase na saída, uma das placas de entulho que ele levava atrás do caminhão prendera no último pilar. Bateu um pouco e tirou um pequeno pedaço dele. Todos que assistiam gritaram rindo-se para o velhinho parar. Ele desligou o motor, saiu do caminhão, olhou pra cena, colocou as mãos na cabeça e suspirou.
No meio das risadas, o segurança falou a alguém:

- Ta vendo...(bufou)...Óbvio que tinha que ser o velhinho.


Matheus I. Mazzochi

sexta-feira, maio 18

Todos os Homens são Iguais por Trás de uma Mulher


Uma morena de 1,75 metros caminha pelas ruas da Independência independentemente.
Bonita, segura, sensual, ela vaga adiante com seus sonhos e com seus desejos ocultos à espera de alguém para realizá-los ou de uma oportunidade para tal. Afinal, ela é independente.
Atravessando a rua, passa por um empresário que saía de sua pausa para o almoço e por um papeleiro ajeitando o papelão catado, para colocar de maneira uniforme em sua carroça.

Ela passa por entre os dois.

Os dois olham para trás e o papeleiro deixa escapar:

- Jésus...

O empresário sorri e olha para o papeleiro. Na troca de olhar, os dois homens pensaram na mesma coisa, riram da mesma coisa e notaram que são a mesma coisa.

Todos os homens são iguais por trás de uma mulher.

Matheus I. Mazzochi

segunda-feira, maio 7

Faça um Sorriso Quanto fores Tirar uma Foto

Faça um sorriso quando fores tirar uma foto. Ele ficará lá pela eternidade.
Quando vemos uma fotografia, sentimos nostalgia.
Algumas delas nos trazem lembranças boas; outras, não tão boas assim.
Ao olhar para uma foto, estamos olhando para o passado. O nosso passado. O passado de nossa vida.
Naquela imagem de tanto por tanto, estamos vendo, por outro ângulo, que vivemos num determinado momento congelado e registrado para todo o sempre.
A foto é uma máquina do tempo.
Quando olho para meus olhos jovens, vejo-me a mim mesmo do passado.
Quando olho para a máquina de tirar fotos, vejo-me a mim mesmo do futuro.
Por isso, faça um sorriso quando fores tirar uma foto. Encare a lente da câmera e imagine estar olhando para o futuro. (Pois estará). Olhe para aquela máquina e foque bem o olhar. Imagine que ela tenha uma alma e tente enxergá-la.

Faça um sorriso.
Não, um sorriso de verdade.
Isso!
Muito bem! Agora olha pra cá!
Que lindo sorriso!

Pronto...ficou registrado.
Daqui há uns anos, quando olhares para essa foto, verás um jovem sorridente te olhando nos olhos. Parece estar dizendo "Eu estou feliz!".
Lembremos de como éramos felizes? Lembremos de sermos felizes.

Por isso, faça um belo sorriso quando fores tirar uma foto. Estarás dizendo pra ti mesmo, daqui uns anos, o quão feliz foste.

Sorria para o Futuro e veja quão feliz foi teu Passado.

Matheus I. Mazzochi


sexta-feira, maio 4

O Casamento é Duro

O casamento é duro. 
O casamento é duro demais. 
O casamento é tão duro, que o Nelson Mandela pediu o divórcio. 
O Nelson Mandela passou 27 anos em uma prisão sul africana, foi espancado e torturado todos os dias durante 27 anos, e aguentou isso sem nenhum problema. Obrigado a fazer trabalhos forçados debaixo do calor africano de 38º graus durante 27 anos, e aguentou numa boa. 
Ele saiu da prisão depois de 27 anos de tortura, passou seis meses com a sua mulher e disse: 'Eu não aguento mais isso!'"


Chris Rock

segunda-feira, abril 30

Uma Aparição

    Outro dia com chuva.
    Embaixo de seu guarda-chuva, o trabalhador pensava em seus problemas. Ele visualizava em sua mente as suas tarefas pendentes e criava hipóteses para resolvê-las. Sua neurose tomava conta de seu ser. Quando o estímulo era forte o suficiente, chegava a verbalizar. Falava sozinho nas ruas molhadas e tristes da cidade. Sentia-se o penado. Estava com uma culpa misturada com angustia e indignação com a vida. Seus pés molhados pelas poças d'água ficavam gelados e o frio fincava em seu osso. Sentia-se merecedor desse frio e dessa dor. Estava triste. A vida perdera sua importância.
    Passa um ônibus. Levanta a onda fria da água acumulada na calçada. Agora suas pernas e parte de seu peito estão molhados. Parecia o fim das contas.
    Uma mão quente pousa sobre seu ombro e uma voz amigável é ouvida:
   
- E aí, meu companheiro! Será que chove?

    Riem da situação. O homem desconhecido estava sem guarda-chuva e completamente ensopado. Com sorriso sincero e olhos brilhando, o desconhecido aperta o passo para não se molhar mais e, com a pasta sobre sua cabeça protegendo-o, atravessa a rua e some por entre a multidão de pessoas que vagam pelo centro da cidade.

 - Será que chove? Meu deus, estava caindo o mundo e o homem me pergunta isso. Que humor. Que ironia. Que palhaço.

   Começa a rir sozinho. Escancara os lábios e o sorriso branco ilumina seu caminho. Começa a sentir algo quente por dentro que o faz esquecer dos pés frios e gélidos.

   - Será que chove? Acho que não, tem poucas nuvens no céu.

  Agora fala sozinho, só que não reclamando da vida, mas rindo dela. Reflete sobre o que acontecera.
Ele reclamando da vida e acontece isso. O que fez aquele ser humano agir daquela maneira? O que o motivou a fazer aquilo? Como é a vida dele? Ele realmente existiu?

E refletindo sobre a aparição do desconhecido e sobre o efeito que ele fez em si, começa a crer que Deus ou anjos não são aquelas representações físicas e carnais que aprendemos por aí, eles podem existir e estar em qualquer lugar.

Os deuses e os anjos somos nós.

Matheus I. Mazzochi 

quarta-feira, abril 25

Yo No Creo en Brujas Pero que Las Hay...

   Foi apenas um final de semana chuvoso. E foi nele que algo estranho aconteceu. Sabem quando a rotina fica a mesma e que prever a rotina já faz parte da rotina? Em momentos assim, acreditem, as coisas podem mudar.
   Como começamos, foi apenas em um final de semana chuvoso de um dia qualquer, em um ano qualquer, que aconteceu algo paranormal em um lugar qualquer. Era um prédio de mais de cem anos que tinha três andares: no primeiro, havia a sala de recepção na frente com a cozinha atrás após um longo corredor; no segundo, havia um salão para reuniões formais; e no terceiro, havia uma bela sala que expunha obras de artes (havia muitas pinturas nela). Eram esses os três andares do prédio.
   Estava chovendo muito, porém não tanto para fazer com que as árvores se curvassem perante a onipotência das nuvens cinzas da tempestade.
   Um grupo de homens havia se encontrado na sala de reuniões do segundo andar e exerciam nela os seus deveres. O barulho das portas batendo pelo vento mostrava que uma grande tempestade poderia se formar. Decidiram, então, agilizar suas tarefas para, o quanto antes, voltarem para suas casas. Até que os barulhos de portas batendo começaram a incomodar e a ficarem perceptíveis no campo sensorial. Decidiram sair do salão para fechar todas elas ou para ver se alguém entrara no prédio (um ladrão, por exemplo).Entretanto, todos não poderiam sair da sala sem terminar suas tarefas. Era assim que funcionava. Um levantou-se e decidiu averiguar em nome de todos. Houve consenso.
   - Fulano, venha comigo, por favor. - o forasteiro pedira.
   Os dois rapazes saíram da sala para averiguar o que estava acontecendo no prédio vazio. Subiram ao terceiro e mais belo andar do prédio. Na escada, decidiram parar, pois escutaram passos.
   - Escutou isso? - perguntara o segundo.
   - São passos.
   - Tem mais alguém aqui no prédio?
   O que eles escutaram, foram passos ecoados. Como se terminassem de caminhar e ainda continuasse o som a se propagar. Quando cessou, continuaram a subir as escadas até o terceiro andar e viram que a porta do salão de artes estava fechada. Uma linha de luz saía por baixo da porta.
   - Deve ter gente aí.
   - Estranho, não nos avisaram de nada.
   - Bate e vê. - sugeriu ele.
   Bateram na porta. Nada.
   - Que estranho.
   Bateram mais uma vez. Nada.
   Um deles olhou na fechadura da porta. Vira a sala vazia, porém toda iluminada. Decidiram entrar. Abriram a porta e entraram.
   De fato, não havia ninguém na sala. Todas as luzes estavam acessas. Apagaram elas e decidiram descer as escadas até o primeiro andar.
   - Alguém deve ter se confundido e vindo pra cá sem saber que estaríamos no segundo andar. - teorizou um.
   - Pode ser. Vamos perguntar pra eles.
   No caminho para o primeiro andar, voltaram a ouvir barulhos de portas batendo com força, mas todas estavam fechadas...
   Chegando no primeiro andar, eles foram direto para a cozinha, onde não havia nada de estranho lá. Dali, seguiram pelo longo corredor até chegar no salão de recepção. A porta do salão estava entre aberta com um feixe de luz saindo dela. Acharam estranho, pois ninguém ficava ali, ainda mais quando só o grupo deles estava no prédio. Os dois rapazes se olharam e decidiram entrar na sala. Abriram a porta e viram, novamente, todas as luzes acessas sem nenhum presente.
   - Que estranho. - suspirou um.
   - Vamos subir pro segundo andar e falar com os outros.
   Decidido isso, subiram ao segundo andar para voltar e contar as novidades. Quando deixaram a sala com as luzes já apagadas, escutaram barulhos ritmados de metais se batendo. Como se fosse goteira de metal. Deixaram estar e continuaram a subir as escadas até o segundo andar.
   Chegando no segundo andar, antes de voltarem a entrar na sala, notaram que o corredor das escadas que levava para o terceiro andar estava iluminado. Mas as luzes haviam sido apagadas. Foram até eles e não encontraram ninguém lá. Apagaram as luzes e decidiram voltar à sala de reuniões.
   Na sala de reuniões:
   - E então? - um perguntou.
   - Não tinha ninguém. Fechamos as janelas e todas as portas.
   - Ótimo.
   - Alguns dos senhores foram lá pro terceiro andar? - um perguntou.
   Os oito homens que ficaram na sala se olharam. Um respondeu:
   - Eu afirmo ter sido o último, pois fui eu quem apagou as luzes em função de temer que a goteira pudesse gerar um curto-circuito.
   - E fechou a porta? - perguntou outro.
   - Claro. Sabia que ela ia bater se a deixasse aberta. Por quê?
   Não responderam.
   - E alguém foi ao primeiro andar na sala de recepção?
   Agora, a pergunta fora estranha. Ninguém ia naquela sala há meses. Trocaram olhares e responderam baixos "nãos".
   - Então esqueçam...
   A reunião seguiu-se tranquilamente, quando, no final dela, ao saírem, os dez homens notaram que todas as luzes do prédio estavam acessas e que ninguém havia entrado ou saído, pois a gigantesca porta de ferro não havia sido destrancada desde o início do dia. Todas as janelas estavam fechadas e as poucas portas que tinham, foram fechadas à chave. Os barulhos de portas batendo continuaram. Após apagarem todas as luzes, novamente, saíram do prédio e um deles afirma ter ouvido um sussurro na saída.

Foi apenas um final de semana chuvoso de um dia qualquer, em um ano qualquer, que aconteceu algo paranormal em um lugar qualquer.

Matheus I. Mazzochi

quarta-feira, abril 18

Apenas um Acerto de Contas

   Ele ia encontra-lo no bordel. É lá onde os cães covardes se escondiam toda vez que faziam alguma merda. Sentiam-se carentes, inferiores e tristes. Iam revigorar algo que eles criam se chamar "força" ou "dignidade". Filhos da puta de trinta e poucos anos chorando no colo das cortesãs que eles pagavam. Ele sabia que o encontraria lá. Era por isso que estava indo.
   O sol tingia seu rosto diagonalmente. À passos firmes e rápidos, caminhava em direção ao bordel da cidade. O único e previsível bordel da cidade. Chegou na porta, entrou.
   - O que pensa que está fazendo aqui? - perguntou um homem que se levantara da cadeira onde estava sentado.
   Ele permanecera quieto, parado na porta do bordel olhando para os lados como se estivesse procurando alguém.
   - Eu tô falando contigo, não tá me ouvindo? - insistiu o homem.
   Ele respondeu:
   - Não vim falar contigo.
   Silêncio.
   Um assobio ecoou. Um homem surge do segundo andar caminhando lentamente.
   - Não acredito que teve a cara de pau de aparecer por cá. - disse.
   Ele ficou parado, ainda na porta, olhando para o homem.
   - Pois bem... - continuou - Aposto que veio tirar satisfações comigo. Estou certo?
   Silêncio.
   - Não sou homem de tirar satisfações. - finalmente retruca.
   O rapaz do segundo andar começa a descer as escadas cuidadosamente até parar no primeiro degrau. Com uma de suas mãos apoiada no corrimão, da um tapa no chapéu com a outra:
   - Se me permitir corrigir, não e homem e ponto.
   Alguns que estavam sentados assistindo levantaram-se bruscamente e saíram do salão principal do bordel. Os dois ficaram estáticos no mesmo lugar acompanhando a debandada.
   - Eu sabia que te encontraria por aqui. Covardes assim andam em bando. - disse.
   - Cuidado. Teu amigo morreu por falar demais.
   Um tiro perfura sua cabeça. O sangue esparramado no chão parece ter sido atirado por um balde. Os primeiros degraus da escada foram tingidos. Um homem encontrava-se estatelado na escada do Hall de entrada do bordel.
   - É... Fiquei sabendo...Um tiro na testa sempre resolve.
   Fora apenas um acerto de contas.
 
Matheus I. Mazzochi
 
 

domingo, março 25

Alice no País das Maravilhas

Capítulo VI - Porco e Pimenta

(...) "'Gatinho de Cheshire' começou um pouco tímida, pois não sabia se ele gostaria do nome, mas ele abriu ainda mais o sorriso. 'Vamos, parece ter gostado até agora', pensou Alice, e continou. 'Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para sair daqui?'
        'Isso depende bastante de onde você quer chegar', disse o Gato.
        'O lugar não me importa muito...', disse Alice.
        'Então não importa que caminho você vai tomar', disse o Gato.
        '... Desde que eu chegue em algum lugar', acrescentou Alice em forma de explicação.
        'Oh, você vai certamente chegar a algum lugar', disse o Gato, 'se caminhar bastante.'
        Alice sentiu que não havia como negar essa verdade, por isso tentou outra pergunta. 'Que tipo de pessoas vivem por aqui?'
        'Nesta direção', disse o Gato, girando a pata direita, 'mora um Chapeleiro. E nesta direção', apontando com a pata esquerda, 'mora uma Lebre de Março. Visite quem você quiser, são ambos loucos.'
        'Mas eu não ando com loucos', observou Alice.
        'Oh, você não tem como evitar', disse o Gato, 'somos todos loucos por aqui. Eu sou louco. Você é louca.'
        'Como é que sabe que eu sou louca?', disse Alice.
        'Você deve ser', disse o Gato, 'senão não teria vindo pra cá.'"
        (...)



Lewis Carrol, Alice no País das Maravilhas, 1865

segunda-feira, março 12

No Sermão que Pregou na Madre de Deus D. João Franco de Oliveira, Pondera o Poeta a Fragilidade Humana

Na oração que desaterra.........................................aterra
Quer Deus, que, a quem está o cuidado.................dado
Pregue, que a vida é emprestado............................estado
Mistérios mil, que desenterra.................................enterra.

Quem não cuida de sí, que é terra..........................erra
Que o alto Rei por afamado...................................amado,
E quem lhe assiste ao desvelado............................lado
Da morte ao ar não desaferra.................................aferra.

Quem do mundo a mortal loucura.........................cura,
A vontade de Deus sagrada...................................agrada,
Firmar-lhe a vida em atadura................................dura.

Ó voz zelosa, que dobrada....................................brada,
Ja sei, que a flor da formosura..............................usura
Será no fim desta jornada......................................nada.


Gregório de Matos Guerra - O Boca do Inferno
Clássicos da Poesia Brasileira - O Barroco

quinta-feira, fevereiro 23

"Não gosto de Urologistas", ele dizia.

"Não gosto de Urologistas", ele dizia.
Sempre quando o assunto chegava perto, sua opinião era sempre ouvida por todos:
- Não gosto de Urologistas.
- Mas por quê?
- Porque não gosto.
Sempre quando o assunto era tocado, sua opinião era ouvida por todos:
- O Tio Fernando terá de ir a um Urologista.
- Coitado...
O homem tinha um filho e uma filha. O menino era mais velho que a menina. Ele tinha dez anos; a menina, cinco. O pai sempre foi atencioso e um bom exemplo para ambos. Adorava a filha.
- Como vai a princesinha do papai?
- Bem. To brincando aqui.
- Até brincando és a princesinha mais linda.
Ela adorava os elogios do pai. Depois de cada frase exagerada, a filha sempre pulava nos braços dele para ficar agarrada.
Seu relacionamento com o filho tambem era bom. Quando o menino prestou  vestibular e passou por todos os estresses que todos têm de passar para se tornarem alguém de respeito nos dias de hoje, os conselhos do pai ajudaram muito o menino. Enfim, chegou o grande dia. Pai levantava cedo para levar seu primeiro filho para o seu primeiro vestibular. Orgulho misturado com nervosismo.

                                                                           *
O listão saiu.
- CARALHO! PASSEI! PUTA QUE PARIU! PASSEI, PAI!
- CARALHO! PUTA QUE PARIU! MEU FILHO É FEDERAL!
No primeiro vestibular prestado, o menino entrara na Universidade Federal.
Escolhera Medicina.
                                                                           *
A vida foi seguindo seu rumo como tudo nesse mundo. O homem estava envelhecendo e precisava fazer seus exames anuais. Como de costume (ano após ano), reclamava ao ir ao Urologista. Certo dia, em uma consulta, disse:
- O senhor tambem trepa, doutor?
- Tambem sou homem, meu amigo.
- Então não me venha com abstinência sexual, porra. Sejamos humanos.
Quando chegava em casa, a mesma coisa:
- Como foi lá?
- A mesma merda. Não gosto de Urologistas.
Muito tempo se passou até que seu filho se especializou em uma área de atuação medica: escolhera a Cardiologia. Um doutor especialista nas doenças do coração. O orgulho do papai e da mamãe. Estava já crescido, independente financeiramente e namorando. A família já havia conhecido a suposta noiva. Uma janta fora feita para celebrar esta nova fase. Todos convidados: familia e familia da nora, amigos do filho e amigos dela, amigos da família em geral. Estavam todos felizes. O pai era só orgulho. No brinde, levantou a taça e bradou:
- Ao Cardiologista!
- Ao Cardiologista! - todos repetiram.
Durante a festa, ficara longe dos jovens médicos que preferiram pela Urologia.
- E a tua área, meu jovem?
- Urologia.
- Não gosto de Urologistas. - dito isso, levantou-se e foi conversar com outros.
No final da festa, chegara perto do filho e disse:
- Meu filho, o pai ainda se lembra quando eras um bebezinho...
- Ah, pai...
- Sempre soube que serias o melhor. Eu via a carinha de safado quando a mamãe o pegava e o amamentava. "Esse vai render" eu pensava. Realmente.
- Obrigado, pai...Acho.
- Não sabe o alívio que me deu ao saber que não serias Urologista.

                                                                         *
Bem, o homem tinha uma filha também! E ela já havia entrado na Universidade e tambem já havia começado a namorar. A família já sabia das novidades, porém o genro era apenas um nome que ecoava pelos corredores da casa. O pai estava curioso para saber quem era o marginal que iria roubar sua princesinha de casa.
- Quantos anos ele tem?
- Ele tem trinta.
- Trinta? Mais velho... E o que faz da vida?
- Ele estuda na mesma Universidade que eu, pai.
- Conhece a família dele?
- Já conheci. A família é bem legal.
- Ele te trata bem?
- Muito. É super carinhoso comigo. Sabe, realmente, como fazer uma mulher feliz, sabia?
O pai já havia saido da sala.

Eis que o dia do "marginal" aparecer chegou. Fora feito um churrasco como de costume. Pai, Mãe, o filho Cardiologista (orgulho do pai) e a nora. Todos presentes. A campainha tocara.
- É ele! - disse a menina.
Ela correu para a porta. A mãe continuou conversando com a nora e o filho com o pai ali na churrasqueira.
- Pai, Mãe... - chamou todos. - quero apresentar o meu namorado.
"Olá", "Oi", "Como vai?" e "Tudo bem?" foram sendo ditos ali. O rapaz era bonito, limpo e discreto.
- Esse é o papai. - disse a menina, levando o namorado até a churrasqueira, pois o pai não saiu dali.
- Oi. Eu sou o pai. - apertara a mão do jovem e olhara bem em seus olhos. Gostara dele a partir dali.
A conversa vem tão natural em um ambiente com comida, quanto a gula. Histórias foram contadas, causos, ditos populares, opiniões políticas e futebolísticas, quem iria ser eliminado no reality show mais batido que mulher de brigadiano. O pai havia gostado do jovem. Podia ser ele o homem para se entregar a filha? Calma lá!
- Então, meu jovem, o que tu faz pra ganhar a vida?
- Pai...
- Eu faço Medicina.
- Meu filho tambem faz. É um grande Cardiologista.
O Cardiologista falou:
- Sou um Cardiologista, apenas. O velho gosta de exagerar. Seus elogios são tão altos quanto a sua pressão.
Todos riram. Alguns porque realmente acharam engraçado o comentário; outros, por educação. A mulher do Cardiologista preferiu seguir a última.
- E tu?
- Eu comecei a pouco a trabalhar. Já me formei.
- Meu namorado é Urologista, pai.

Os mistérios da vida e a ironia do destino sempre serão algo para nos tirar o sono, mas para os Psicanalistas que carimbam Freud em suas testas, nada mais pode ser surpresa.


Raul Luar


    

sexta-feira, fevereiro 17

Com Licença

Sentada no sofá, ela está com sono.
Seus olhos estão quase se fechando.
Dorme, pequena, dorme.

Sonhe, linda, sonhe.
Sonhe com o futuro lindo,
Sonhe com ele vindo.
Só não sonhe com anjos, pois eles não têm sexo.

Mas ele ainda não chegou.
Ela preparou um achocolatado e o está bebendo.
Como eu gostaria de ser aquele copo frio para estar nas mãos quentes dela.
Como eu gostaria de ser aquele achocolatado para poder tocar em seus lábios macios.

Ela ri enquanto vê a televisão.
Seu sorriso cora seu rosto.
Bochechas rosas, dentes brancos, olhos castanhos...
...
Vou sair daqui e assumir meu posto.

Boa noite a todos.


Matheus I. Mazzochi

domingo, fevereiro 5

Mulheres

            " (...) Eu conseguia inventar homens na minha cabeça, pois era um deles; mas, as mulheres, era quase impossível escrever sobre elas sem as conhecer de fato. Assim, eu as pesquisava intensamente e sempre descobria seres humanos lá dentro. Deixava a escrita de lado. A escrita representava muito menos que o episódio vivido em si, até que terminasse. A escrita era apenas o resíduo. Homem nenhum precisava de mulher para se sentir real de verdade, mas era bem legal conhecer algumas. Daí, quando o caso ia mal, o sujeito conhecia pra valer o que era a solidão e a loucura, e assim ficava sabendo o que o esperava quando seu próprio fim chegasse...
              Eu era sensível a muitas coisas: um sapato de mulher debaixo da cama; o jeito de elas dizerem: 'vou fazer xixi'; prendedores de cabelo; andar com elas pelos bulevares à uma e meia da tarde, só os dois, juntinhos; as longas noites bebendo, fumando, conversando; as brigas; pensar em suicídio; comer juntos e se sentir bem; as brincadeiras, as gargalhadas sem motivo; sentir milagres no ar; estar junto com elas num carro estacionado; lembrar amores passados às três da manhã; ser avisado de que você ronca; ouvi-la roncando; mães, filhas, filhos, gatos, cachorros; às vezes morte, às vezes divórcio, mas sempre tocando pra frente, sempre chegando no ponto final; ler um jornal sozinho numa lanchonete, nauseado pelo fato de ela ter se casado com um dentista de QI 95; pistas de corridas, parques, piquenique nos parques; até prisões; os amigos chatos dela, os seus amigos chatos; seus porres, a dança dela; seus flertes, os flertes dela; as pílulas dela, as suas trepadas fora do penico, ela fazendo o mesmo; dormir juntos...
              Nada de julgamentos; se bem que, por necessidade, a gente acaba ficando seletivo. Pairar acima do bem e do mal fica bem na teoria, mas para seguir vivendo é preciso selecionar: algumas são mais ternas que as outras; talvez sejam apenas mais interessadas por você. Às vezes, as belas por fora e frias por dentro são úteis  só para uma boa sacanagem, igual aos filmes de sacanagem. As mais carinhosas trepam melhor na verdade, e depois de um tempo ficam lindas só por estarem ali. (...)"  

                                                                            Henry Chinaski

Mulheres - Charles Bukowski - 1978

sábado, fevereiro 4

A Beleza do Corpo Feminino

Raul Luar, certo dia, foi caminhar.
E encontrou a morena de seus sonhos.
A sétima, devemos ressaltar,
Na sacada, em gestos enfadonhos.

Curioso, o poeta apaixonado
Escondeu-se atrás do muro,
Para admirar embasbacado
A beleza do corpo puro.

A beleza do corpo feminino,
Pelo melhor escultor esculpido,
Deixa qualquer homem são
Na mira do cego cupido.

Eis que a morena debruçou-se na varanda.
E seus lábios caramelados liberaram um suspiro.
Como a parte circular da Lua surgindo entre a nuvem branda,
Os seios foram sendo apertados. Eis o que me refiro...

Como um jovem virgem hipnotizado,
Raul Luar disse: “Deus meu, assim eu piro”.
Pulou o muro olhando para ela
Preciso e certeiro como um perfeito tiro.

Porem até o tiro perfeito pode ricochetear,
Se na frente dele algo surgir.
E Raul Luar não poderia adivinhar
Que do outro lado do muro, um cão estava a dormir.

Matheus I. Mazzochi

Por Conta Própria

"É muito confortável ser um menor. Se eu tenho um livro que pensa por mim, um pastor
que age como se fosse minha consciência, um físico que prescreve a minha dieta e
assim sucessivamente, não tenho então necessidade de empenhar-me por conta
própria. Se eu posso pagar, não tenho necessidade de pensar. Muitos poderão
discordar comigo nessa matéria: os próprios guardiães que se encarregam de cuidar
para que a esmagadora maioria da humanidade – e, dentro dela, todo o sexo feminino
– não alcance a maturidade, não apenas por ser desagradável, mas extremamente
perigosa. Tais guardiães tornam estúpido seu gado doméstico e cuidadosamente se
previnem para que suas dóceis criaturas não tomem caminho próprio sem seus arreios.
Assim, eles mostram para seu gado o perigo que pode ameaçá-los caso pretendam
andar por sua própria conta.

Na verdade, o perigo não é realmente tão grande quanto parece. Afinal, depois de
tropeçar um pouco, todos aprendem a andar. Entretanto, exemplos de tropeços
intimidam e geralmente desencorajam todas as novas tentativas. Portanto, é muito
difícil para o indivíduo agir por sua própria conta e superar a menoridade, que se torna
para ele quase uma segunda natureza. Assim, mesmo que esteja já amadurecido, o
indivíduo é desde o início incapaz de usar seu entendimento por conta própria porque
nunca se permitiu tentar fazer isso. Dogmas e fórmulas – estas ferramentas mecânicas
para usos razoáveis (ou, pelo contrário, abusivos) das dádivas naturais dos indivíduos –
são os grilhões de uma duradoura menoridade. O homem que se livra deles dá um
salto incerto acima do abismo, mas este tipo de movimento livre não é comum. Eis a
razão para o fato de que apenas poucos homens caminham decididamente e saem da
menoridade, cultivando seus próprios pensamentos. No entanto, é praticamente certo
que o público possa esclarecer-se. De fato, basta que a liberdade seja dada para que o
esclarecimento torne-se praticamente inevitável.

Sempre haverá pensadores independentes, mesmo entre os auto-intitulados guardiães
da multidão. Uma vez que tais homens livrem-se do jugo da menoridade, derramarão sobre si o espírito de uma apreciação razoável do valor humano e de seu dever de pensar por conta própria. (...)"

Immanuel Kant - Trecho de "Esclarecimento" (ou "Iluminismo") -1784

segunda-feira, janeiro 23

Invictus

Out of the night that covers me,
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll,
I am the master of my fate;
I am the captain of my soul.

William E. Henley - Book of Verses - 1875

sexta-feira, janeiro 20

A resposta que todos querem ouvir.

O dia começou tenso.
Todos estavam preocupados se iria ocorrer corretamente como planejado ou não. Todos... Sem exceção. Os homens entraram no carro e botaram o cinto. Pareciam cavaleiros colocando o cinto que prendia suas espadas em suas costas. O motorista colocou a chave na ignição com a mão direita e olhou o relógio que estava na mão esquerda. Estavam atrasados. Aceleraram o bastante para chegarem rápido sem atropelar alguém ou infringir alguma lei de trânsito.
            - Eu vou matar todo mundo. Menos tu, pois é o que trabalha. Preciso de ti.
O motor desligou, as portas bateram, os cintos foram abertos. Na rua, os dois homens surgiram do carro. Um deles fez uma concha com as mãos e delas saiu uma luz:
- Quer um cigarro?
- Também preciso.
- Por isso levo comigo. – ele falava com os olhos semi-abertos pela fumaça e com a boca torta, pois segurava o cigarro com os lábios. – Para dias como esse.
- Todos nós precisamos de um escape.
Houve concordância com o balançar da cabeça. Ficaram ali fora fumando. Apesar de estarem atrasados, ainda não era a hora.

*

Em plena escuridão, a sala não podia ser vista. Com o acostumar dos olhos, os vultos negros podiam ser identificados pela forma do corpo do companheiro. Uma luz fraca vinha de algum lugar que permitia essa visualização. Em sussurros, os homens tomaram uma decisão.
- Nada ainda? – sussurrou um.
A cabeça negou.
Silêncio. O vulto da cabeça aumentou prum lado só. Ele havia virado ela para a direita para pensar melhor. Sua mão fez um sinal para o outro aproximar a orelha.
- Se estiver na hora, faça.
O ouvinte se afastou surpreso. Não acreditara. A mão do outro voltou a pedir aproximação.
- Entendeu?
- Sim...
Se abraçaram. O sinal fora dado.
- É tudo contigo, agora.

A primeira coisa que ele fez ao sair da sala foi pensar e refletir em como fazer tal tarefa, em como cumpri-la. Lá fora, escorou-se no muro, colocou um dos pés nele e uma mão no bolso. Como James Dean. Acendeu um cigarro, fungou, e ficou em silêncio enquanto a fumava o envolvia.
Numa situação como aquela, um homem em silêncio pode ter a resposta que todos querem ouvir.

Matheus I. Mazzochi

quinta-feira, janeiro 19

Tem um problema com os escritores...

"Tem um problema com os escritores. Se o livro de um escritor foi publicado e vendeu um montão de cópias, o cara se acha um grande escritor. Se o livro de um escritor foi publicado e vendeu um número razoável de cópias, o cara se acha um grande escritor. Se o livro de um escritor foi publicado e vendeu muito poucas cópias, o cara se acha um grande escritor. Se o livro de um escritor nunca foi publicado e o cara não tem dinheiro suficiente para publicá-lo por si mesmo, aí é que ele se acha de fato um grande escritor. Mas a verdade é que há muito pouca grandeza. Quase inexistente. Invisível. Pode estar certo de que os piores escritores são os que têm mais autoconfiança e se põem menos em dúvida. De qualquer jeito, é melhor evitar os escritores; é o que sempre tentei fazer, mas é quase impossível. Eles sonham com uma espécie de irmandade, de união. Nada disso tem coisa alguma a ver com escrever, nada disso ajuda na máquina."

Henry Chinaski

Charles Bukowski - Mulheres - 1978

Eu te chamo.

- Consegue fazer isso aí sozinha?
- Consigo, pode deixar.
- Deixa só eu te ajudar nisso aqui... Deu. Agora deve ficar mais fácil.
- É, ficou mesmo. Obrigada.
- Qualquer coisa, me chama que eu venho correndo pra te ajudar, ta bom?
- Ta. Eu te amo.
- O quê?
- Eu disse que te chamo. Qualquer coisa, eu te chamo.

Matheus I. Mazzochi

sábado, janeiro 7

38,5º


Eu estava delirando. Não. Acho que já seria mais propício dizer que estava alucinando. Deitado em meu colchão, não conseguia dormir pela enorme dor de cabeça. Era pior que ressaca. Havia uma broca na minha região temporal e parietal. Parecia que, com uma furadeira, ela entrava e saía. Conseguia sentir a ressonância e a reverberação das ondas sonoras por todo meu neurocrânio. A dor era demais.
            Suando, com o ventilador de teto ligado, eu ficava, ora colocando, ora tirando o lençol de cima de meu corpo. Eu precisava diminuir a temperatura corporal, senão poderia morrer. Ao tirar, passando dois minutos, sentia frio e me arrepiava. Cobria-me novamente e voltava a suar. Era um horror. Meu cérebro estava derretendo. Meus olhos doíam. Parecia que alguém estava apertando eles na região superior, precionando-os, querendo afundá-los no meu crânio. Só de imaginar isso, já sentia mais dor...
 Estava tonto e completamente fora de si. Não podia pensar em nada que minha imaginação saía da minha cabeça e ia me cumprimentar como o Chaves fazia ao sair do barril. Olhava para um lado virando minha cabeça e a cena continuava mesmo ela estando parada. Parecia que tudo estava em câmera lenta. Vinham como uma onda e depois voltavam. Olhei para uma medalha que estava pendurada em uma das prateleiras e ela estava balançando. Ia para um lado e para o outro como um pêndulo. Parecia que havia uma corrente de ar que a impulsionava para fazer tais oscilações. A janela estava fechada. Todas as janelas estavam fechadas.
 Estava muito abafado. Eu lá, num quarto completamente abafado, delirando –alucinando- com 38,5 º de febre.
            Olhei para a parede que estava em meus pés (estava deitado de barriga para cima). Bem, olhei para baixo, então... Enfim, eu olhei para um quadro dos Beatles. Estavam eles lá, em preto e branco, olhando para o lado direito, todos eles, com um sorriso de canto de lábio. Fiquei olhando e me perguntando o porquê que eles estavam sorrindo. A imagem fazia os lábios se mexerem. Eles realmente estavam rindo de alguma coisa. Fechei meus olhos e consegui escutar a risada de um deles. Ao abrir, eles estavam na janela ao meu lado olhando para fora. Continuavam seguindo a postura da foto: juntos, sorrindo. Fiquei me perguntando o que diabos eles estariam vendo. Estavam grudados, preenchendo o mesmo espaço no meu quarto. Apoiaram suas mãos na mesa embaixo da janela, para poderem inclinar suas narinas para cima e olhar para baixo com seus olhos. Com as narinas cada vez mais apontadas para cima e seus olhos cada vez mais olhando para baixo, seus calcanhares saíram do chão e ficaram na ponta dos dedos como uma dançarina de balé procurando algo nas ruas. Curiosos e sempre juntos como se fossem um corpo só com quatro cabeças e vários braços e pernas, os garotos de Liverpool apontaram seus narizes para baixo e começaram a olhar para cima. Ficaram corcundas. Estavam procurando algo no céu...

            - “Acho que estou a vendo brilhando...” – disse um.
           
            De tanto que seus olhos apontavam para cima e suas narinas para baixo, eles começaram a se dividir ao meio, como um processo de meiose, como um zíper ao abrir. Os olhos foram olhando para cima e as narinas indo mais para baixo. Estavam se rasgando. A região entre o nariz e os olhos gerou uma fissura que se abriu. Os dois pólos (olho e nariz) se abriram como um zíper ficando mais distantes e circulares, as pontas formavam circunferências entre elas como uma antena de inseto. Quando vi melhor, na minha frente havia quatro insetos procurando algo no céu. Eles começaram a cantar “I am the Walrus” para mim.

-         “I’m the eggman…The are the eggman… I am the Walrus!”






Sério…



           
Eu precisava de outro Tylenol.



Matheus I. Mazzochi
           

quinta-feira, janeiro 5

segunda-feira, janeiro 2

As Armas e os Barões Assinalados...

- Já leu “Os Lusíadas”?
- Já.
- E aí? O que tu achou?
- Ah...eu achei bonita a história e tal, mas não consegui entender bem ao lê-la. É uma leitura difícil, podemos dizer assim.
- É verdade.
- Por quê?
- Acreditas que eu cheguei a decorar o início?
- Tu não tinhas o que fazer, né?
- É verdade! Eu fui o único a gostar do livro em minha turma. Achei bonita a história. Linda, para dizer a verdade.
- E por tê-la achada linda pensou: “Hm, vou decorar o início e sair aí declamando, afinal, ele é lindo!”?
- Não foi assim.
- É sério que tu decorou aquele caminhão de doze versos?
- Eu decorei só a primeira estrofe e a terceira... E eram oito versos, ta? Doze era a musicalidade, a métrica. Alexandrinos, os mais lindos e difíceis de serem feitos.
- Difíceis? Foram feitos por um ciclope.
- É, ele perdeu um olho, sim, mas não perdeu o título de ser excelente!
- Ele foi bom no tempo dele, temos que admitir.
- Bom é meu vô, Camões é excelente!
- Ah, que exagero...
- “As armas e os barões assinalados/ Que da ocidental praia Lusitana/ Por mares nunca d’antes navegados/ Passaram ainda além da Taprobana/ Em perigos e guerras esforçados/ Mais do que prometia a força humana/ E entre gente remota edificaram/ Novo Reino, que tanto sublimaram...”
- Tu decorou isso?
- Calma, tem mais a terceira estrofe!
- Ah, tem mais a terceira estrofe...
- É a mais linda!
- Então tenho que ouvi-la... Por favor, declame-a...
- Tu gosta de tirar sarro, mas escuta só: “ Cessem do sábio Grego e do Troiano/ As navegações grandes que fizeram...”
- Uuuh...
- “Cale-se de Alexandro e de Trajano/ A fama das vitórias que tiveram! / Que eu canto o peito ilustre Lusitano/ A quem Netuno e Marte obedeceram/ Cesse tudo o que a Musa antiga canta/ Que outro valor mais alto se alevanta!” Olha isso, cara! É um ufanismo lindo! É perfeito! A cadência, o ritmo, as rimas, o nexo... Bah!
- Nenhum ufanismo pode ser dito como lindo...
- Ah, eu acho lindo.
- E tu decorou tudo isso pra quê? Achava lindo, só?
- Aham.
- Tu era virgem, né?
- Hein?
- Sério, pode me contar. Pode te abrir pra mim...
- Eu achei lindo mesmo. Eu tava lendo o livro sem a intenção de decorá-lo até que eu fui ao médico. Conversando com ele, ele me declamou o início.
- O médico?
- Aham. Ele disse:
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- Ah, mas Os Lusíadas é uma obra bem complexa e difícil.
- É pro vestibular.
- Guri, eu te falo, mesmo lendo livros pro vestibular, tente lê-los com vontade. Nada supera uma boa leitura.
- Nada?
- Ta, nada não. Só uma boa... né?
- Ah!
- Mas mesmo assim. Têm algumas que serviram até de inspiração para ótimas obras!
- Entendo.
- Eu tive que ler Os Lusíadas também. Achei um saco!
- É mesmo?
- Sim! Algo horrível para se dar a jovens de 15, 16 anos. Meu deus do céu! O que tinham na cabeça aquelas pessoas? Nos davam cada tarefa.... Eu tive que decorar algumas estrofes no meu tempo!
- Decorar?
- Sim, decorar. “As armas e os barões assinalados/ Que da ocidental praia Lusitana/ Por mares nunca d’antes navegados” Era assim que começava o estorvo...
- Nossa.
- “ Cessem do sábio Grego e do Troiano/ As navegações grandes que fizeram / Cale-se de Alexandro e de Trajano/ A fama das vitórias que tiveram! / Que eu canto o peito ilustre Lusitano/ A quem Netuno e Marte obedeceram/ Cesse tudo o que a Musa antiga canta/ Que outro valor mais alto se alevanta!”
- Tu declamas muito bem. Fiquei com vontade de ler até!
- Ah! Não me faça rir! É muito bonito se tu for parar para ler mesmo o que ele fala, entende? Foi uma maneira para engrandecer as navegações portuguesas, a história de Portugal. Nada, ele diz, nada se compara à história Lusitana. Eu disse nada! Nem os Gregos! Por isso o “Cessem do sábio Grego e do Troiano”.
- E Alexandre e Trajano?
- Trajano foi um exímio imperador romano que conquistou muitas terras. Alexandre foi o “Alexandre, o Grande”, que dispensa explicações, né?
- Sim.
- E ele nos manda calar a boca para ouvirmos as histórias Lusitanas, as quais são mais dignas e mais esplêndidas! Olha o nível!
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- Que médico diferente.
- Ele me fez parar de ler o canto IV e voltar desde o começo. Mudou minha vida.
- Ele curou o que tu tinhas?
- Ele me fez entender Camões, cara.
- E tu saia declamando o inicio pelo colégio?
- Cheguei pra professora no dia da prova:
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-Sora!
- Diga, meu querido.
- “ Cessem do sábio Grego e do Troiano/ As navegações grandes que fizeram / Cale-se de Alexandro e de Trajano/ A fama das vitórias que tiveram! / Que eu canto o peito ilustre Lusitano/ A quem Netuno e Marte obedeceram/ Cesse tudo o que a Musa antiga canta/ Que outro valor mais alto se alevanta!”
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- E ela?
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- Meeeeu Deeeus... O que foi que eu fiz, Jesus?
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- Bah! Que broxante! Deveria ter sido uma excelente professora...
- Não era.

 Matheus I. Mazzochi